quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 82 - Por Luiz Domingues

Antes de falar sobre o próximo show que realizamos, e que tratou-se de um mini festival, conforme eu já havia comentado anteriormente, preciso mencionar o fato de que uma oportunidade maravilhosa em outro âmbito, surgiu nesse ínterim. 

Um rapaz chamado, Danilo Gomes Santos, que até então era apenas um amigo virtual adquirido via rede social, mas com o qual eu nunca houvera tido uma aproximação concreta e nem mesmo através da própria rede social nós havíamos conversado mais detidamente, enviou-me convite para "curtir" a página de seu estúdio de gravação. 

Eu, por minha vez, independente de conhecer o estabelecimento e atestar a sua qualidade técnica, sempre gostei de apoiar e nem só estúdio de gravação, mas também salas de ensaio, escolas de música, lojas de instrumentos & acessórios, lojas de discos e tudo o que relaciona-se à música, pois sei que todos esses empreendimentos são vitais para manter a corrente em funcionamento, portanto são muitos importantes para manter a música viva, apesar dos pesares em torno da mentalidade destruidora adotada pela ação de marketing nos patamares mais altos da difusão cultural mainstream em face da sua opção deliberada e nefasta pela anticultura.

Entretanto, o que eu não esperaria, ao demarcar um simples "curti"/"like" na página do estúdio dirigido por Danilo, foi que ele empolgou-se com a minha simples demonstração pública em sinal de apoio e tanto foi assim que procurou-me pelo "inbox" da rede social, "Facebook", não só para agradecer-me, mas para formular-me uma proposta irrecusável: propôs uma sessão de gravação gratuita em seu estúdio. 

Ora, que oportunidade maravilhosa, não tive dúvida em aceitar prontamente a sua oferta gentil e já coloquei-me à sua disposição. 

Em princípio, ao dizer-se fã de trabalhos meus mais antigos, como por exemplo com A Chave do Sol e Patrulha do Espaço, ele não conhecia a minha história com Os Kurandeiros e dessa forma, ao concretizar-me o seu convite, deduziu que eu não tinha nenhum trabalho autoral naquele momento e assim sugeriu-me algo sobre arregimentar músicos para gravar uma música sob regime solo, mas eu logo esclareci que eu era componente de uma banda bem estruturada e certamente que usaria o convite em seu favor.

Falei com os companheiros da banda e todos ficaram contentes com a oportunidade e claro que aceitaram, de pronto. Cogitamos usar o feriado do carnaval para empreender tal gravação, mas o Danilo não poderia atender-nos nesses dias, devido a estar comprometido com os seus clientes, já previamente agendados. Portanto, ficou marcado para mais tarde, mas ainda em fevereiro de 2018, a nossa gravação no estúdio, Prismathias. Falo sobre essa gravação, mais adiante.

Todavia, tínhamos um show para realizar e esta prometera ser uma noitada muito boa, pelo teor de um mini festival no qual revestir-se-ia. A pensar-se na velha prerrogativa que dava conta de que Rockers adoram shows de Rock em pleno Carnaval, lá fomos nós participar, mas com a experiência adquirida, claro que a levar em consideração que muita gente que odeia carnaval aproveita para viajar nesse referido feriado e assim, o melhor ali seria não criar expectativas, negativas ou positivas e foi o que fizemos. 

Dividiríamos a noite com duas bandas boas do circuito do Blues/Blues-Rock e até a esbarrar no mundo do Rockabilly, aquela variante bem típica dos anos cinquenta a misturar o Rock'n' Roll bem tradicional daquela década com o som da Country-Music e assim a gerar um Rock rápido, mais vigoroso e caipira, daí a expressão cunhada a denotar a caipirice norte-americana, explícita. 

Sobre a vertente do Blues-Rock, responderia o "Power Blues", uma banda relativamente nova no mercado paulistano, porém formada por músicos veteranos no circuito e o Rockabilly ficaria por conta de um trio também tradicional no circuito, o Caio Durazzo Trio.

Montagem do palco, com Carlinhos Machado de Costas e Nelson Ferraresso ao fundo. Click: Luiz Domingues
 
Cheguei cedo ao Alkatraz, uma casa tradicional no coração da Rua 13 de maio, no popular bairro da Bela Vista, mais conhecido como Bexiga, no centro-sul da cidade de São Paulo. Casa com história naquela rua, outrora bem musical, mostrava uma boa estrutura ainda, com palco e um bom equipamento de PA e iluminação, fruto de noitadas mais concorridas do passado, quando a rua em questão atraia multidões e pulsava toda a noite com diversas bandas a atuarem simultaneamente ali e nas casas concorrentes. Apesar da decadência da rua, além do Alkatraz em questão, mais três casas mantinham-se em pé e mesmo que não lotassem integralmente, ainda ostentavam o seu movimento mínimo para sobreviver, digamos assim.

Nelson Ferraresso tocaria conosco, o que seria um prazer enorme, como sempre. Logo que entrei no estabelecimento, foi ele mesmo que avistou-me e veio cumprimentar-me, efusivamente. Carlinhos Machado surgiu a seguir, e também já estava presente a montar sua bateria no palco. Quando o Kim Kehl chegou, deu para montar facilmente e conseguimos fazer um rápido soundcheck, com a oportunidade para verificarmos que o som ali seria bom, acima da média das casas onde habitualmente apresentávamo-nos, pela presença de um PA de médio porte, com pressão para show de Rock sob um pequeno/médio Teatro, talvez. 

Logo a seguir, chegaram os músicos das outras bandas e eu pude colaborar com o Power Blues, pois seu baixista, Daniel Kid (ex-roadie meu na Patrulha do Espaço e Pedra), estava atrasado e eu supri a sua ausência no soundcheck da banda. O bom, Daniel Gerber, era o guitarrista, com o meu amigo, o baterista, Fernando Rapolli, também presente nessa formação. 

Irmão de José Luiz Rapolli, baterista com o qual toquei nos anos de 1988 e 1989, com a banda, "A Chave"/"The Key", além de ser um bom baterista, igualmente como o seu irmão, Fernando era/é meu amigo desde então e um ótimo contador de histórias. 

E para completar, a vocalista da banda, Paula Mota, também era/é uma velha conhecida minha, portanto, os meus laços de amizade com essa banda eram fortes, fora da parte musical. Chegou a seguir o pessoal do trio de Caio Durazzo, com os quais eu não tinha muita liberdade, mas o Kim também os conhecia há muito tempo, sendo o baterista, Rick Vecchione, filho do baixista do Made in Brazil, Osvaldo Vecchione e também membro do Made, há muitos anos. 

Terminado o soundcheck, o que aborreceu-nos ali foi a longa espera sob uma torturante sessão de vídeoclips exibidos no telão gigante da casa. A apresentar uma maratona com clips de bandas "modernosas" dos anos 2000 em diante, todas versadas pelo som pesado e com tendências Pop desse início de milênio, foi inevitável não ficarmos profundamente incomodados pela insipidez musical de tais artistas. 

Foi até ridículo, quando em meio a tal overdose, um promo do "Queen" (o mais óbvio, da canção grandiloquente: "Bohemian Rhapsody", ali direto do meio dos anos setenta), foi exibido e o contraste entre essa sonoridade e aquele massacre das bandas modernas sob absoluta ruindade musical/estética/artística foi tão abissal que o Nelson tomou a palavra e exprimiu a sua opinião nesse sentido a quebrar o nosso silêncio respeitoso. Foi o tal negócio, estávamos a esforçar-nos para não adotar a odiosa postura ranzinza como a de velhos que sempre acham que o "seu tempo" foi melhor, mas nesse caso, tal posição detinha o poder da razão inquestionável sob qualquer análise musical imaginável, lastimo dizer ante qualquer argumentação em contrário. A anti-música ali expressa pela maioria dos artistas exibidos, tornara desnecessário explanar, aliás, pois é expressa e explícita a sua ruindade atroz. 

Bem desavisados, os donos da casa deviam exibir aquele horror para a garotada que frequenta a casa nos então dias atuais e nem deu-se ao trabalho de analisar o espectro artístico das bandas que tocariam nesta noite em específico e do público que seria atraído por elas. Faltou muita sensibilidade da parte deles, certamente. 

E o Daniel Kid, mais jovem e ciente daquele mundo mais modernoso, informou-nos que na verdade aqueles artistas eram do início do século e já seriam considerados "velhos" por jovens daquela atualidade e que uma safra mais atual conseguia a proeza em ser pior e mais baixo astral em sua expressividade, ainda. Isso sem contar o teor da maioria dos clips, visualmente a falar, pois quase todos pareciam videogames violentos, com cenas a exibirem matanças, massacres, tortura, destruição e afins. Pareceu-me que não fora só a música que mostrava-se horrorosa, mas a mensagem, bem... cada dia que passa, o sonho "Woodstockeano" de um mundo pleno de paz, amor & fraternidade fica mais remoto, eu já devia ter aceitado que essa é a realidade do mundo regido pelo ódio e pela ode às guerras e aos escombros delas decorrentes...

Bem, enfim terminou a tortura com os clips de bandas estrangeiras modernas e horrendas no telão da casa e as bandas ao vivo começariam a tocar. Teríamos música bem tocada, composta e arranjada, finalmente e com o sentido da raiz primordial do Blues, algo raro para o mundo de 2018. 

Osvaldo e Celso Vecchione, os "Glimmer Twins" da Vila Pompeia, chegaram e assistiram os shows em uma mesa próxima da nossa. O Power-Blues fez um ótimo show. Surpreendi-me com as suas canções autorais a transitar pelo Blues-Rock, mas a imprimir balanço soul e R'n'B, portanto, pareceu-me uma banda a soar como o som do Edgar Winter nos anos setenta e certamente que agradou-me sobremaneira. Osvaldo foi chamado ao palco e cantou duas ou três canções do Made in Brazil com eles, além de tocar gaita. Daniel Gerber e Paula Mota foram componentes do Made in Brazil em épocas passadas, foi portanto, justa a homenagem. 

Veio a seguir o Caio Durazzo Trio. Eu nunca havia assistido ao vivo esse trio, mas conhecia a fama da banda e do guitarrista em questão. Bem versado no Rock tradicional e Blues e com especialização no campo do Rockabilly, o seu show foi muito bom, quando eu percebi que a energia que gerava naturalmente no palco, contaminou a plateia rapidamente. Foi prazeroso saborear esse espetáculo com teor de anos cinquenta, bem primordial do Rock.

Os Kurandeiros ao vivo no evento Carna-Rock, realizado no Alcatraz Rock Bar de São Paulo, em 9 de fevereiro de 2018. Clicks: Lara Pap
 
Chegara a nossa vez e eu temi que o efeito gerado pelo cansaço generalizado do público que já estava ali presente há horas, pudesse prejudicar a nossa performance, mas enganei-me. O público não debandou e pelo contrário, ainda esbanjou animação, quando tocamos. Fizemos um set eminentemente autoral e foi muito prazeroso, do começo ao final. 

Rogério Utrila, um dos dirigentes da emissora, Webradio Stay Rock Brazil, foi o apresentador do evento e com as suas brincadeiras, garantiu a animação da plateia. Ao final, ainda tivemos uma divertida jam com os músicos de todas as bandas, a interagir conosco.

Fotos da jam session final, acima. Os Kurandeiros + membros das outras bandas. Os Kurandeiros no Carna-Rock do Alcatraz Rock Bar de São Paulo, em 9 de fevereiro de 2018. Clicks de Lara Pap

Bem, no cômputo geral, acho que a experiência de um show de Rock em pleno Carnaval, destra vez logrou êxito, a observar-se somente a longa espera pela abertura da casa em meio a clips tenebrosos exibidos no telão da casa, como um ponto negativo a ser registrado.
Eis acima, um especial da apresentação dos Kurandeiros no Carna-Rock do Alcatraz Rock Bar de São Paulo, em 9 de fevereiro de 2018. Captura de áudio: Lara Pap

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=pkwY4C8bsXA

Dali a poucos dias, entramos em estúdio para gravar um novo single. É sobre essa experiência prazerosa que tivemos ainda em fevereiro de 2018, que falarei a seguir.

Continua...

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