“Vivendo no mundo material” é o nome de uma música e que também batiza um dos (bons) álbuns que compuseram a carreira solo do saudoso guitarrista dos Beatles, George Harrison. Profundamente impactado pela filosofia indiana de uma maneira generalizada, Harrison focou a sua música, ainda dentro do trabalho dos Beatles por preceitos espiritualistas e no avançar da carreira solo, tal prerrogativa se intensificou ainda mais.
Bem, a grande questão filosófica nesse caso é o questionamento sobre o excesso de apego aos bens materiais e as inúmeras consequências que tal mentalidade impõe à imensa maioria das pessoas, principalmente entre as nações ocidentais do planeta.
Dentro dessa perspectiva, chamava a atenção em um determinado bairro de uma grande cidade sulamericana, a atuação de um senhor idoso que se mostrava muito ativo em ações culturais e sociais. Determinado, ele ajudava dezenas, quiçá centenas de pessoas sob inúmeros aspectos, alguns dramáticos inclusive, a representar mazelas sociais a envolver situação de miserabilidade, fome e doença.
No entanto, ele não fazia o gênero do filantropo munido com candura, a esbarrar no bom-mocismo piegas, pois ao contrário, ele tinha uma personalidade forte, a se pautar pela praticidade absoluta. A trocar em miúdos, ele era muito objetivo e dizia a todos, que apenas fazia o que precisava ser feito e nada mais.
Infelizmente não é dessa forma que muitas pessoas pensam no âmbito social, e assim, o senhor Natanael Goicocheya começou a ser observado pela sua ação abnegada. Ora, ficara óbvio que a ação voluntariosa do senhor em questão, chamara a atenção das pessoas, que de forma diametralmente oposta ao pensamento dele, enxergavam a ação voluntária como uma maneira de autopromoção a ser aproveitada para alavancar a ascensão social pessoal de quem se mostra como uma “liderança” comunitária.
Bem, na mesma medida em que Natanael apenas fazia o que achava necessário para ajudar a comunidade, a sua personalidade forte o impelia a manter um distanciamento dessa aspiração, da qual ele considerava asquerosa, a revelar um tipo de materialismo que ele abominava e mais do que isso, lhe incomodava muito a ideia de que pessoas pensassem dessa maneira, ao calcular as benesses pessoais que seriam advindas do esforço para empreender ações de voluntariado dessa natureza.
E assim, quanto mais ele se entregava ao trabalho comunitário, mais era aconselhado por muitas pessoas a aproveitar a sua popularidade para se promover, forjar amizade com empresários e até aceitar conversar com pessoas ligadas a partidos políticos, a visar quem sabe, se afiliar e se tornar um potencial “quadro” eleitoral, como liderança que ele já exercia de forma natural.
Natanael se irritava tanto com esse tipo de assédio, que a cada dia ficou mais mal-humorado no cotidiano e sem que ninguém percebesse, na contrapartida ele redobrou os seus esforços para trabalhar de forma intensa para auxiliar os mais carentes.
Criticado de forma contumaz, ele se tornou um alvo fácil da maledicência alheia, apesar de toda a sua força de trabalho em prol dos mais carentes, ao se constituir de uma inacreditável perspectiva de formação de opinião, em frontal contraposição ao que ele fazia para auxiliar a sua comunidade.
Nesse sentido, boatos se espalharam aos montes, a criticar a sua linha de atuação em si, sempre a dar a entender que “não seria possível que ele não adquirisse nenhuma vantagem para fazer o que fazia”, daí a insinuar que ele certamente trabalhava a visar algum tipo de obtenção de vantagem pessoal escusa ou a criticar o seu mau-humor crônico, no sentido de que seria uma ação teatral da parte dele para “disfarçar” os seus reais propósitos.
E pior ainda, a zombar de suas vestimentas sempre puídas e o seu mau odor generalizado, fruto do seu suor, haja vista que ele não parava um segundo de trabalhar e na maior parte do tempo a exercer funções braçais de grande esforço físico. E nesse aspecto, outras teorias foram formuladas a dar conta de que isso caracterizaria algum tipo de doença mental ou simplesmente a se tratar de um distúrbio gerado pelo abuso do álcool ou outras drogas e que o tornaram por conseguinte, um desleixado de sua aparência pessoal.
Enfim, a sua ótima atuação no sentido da ajuda abnegada aos carentes, se tornou menor ante a maledicência criada para denegri-lo, simplesmente por que as pessoas não concebiam que alguém pudesse não aspirar ganhar dinheiro, ter ascensão social e buscar o consumo desenfreado como um ideal de vida, não apenas pelo aspecto do prazer hedonista em si, mas também pela questão da ostentação que gera prazer efêmero para quem gosta de se sentir “superior” por conta de seus bens acumulados.
Um desses que não se conformavam com a postura do Natanael, o interpelou diretamente e de forma incisiva, o questionou de uma forma deveras agressiva ao lhe dizer que “esse negócio de trabalhar gratuitamente” seria uma falsa compreensão da mensagem de cunho igualitária de um filósofo que expressara a sua tese muitos séculos atrás, ao apelar para algum princípio intelectual e com objetivo moral que o atingisse como uma forma de argumento inquestionável e definitivo.
Em seguida, este homem indignado sacou um panfleto do bolso, que se tratava de um texto assinado por um famoso comunicador da TV, cujo texto versava sobre a sua particular interpretação e deveras distorcida da fala desse tal filósofo e assim, esse homem que lhe entregara o panfleto exortou Natanael a ler com atenção tal ponderação, para poder refazer a sua “equivocada”, segundo a sua visão, forma de enxergar a questão da igualdade e fraternidade entre os homens.
Natanael apanhou o pedaço de papel, olhou para a figura abjeta desse senhor estampado na ilustração, este a se revelar como um notório serviçal de crápulas que usavam o poder da sua indústria de comunicação para forjar golpes de estado & afins, leu a manchete e a seguir, amassou o panfleto e o jogou na lata de objetos recicláveis.
Após se livrar do panfleto, Natanael não proferiu uma única palavra e simplesmente voltou a trabalhar, a carregar sacos de arroz para um caminhão que faria a distribuição aos famintos da comunidade, que haviam chegado como donativos, naquele dia.
Uma pessoa, a observar de longe, comentou com outra que estava próxima de si: -“Ele faz o que precisa ser feito e nada mais”.
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