domingo, 16 de fevereiro de 2020

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 60 - Por Luiz Domingues


Quatro membros do Boca do Céu, reunidos em pleno 2020. Da esquerda para a direita: Laert Sarrumor, eu (Luiz Domingues), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino. Bastidores do Show: "Vanguarda Paulistana in Concert", no Teatro Municipal de São Paulo, em 26 de janeiro de 2020. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Paulo Elias Zaidan

Fantástico, após o grupo do Boca do Céu, na Rede Social Facebook, ter sido criado, rapidamente abriu-se um grupo também no "Whatsapp" e foi o momento em que o nosso velho guitarrista, Wilton Rentero, entrou com tudo para interagir com os demais. 

Logo nos primeiros dias, trocamos informações avidamente, como seria por esperar-se entre amigos que não conversavam há décadas e certamente que o teor dos assuntos sugeridos, extrapolou o campo das nossas reminiscências sobre a década de setenta e enveredou para a atualização generalizada dos dados, a dar conta sobre o que cada um de nós fez nessas quatro décadas em que não não tivemos convivência direta, entre os cinco membros mais presentes na formação do Boca do Céu. 

O Laert, por sua vez, convidou à todos para estarmos presentes no dia 26 de janeiro de 2020, em meio ao luxuoso ambiente do Teatro Municipal de São Paulo, onde realizar-se-ia um show comemorativo sobre o saudoso, Teatro Lira Paulistana, ocasião em que diversos expoentes daquela famosa cena da dita "Vanguarda Paulistana", comporiam o grande corpo das atuações e haveria também um pequeno espaço à cena do Rock oitentista, ainda que circunscrita ao espectro do Punk-Rock, essencialmente. 

Bem, o nosso baterista, Fran Sérpico, por morar no Rio de Janeiro, pediu desculpas, mas de antemão já declinou do convite por conta da logística que não poderia cumprir. Ficou quase acertado, portanto, que eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero iríamos prestigiar o nosso amigo, Laert, que não apenas apresentar-se-ia com o Língua de Trapo, como seria um dos apresentadores do evento, junto ao Wandi Doratiotto, outro grande músico, ator e humorista e membro do "Premeditando o Breque". 

Em suma, um show sensacional e a ofertar uma oportunidade única de reencontrarmo-nos os quatro membros do Boca do Céu da formação mais clássica de 1977, a faltar apenas o Fran Sérpico para ser completo.

Marcamos então o encontro para a escadaria do Teatro Municipal. Eu tive um contratempo caseiro e avisei que atrasaria um pouco, mas estava a caminho. Cheguei à escadaria e não avistei Wilton e Osvaldo, em princípio. O Laert havia deixado os nossos nomes na lista Vip dos convidados, portanto, apesar do teatro estar já bem cheio, eu não temi por não encontrar lugares, visto que as nossas poltronas estavam garantidas. 

Eis que alguns segundos depois, eu avisto um rapaz a olhar para todos os lados, em típica postura de procura e que eu não reconheci de pronto, mas fiquei com a forte sensação de que poderia ser o Wilton. Assim que ele mirou-me e sorriu, ficou claro que finalmente, após "apenas" quarenta e dois anos (falo sobre 1978), finalmente reencontramo-nos. 

Wilton Rentero e eu (Luiz Domingues), na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, em 26 de janeiro de 2020. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Alguns minutos depois, vimos o Osvaldo a aproximar-se e a procurar por nós e foi uma alegria quando vimo-nos os três, ali na escada do Teatro Municipal, e incrível, o Osvaldo também não via o Wilton desde 1978.

Wilton Rentero, Osvaldo Vicino e eu (Luiz Domingues), neste instante, um trio do Boca do Céu na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo. 26 de janeiro de 2020. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Entramos no teatro e rapidamente eu avistei diversas pessoas conhecidas, entre músicos, produtores, jornalistas e pessoas ligadas ao espectro do velho Lira Paulistana, na década de oitenta. 

