domingo, 29 de setembro de 2019

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 114 - Por Luiz Domingues

Chegamos juntos à Praça da República, na tarde de 10 de agosto de 2019, a bordo do automóvel do Carlinhos Machado, eu (Luiz Domingues) e Kim Kehl. Apesar de haver já no meio da tarde um público gigantesco ali presente para assistir os shows, tivemos um apoio muito bom da equipe de segurança terceirizada pelo evento, para rapidamente sermos conduzidos ao camarim. 

Uma banda tocava a todo o vapor o repertório do Raul Seixas, com desenvoltura e o público estava a cantar juntamente, visivelmente emocionado. Tal clima, sinceramente eu já esperava, pois qualquer manifestação que seja realizada a evocar a memória de Raul Seixas, provoca a comoção, visto que o seu público permanece enorme e muito fiel, praticamente ao constituir-se em mais que um séquito de admiradores do artista em questão e da sua obra, mas a portar-se no limiar de uma torcida uniformizada de um clube de futebol, senão como uma seita, no bom sentido do termo, ao levar-se em consideração a devoção pela qual idolatram o Raul, ao ponto de perpetuá-lo como artista. 

Esse é um caso sério, visto que é público e notório que artistas que foram até mais populares do que ele em termos midiáticos, após perecerem, caíram no esquecimento à medida que os seus fãs envelheceram e estes também partiram desta vida e em muitos casos, bem antes desse fenômeno ocorrer, no entanto em relação ao Raul Seixas, muito pelo contrário, a sua imagem mostra-se absolutamente viva e preservada por uma multidão que não o abandona nunca.

Chegamos ao camarim e os simpáticos seguranças, um casal para ser específico, foram rápidos em advertir-nos a não deixarmos objetos pessoais perto da ponta da lona que sustentava a tenda improvisada como camarim, visto que pessoas em situação de vida a viver sem teto, estavam a tentar furtar o que podiam nesse camarim e nos demais ao lado, montados para os outros artistas. 

Neste caso em específico, revelou-se como uma situação triste a constatar-se sobre o estado do centro da cidade, ao estar a cada dia mais degradado, fator que faz com que há anos, inclusive, eu evitasse caminhar por ali e somente dirigir-me a tais logradouros, se fosse absolutamente necessário. 

Na contrapartida, tirante esse problema com furtos a ocorrerem pela ação de braços inconvenientes que poderiam surgir abaixo da lona, o tratamento foi ótimo por conta dos seguranças e dos demais funcionários da produção, que foram muito solícitos para conosco.

Antes do show, no camarim. Da esquerda para a direita, na foto 1: o histórico guitarrista d'Os Panteras", Carlos Eládio, Renata "Tata" Martinelli e Edy Sar. Na foto 2: Renata "Tata" Martinelli e o ótimo fotógrafo, Weber Japoneis. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Acervo e cortesia: Weber Japoneis. Click (foto 1): Weber Japoneis. Click (foto 2): autor desconhecido

A banda que precedeu-nos, entrou no palco e tocou igualmente com bastante fluidez e até trouxe em sua formação um mini naipe de metais, a enriquecer a sua sonoridade. E também chamou-me a atenção quando eu ainda estava no camarim, foi que eu pude ouvir que o seu vocalista chamou ao palco uma atração especial, a cantora/atriz, Mariana de Moraes, a participar em duas ou três canções e entre elas, a música: "Gita". 

Imediatamente eu estabeleci uma reminiscência pessoal, ao recordar-me de uma passagem ocorrida em 1986, quando eu tocava com A Chave do Sol e encontramo-nos com Mariana Moraes nos estúdios da TV Cultura de São Paulo, quando participamos do programa: "Panorama", então apresentado pelo jornalista, Maurício Kubrusly. 

Nem conversamos nessa ocasião, mas eu recordo-me bem dela a assistir a nossa entrevista e participação ao vivo e nós também termos assistido a sua participação. 

Bem, terminada a apresentação dessa boa banda que precedeu-nos, fomos chamados ao palco.

Flagrantes do show! Foto 1: Kim Kehl e Edy Star. Foto 2: Renata "Tata" Martinelli a ser filmada por um fotógrafo. Foto 3: Edy Star em destaque. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Clicks, acervo e cortesia: Carol Mendonça 

Enquanto nos preparávamos, vimos que um dos organizadores do evento, faria uma apresentação acústica e singela ao cantar uma canção do Raul Seixas. Tal intervenção não estava prevista inicialmente, mas eu compreendi inteiramente  o caráter emocional de sua parte em querer também expressar o seu tributo ao Raul e assim, de uma maneira rápida, ele cantou com delicadeza uma canção. 

Na contrapartida dessa manifestação tão emocional, uma nota zero precisa ser dada para certos elementos da plateia que o hostilizaram bastante, talvez por estarem em adiantado estado de embriagues e frustrados pela queda da adrenalina, visto que quatro bandas de Rock já haviam apresentado-se com grande energia, e assim, uma pausa para uma apresentação acústica na base da voz & violão causou-lhes um desconforto. 

