terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Autobiografia na Música - Pitbulls on Crack - Capítulo 46 - Por Luiz Domingues

Apesar de estarmos eufóricos pela participação, sabíamos que éramos a menor atração da noite. Para a cúpula da MTV, o tratamento era de igualdade entre a bandas, mas veladamente ficara óbvio que cabia ao Pitbulls on Crack a posição em abrir o show. Havia três camarins grandes, e um pequeno, quase um quartinho. Portanto, não seria possível colocar-nos nesse cubículo.

Dessa maneira, em uma autêntica separação por classe de importância (não estou a criticar, tampouco a ironizar), o "Angra" e o "Dr. Sin" ficaram com um camarim cada, e nós tivemos que dividir o nosso com "Os Raimundos". De nossa parte, não haveria problema algum, pois estávamos acostumados a usar camarins terrivelmente mais simples, ou até mesmo tocar em lugares sem camarim. 

Fizemos a passagem de som com tranquilidade, e a pressão sonora no palco estava muito boa. Colocamos nosso banner com apoio dos cenógrafos da casa, e tudo corria bem. Com a chegada da noite, ouvíamos o barulho do público a entrar na casa, e pelo murmúrio, sabíamos que iria lotar. A MTV entrevistou-nos no camarim, de forma bem descontraída, pois o entrevistador era nosso amigo de longa data, o comunicador e também músico, Gastão Moreira.

Fomos chamados então para o palco; a luz ambiente apagou-se e nós começamos a nossa apresentação, perante um público estimado em torno de aproximadamente quinhentas pessoas. Estávamos sob uma situação bem constrangedora ali, no entanto. Explico : o grosso do público era formado por três tribos muito distintas entre si. O público do Dr. Sin, mais adulto e respeitoso; o público do Angra, formado por adolescentes metaleiros e vestidos como se estivessem nos anos 1980; e uma turba agressiva, fãs dos Raimundos, bem condizentes com a banda pela qual devotavam sua a adoração. Sendo assim, apesar de entrarmos a imprimir um peso significativo, e com muita energia, logo após a execução da música : "Under the Light of the Moon" (o nosso maior sucesso na ocasião, pois tocava diariamente na 89 FM, de forma exaustiva e com apoio de um Clip super veiculado na própria MTV), eu percebi que provocou uma reação modestíssima da plateia. Seguimos em frente, pois isso não abalou-nos, e tocamos a seguir : "Answer Machine". Foi uma performance muito boa, com bastante energia, tanto foi assim, que a MTV editou essa versão ao vivo, e transformou-a em um segundo clip da banda, a exibi-lo com força na grade da emissora, a partir do segundo semestre desse ano de 1994. O Deca, que tradicionalmente imprimia um mise-en-scené alucinante em qualquer show, diante da possibilidade de um palco a conter grandes proporções, alucinou de vez. Pelo canto dos olhos, eu vi que ele jogou a sua guitarra Fender Stratocaster diversas vezes para o alto, a la Ritchie Blackmore, e sem dó, esfregou-a no amplificador; no pedestal de microfone; mexeu com a plateia a gesticular etc.

Eu também movimentei-me bem, e o Chris sempre tinha aquela performance segura, ao parecer pouco importar-se se havia uma pessoa, ou um milhão de pessoas na plateia. Arriscamos uma música nova, chamada "Blind", soturna, bem ao estilo "indie esquisitinha", que também pareceu não ter sido digerida pelo público interessado em outras atrações. E por fim, tocamos ainda "Never Mind", com o clássico comentário do Chris em tom de sarcasmo : -"não tem nada a ver com o Nirvana"...
Ao final dessa música, um misto de apupos com debochadas manifestações de alegria, por estarmos a encerrar, fechou o nosso show.

Eu particularmente saí do palco tranquilo, consciente de que ali nem os Rolling Stones agradariam aquele público fechado em uma ideia fixa em torno de seus artistas prediletos, e claro, a nossa performance havia sido boa, com poucos incidentes. Tanto foi assim, que as quatro músicas foram exibidas no especial da TV, em pé de igualdade com as outras bandas, e ainda, "Answer Machine" veio a tornar-se o objeto de um clip, devidamente extraído desse show. O único incidente desagradável e que acontece com qualquer um : eu (Luiz) e o Deca estávamos a usar o sistema 'Wireless", mas o Chris não gostava desse dispositivo, e a usar um cabo longo, mesmo assim, em um movimento brusco que fez, desconectou a sua guitarra por alguns segundos do Direct Box que ligava-a ao seu amplificador.


Por azar, o nosso roadie, Zé Reis, estava distraído, e nem percebeu que a guitarra dele sumira, pois a pressão no palco estava enorme, com uma massa sonora violenta da guitarra do Deca; além do meu meu baixo; bateria, e voz. Eu tive que locomover-me em sua direção, e na medida do possível, pois não havia muitas pausas para tirar a mão do braço do baixo, e gesticular para chamar-lhe a atenção. Ainda assim, ele demorou para entender o que eu solicitava-lhe, a gerar alguma angústia de minha parte, e o Chris estava completamente vendido lá na frente, pois estava a cantar. A sua atitude foi positiva, pois continuou a tocar, mesmo com o som da sua guitarra a mostrar-se completamente sumido. Fora isso, foi mesmo uma boa apresentação, apesar de uma certa hostilidade do público.  

Os camarins estavam em polvorosa, quando retornamos. O "Dr. Sin" ficou isolado no camarim mais longínquo do palco (onde Ritchie Blackmore ficou a sós com sua entourage pessoal nos shows do Deep Purple, em 1991, quando recusou-se a ficar no camarim com os outros membros da banda). Mas os irmãos Busic; Edu Ardanuy, e sua equipe, andavam por todos os lados, inclusive a visitar-nos no nosso, onde dividíamos com os Raimundos. Os realmente grandes, são humildes, como diz o poeta. O Angra ocupou o maior, e isolou-se, com a presença de seguranças, e só de longe víamos que estava animado, com um cocktail farto, e servido por garçons a usar impecáveis luvas brancas. E nós estávamos humildemente a dividir o espaço com aqueles rapazes brasilienses. O grande problema ocorreu quando esses senhores já estavam no palco a tocar.
Continua... 

2 comentários:

  1. Bem legal essas fotos.
    Eu as tirei, bem como a do capítulo anterior, no spectrum estudio, para divulgação no "pitzine" ao qual encontrei em casa o exemplar de número 4. Eu achei fotos aqui em casa, inclusive as 8 do show do olympia, mas estou sem scanner para lhe enviar, omo podemos resolver isso?
    Encontrei tbm algumas da nossa ida à cidade de Caxambú, lembra, naquele show de bandas alternativa? rsrs

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  2. Fala, Jason !

    Muito legal que tenha curtido os últimos capítulos e as fotos ilustrativas. As inéditas que enviou-me já comecei a postar.

    Sobre mais material, tudo o que mencionou, interessa-me, é claro. No inbox do Facebook combinamos uma forma prática de resolver. Se puder emprestar-me, meu scanner está em ordem. Eu copio e te devolvo rapidamente.

    Claro que me lembro de Caxambu...uma viagem maluca regada a frio; pão de queijo e muitas loucuras...

    Vou demorar um pouco para falar dela, pois isso constará do momento final da narrativa, quando eu chegar à 1997 e neste momento, estou falando do começo do segundo semestre de 1994, tem chão...

    Abração !!

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