Entre nós três, recordamos sobre diversos shows vistos no Teatro Municipal, sendo o mais memorável de todos, o clássico Concerto de Rock apresentado entre as bandas de Rock, Mutantes e O Terço a tocar o som dos Beatles, em 1977, que foi histórico. 

Bem, as luzes apagaram-se e o show iniciou-se. Foi emocionante para nós três, vermos o Laert a apresentar com desenvoltura o espetáculo e posteriormente a atuar com muita maestria com o Língua de Trapo. Incrível, em um teatro onde tanto sonhamos, assistimos o nosso vocalista, ali a atuar com brilhantismo no momento de 2020.

O ingresso que eu usei, a sinalizar que sentei-me na cadeira número 11. Bastidores do Show "Vanguarda Paulistana in Concert", no Teatro Municipal de São Paulo, em 26 de janeiro de 2020. 

Além das nossas expectativas pessoais, em meio às reminiscências do Boca do Céu, o espetáculo foi belíssimo. Com a participação de grandes artistas que gravitaram na órbita do Lira Paulistana, amparados pelo apoio excelente da Orquestra Sinfônica Municipal, foi um apanhado e tanto do melhor que o Lira lançou, diretamente do seu famoso palco intimista, para o Brasil e o mundo. 

O violeiro, Passoca, a tocar, "Sonora Garoa", uma canção belíssima, causou emoção, assim como o Grupo Paranga e a sua deliciosa brejeirice ao sabor dos filmes do Mazzaropi. O Grupo Rumo, representado por Ná Ozetti, em grande forma, uma bela homenagem ao Itamar Assumpção e o seu, "Isca de Polícia", Arrigo Barnabé, a evocar a sua "Clara Crocodilo", Premeditando o Breque (não completo), com direito a uma sensacional versão de seu sucesso, "São Paulo, São Paulo" (com inúmeras citações cinematográficas implícitas no arranjo executado pela Orquestra Sinfônica Municipal), Língua de Trapo e Tetê Espíndola (que pediu desculpas por cantar uma oitava abaixo, nos dias atuais, devido a estar com sessenta e seis anos de idade naquela atualidade de 2020, mas no calor da canção, "Escrito nas Estrelas", fez uso de todo aquele malabarismo vocal e agudíssimo, para levantar a plateia), a elegantérrima, Vânia Bastos, o monstruoso, Bocato e a Patife Band, foram os pontos marcantes dessa parte inicial. 

Na parte do Rock, segundo o programa oficial impresso, constava a participação de Roger Moreira, Edgard Scandurra e Sérgio Britto, mas quem de fato atuou foi Clemente Nascimento, d'Os Inocentes e Finho (do grupo "365"). Bem, é claro que o Punk e as correntes do Pós-Punk tiveram no Lira Paulistana uma boa mola propulsora para atingir o mainstream daquela década, mas outras correntes também obtiveram uma história em tal teatro, para ser citada. 

Que ninguém dessa outra corrente atuasse no palco, mas ao menos a menção no audiovisual, que foi exibido ao início do espetáculo, teria sido elegante da parte da produção, todavia, isso não ocorreu e antes que o leitor especule, eu não fiquei magoado, mas é claro que A Chave do Sol construiu uma boa história nesse teatro, onde inclusive lançou dois discos no seu palco, portanto, ao lado de outras bandas de fora da seara do Punk & Pós-Punk, houve uma outra cena Rock que ali solidificou-se, é bom registrar-se.

Sobre a apresentação do Língua de Trapo, esta foi impecável. Ao aproveitar o apoio da orquestra, a banda iniciou com: "Como é Bom Ser Punk", que foi uma música composta pelo Carlos Melo (Castelo), quando eu estava em minha segunda passagem por essa banda, mas nessa ocasião (falo sobre 1983-1984), eu não participava da sua execução ao vivo, que era feita em duo pelo João Lucas ao piano e Pituco Freitas, a cantar. 