Bem, nem mesmo uma plateia formada por fãs do Raul Seixas e por extensão, supostamente ligados em outro tipo de conexão com o Rock vintage, gerou necessariamente um público a demonstrar uma postura mais aberta a apreciar sonoridades mais leves, um fator que fora bastante comum nos anos setenta. Observei com pesar a hostilidade de alguns mais exaltados a manifestarem-se com essa impaciência e para agravar ainda mais, tratou-se de uma canção do Raul, enfim. Ainda bem, não foi algo generalizado e dessa forma circunscrito à cinco ou seis pessoas em meio à mais de três mil ali presentes, mas certamente que chateou-me tal atitude da parte desses incautos. 

Tudo pronto, iniciamos com o tema instrumental criado pelo Kim a insinuar diversas canções do Raul em um mini pout-pourri, com muita energia. Seguimos com a canção d'Os Kurandeiros, "Pro Raul", que no set list, o Edy descreveu como: "Raul foi para o Beleléu", por conta do que canta-se no seu refrão. 

E a seguir, entramos com muito balanço em "Toca Raul" e "Como Vovó Já Dizia". Edy entrou em seu estilo grandioso, versado pela sua experiência e influência em torno das tradições do teatro de Revista de outrora. 

Apesar de termos realizado um único ensaio, o entrosamento no palco demonstrou que ao contrário, não houvera um hiato tão grande entre essa apresentação e a última que fizéramos juntos em 2018. O som no palco estava robusto, apesar do inexistente soundcheck ter sido substituído por uma parca passagem prévia e em festivais ao ar livre, é sempre difícil que não seja realizado de uma outra forma.

Foto 1: Luiz Domingues. Foto 2: Michel Machado. Foto 3: Edy Star. Foto 4: Carlinhos Machado. Foto 5: Kim Kehl. Foto 6: Renata "Tata" Marinelli. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019.  Clicks, acervo e cortesia: Sol Rodrigues

Seguimos em frente com muita energia nos Rocks sessentistas, "Rua Augusta" e "O Bom" e avançamos pelas músicas do LP "Sociedade da Grã Ordem Kavernista", e evidentemente que este álbum haveria de ser um objeto de culto daquela massa formada por fanáticos adeptos de Raul Seixas. Não deu outra, houve um frenesi quando executamos: "Sessão das Dez", "Êta Vida" e "Quero Ir". 

Foto 1: Luiz Domingues. Foto 2: Kim Kehl. Foto 3: Michel Machado. Foto 4: Renata "Tata" Martinelli. Foto 5: Edy Star. Foto 6: Carlinhos Machado. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Clicks, acervo e cortesia: Weber Japoneis

Quando iniciamos a execução de "Maluco Beleza", eis que notamos que o Edy havia saído do palco. Como essa ausência não fora combinada, ficamos apreensivos em princípio, talvez a considerar a hipótese que Edy estivesse com algum desconforto de ordem física e buscou ajuda nos bastidores, mas ao mesmo tempo, sem deixar transparecer a nossa estupefação ao público e pelo contrário, a minha lembrança remete ao fato de que criamos um improviso dos mais agradáveis para esticar a introdução, até que a situação ficasse esclarecida entre nós. 

Pois eis que ouvimos a voz de Edy no monitor a iniciar a cantoria e tudo ficou sanado e entendido. Pois ele fora rapidamente ao camarim, trocara de roupa e munido de um microfone sem fio, surgiu pela lateral do palco, acompanhado de um segurança e caminhou em direção ao público. Ótimo, mesmo tendo sido algo feito sob improviso total, a ideia foi muito boa e assim, quando a música atingiu o seu clímax, mediante a intenção gerada pelo seu refrão, ele estava no meio da plateia a cantar junto ao povo. 

Bem, foi bonito como efeito dramático do show, mas ao mesmo tempo preocupante, visto que em determinado instante, a euforia sempre impensada em meio a uma multidão, deu trabalho ao segurança para que não esmagassem o Edy com o excesso de ímpeto gerado nessa massa, mas experiente, assim que percebeu que a situação poderia sair de controle, Edy bateu em retirada e após passar pela grade de segurança, apressou-se em voltar ao palco e encerrar a interpretação da canção, conosco.

Foto 1: Edy Star e Kim Kehl. Foto 2: Renata "Tata" Martinelli e Kim Kehl. Foto 3: uma bela panorâmica da banda em ação no palco. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Clicks, acervo e cortesia: Weber Japoneis  

Tocamos, "O Crivo", do repertório solo de Edy, um tema versado pelo puro Blues-Rock e que sempre propiciava-nos o conforto para transitarmos por uma especialidade d'Os Kurandeiros, além de igualmente ser uma canção a conter uma letra maliciosa, escrita pelo Raul Seixas e cuja brincadeira que o Edy sempre estabelecia ao vivo, caiu como uma luva para aquele tipo de público. 
 