Neste caso, sob um suntuoso arranjo, Laert, Serginho Gama e Cacá Lima, cantaram em trio, com uma afinação exemplar, sob uma grande performance. "Concheta", o eterno clássico do primeiro álbum do grupo, veio a seguir, com apoio de Mário "Manga" Aydar e Wandi Doratiotto, ou seja, dois músicos do Premeditando o Breque no apoio e uma versão impecável de "Sampa", do Caetano Veloso, que aliás, suscitou o comentário de Wilton, ao meu lado, a observar que os arpejos feitos por Serginho Gama, remeteriam à "Dear Prudence", dos Beatles. Realmente houve uma certa similaridade, mas após encontrarmos o Laert no momento pós-show, ele negou que houvesse tal menção, então, foi uma mera impressão de nossa parte. 

Uma linda menção à nossa estada no teatro, foi feita pelo Laert, que ao microfone, improvisou um "caco" (citação fora do texto ensaiado, no jargão do teatro), a narrar que assistira ali mesmo naquele palco, o show em dupla perpetrado pelos Mutantes e O Terço, em 1977, a homenagearem os Beatles e citou que "assistira ao lado dos companheiros: Luiz, Osvaldo & Wilton, e que nós estávamos presentes na plateia", que bonito, esse foi o "momento Boca do Céu", a tornar-se público.

De minha parte, eu estava muito feliz por estar ali ao lado de dois companheiros do meu velho, Boca do Céu, feliz pela possibilidade de prestigiar e aplaudir o Laert, que juntar-se-ia conosco, a posteriori para o reencontro do quarteto, orgulhoso por ver o Laert ali a brilhar, feliz por estar a apreciar um belo show e também por ter a minha parcela de gratidão pelo Lira Paulistana, onde eu vivi uma bela história com o próprio, Língua de Trapo e também com A Chave do Sol, diretamente, portanto a trazer por acréscimo, uma infinidade de shows de outros artistas que eu ali assisti, a boa amizade construída com a sua cúpula, principalmente com Chico Pardal e Ribamar de Castro, além de Canrobert Marques, que operou quase todos os shows que eu ali realizei e foi técnico d'A Chave do Sol, inclusive em alguns shows fora do Lira Paulistana. Li no programa que o Canrobert operou o show no Municipal, mas eu não o encontrei nessa tarde e teria sido mais um reencontro sensacional. 

Entretanto, eis que vejo um outro velho amigo a caminhar pelo corredor: Paulo Elias Zaidan, ator que foi membro do Língua de Trapo, na época da minha segunda passagem pelo grupo. Então, ele ligou no perfil de "Whatsapp" da Marcinha Oliveira, esposa do Laert e empresária do Língua de Trapo, com o intuito em verificar se não seria abusivo visitarmos o camarim para cumprimentar o Laert, entretanto o mais óbvio aconteceu, visto que a quantidade de artistas mostrara-se enorme e dessa forma, receber convidados seria inoportuno na intimidade do camarim, pois então, os artistas desceram ao grande saguão de entrada e ali receberam fãs e amigos. 

Maravilha, o Boca do Céu viu-se como um quarteto por alguns minutos, novamente, só a faltar a persona de Fran Sérpico, para ficar completa a nossa velha banda reunida. Tive o prazer de conversar com os sempre simpáticos, Zé Miletto e Marcos Martins, membros do Língua de Trapo então atual, igualmente.

Quase o Boca do Céu completo, enfim! da esquerda para a direita: Laert Sarrumor, eu (Luiz Domingues), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino. Bastidores do Show "Vanguarda Paulistana in Concert", no Teatro Municipal de São Paulo, em 26 de janeiro de 2020. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Paulo Elias Zaidan

No calor da rápida conversa, dada a aglomeração ali presente e com o Laert a ter que atender várias pessoas, combinamos de intensificar a conversação pelo nosso grupo do "Whatsapp" e organizar, aí sim, o grande encontro oficial do Boca do Céu, para fevereiro de 2020. 

Coincidência? Pois fora em fevereiro de 1977, que a banda fizera o seu primeiro show, portanto, tal como Napoleão ante as pirâmides do Egito, chegara a hora para afirmarmos, não sobre quarenta séculos, mas a observar: "quatro décadas contemplam-nos!"

Continua...

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