"Rockixe" e na sequência, "Al Capone", gerou a esperada euforia dos fãs do Raul e em seguida, Renata "Tata" Martinelli entrou em cena para cantar divinamente, a bela balada, "A Maçã", ao provocar a imediata interação da plateia, que veio junto com a banda, sem
titubear

Renata "Tata" Martinelli em ação, com Luiz Domingues, ao fundo. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Click, acervo e cortesia: Weber Japoneis

A seguir, Renata permaneceu conosco e assim tocamos: "Ainda Queima a Esperança". Confesso que subestimei a reação, por antecipação, ainda no ensaio, visto que achei que tal escolha houvesse sido algo exagerado, no sentido de ser uma canção obscura gravada por uma cantora popularesca de um passado remoto e somente pelo fato do Raul a ter composto, tal referência soou-me superficial. 

No entanto, o desinformado ali fui eu, visto que notei enquanto tocávamos, que muitas pessoas da plateia a cantarolavam, a denotar que aquele público realmente era aficionado ao ponto de conhecer não apenas a obra do Raul, em todos os seus meandros, mas também ao deter o profundo conhecimento das inúmeras canções que ele escreveu para alimentar artistas obscuros e populares, visto que ele foi por muitos anos, antes de estourar como um artista solo, um executivo de gravadora. 

Muito bem, houve uma razão de ser e assim tocamos a canção da cantora, Diana, com muito respeito e certamente com uma vestimenta mais Rock'n' Roll.

Edy Star em destaque, com Luiz Domingues, atrás e de costas e Carlinhos Machado ao fundo, na bateria. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Click, acervo e cortesia: Weber Japoneis

Tocamos a seguir, o ótimo som, "Rock'n' Roll é Fodaço", do último álbum de Edy, com direito a mini solos de cada membro da banda e a conter as habituais brincadeiras do Edy na hora de apresentar-nos, individualmente. Emendamos com "Rock das Aranhas", com a voz do Kim no comando, como acontece normalmente nos shows d'Os Kurandeiros e em seguida, mais um improviso ocorreu. 

Edy Star e Carlos Eládio em destaque. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Click, acervo e cortesia: Weber Japoneis

Eis que Carlos Eládio, ex-integrante da banda de Raul Seixas nos anos sessenta, "Raulzito & Os Panteras", foi convocado a participar e ali no calor da indefinição sobre o que tocaríamos com ele, o Kim sugeriu, "Metamorfose Ambulante", que nós não tocaríamos naquele show, por uma solicitação do Edy, visto que essa canção fora executada por quase todas as bandas que apresentaram-se anteriormente e ele não quis repeti-la. 

Nessa circunstância especial, nós tocamos e foi bastante prazeroso ter Eládio, um músico histórico, a cantar conosco. 

Eis que iniciamos uma saborosa versão Country-Rock para: "Let Me Sing" e encerramos com bastante contundência, com "Sociedade Alternativa", a gerar um coro que ecoou forte na Praça da República, certamente a produzir emoção entre as pessoas ali presentes que comungam com as ideias libertárias, oriundas da concepção do saudoso, Raul.

Foto 1: uma visão do palco pela retaguarda. Foto 2: Kim Kehl e Edy Star com a perspectiva do público. Foto 3: o Power-Trio d'Os Kurandeiros a confraternizar-se após o término do espetáculo. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, ao vivo no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", realizado na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Acervos e cortesia: Kim Kehl. Clicks: Lara Pap 

Missão cumprida e com muita satisfação, foi um ótimo show, com emoção, boa performance no palco e encontros muito prazerosos nos bastidores. Aliás, encontrei-me com muitos amigos queridos nos bastidores e pude enfim conversar com a cantora, Mariana Moraes, que muito simpática, falou-me sobre os seus projetos artísticos, mais focados na música do que o cinema, na atualidade. 

E assim foi, noite de 10 de agosto de 2019, com cerca de três mil pessoas na plateia, que cumprimos mais um bom show d'Os Kurandeiros, com Edy Star e reforçados por Renata "Tata" Martinelli e o ótimo percussionista, Michel Machado.

"Toca Raul" (Zeca Baleiro)/"Como Vovó Já Dizia" (Raul Seixas) - Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star no Festival: "O Início; o Fim e o Meio", na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Filmagem: Fátima Costa

Eis o Link para assistir no YouTube: 
https://www.youtube.com/watch?v=udJbwN0_yzw

Mini especial com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, no Festival: "O Início; o Fim e o Meio" na Praça da República, centro de São Paulo-SP, em 10 de agosto de 2019. Filmagem: Celso Giannazi

Eis o Link para assistir no YouTube: 
https://www.youtube.com/watch?v=_zPy5oySLng
Na semana subsequente, novamente fomos agraciados com duas músicas a serem executadas no programa: "Só Brasuca", da Webradio Crazy Rock. E assim, entre 17 e 23 de agosto de 2019, as canções: A Noite Inteira" e "Anjo do Asfalto", estiveram presentes nessa seleta programação.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário