quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 164 - Por Luiz Domingues


Chateados por termos que novamente realizar um show sem a presença de Chico Dias, fomos para a danceteria "Radioatividade", de Santo André, sob estado de alerta. Sabíamos que a jornada seria cansativa, porque na falta de uma estrutura melhor, teríamos que ir a bordo de carro para o Rio, por que resolvemos levar  amplificadores, e a nossa bateria. Isso por que a apresentação seria gravada, mas com a banda a tocar ao vivo, portanto, queríamos assegurar o máximo de qualidade sonora para apresentarmo-nos bem na TV. 

Nós estávamos há meses com a música "Luz" na programação da Rádio Fluminense FM. Não acho exagero afirmar, que tal emissora, fora o principal centro irradiador do BR-Rock oitentista para todo o Brasil, ainda que dirigida por apaixonados pelo Rock 1960 / 1970. Recentemente, havíamos visto publicada, uma excelente resenha sobre o nosso primeiro disco, nas páginas da revista "Roll"; e cerca de dez dias antes, tocamos ao vivo no Circo Voador, no Rio de Janeiro. 

Portanto, pareceu-nos que participar do programa "BB Vídeo-Roll", seria um importante passo para sedimentarmos posição no Rio, daí a importância que depositáramos nessa aparição na TV, e sendo assim, contar com a banda inteira, mediante a presença de seu frontman em condições, teria sido vital para os nossos planos. Diante de tudo isso que estava em jogo, resolvemos viajar ao Rio com a Kombi do irmão do Zé Luiz, o João Dinola. Ele tinha uma Kombi, com carroceria aberta, que usava para as entregas de sua fábrica de brinquedos de madeira (aliás, ele fazia belos caminhões; carrinhos, e casinhas de madeira, diga-se de passagem). João Dinola tinha o mesmo talento para a carpintaria e marcenaria, que o seu irmão, Zé Luiz. 

Seria cansativo, mas éramos jovens, e não medíamos esforços para a nossa carreira deslanchar, enfim. De volta a mencionar sobre o show do sábado, quando chegamos à porta da Danceteria, localizada na Avenida Dom Pedro II, em Santo André, achamos a sua fachada, acanhada. Geralmente, as danceterias que surgiam nessa época, eram megalomaníacas, e de certa forma, bregas, por desejar ostentar ares kitsch, ao estilo de cassinos de Las Vegas. No entanto, o que vimos ali, foi um estabelecimento discreto; sem iluminação de fachada; a exibir uma cor escura; quase incólume, o que destoava da moda oitentista das danceterias espalhafatosas. Enfim, fomos para dentro, e aí verificamos que o dono estava a dourar a pílula, pois aquilo era na verdade um bar mediano, que ele queria conferir um status de "danceteria", mas sem fazer nada para reformar o local, a não ser mudar o seu nome. O palco era tímido, com luz deficiente e um P.A. típico de barzinho, com poucos paramétricos, e caixas insuficientes para um show de Rock, de verdade. O camarim, era na verdade um quarto de despejos, que mais parecia o ambiente desses programas sobre acumuladores de lixo, que passam na TV a cabo. Entretanto, o mais bizarro estava por vir... 

Havia um grupo de amigos nossos de São Paulo, presente, mas quando o público começou a entrar, notamos que não eram nem cabeludos "hedbangers", tampouco tribos oitentistas e entusiastas das correntes do Pós-Punk, tipo de gente que sempre esperávamos ver nesses lugares. Eram homens em sua maioria esmagadora, e todos a parecer-se com o Freddie Mercury, fase pós-Glitter, quando por incrível que pareça, ficara mais "bicha" ainda, com aquele bigodão e cabelo curto e engomado.

Foi quando um amigo nosso, trouxe-nos a informação : até a semana anterior, aquilo fora um bar gay, e dessa semana em diante, o dono queria forjar uma danceteria, com shows de Rock. Então, fomos a cobaia dessa nova fase hétero do estabelecimento, mas lamentavelmente, o dono esquecera-se de avisar a sua antiga clientela sobre a mudança. Bem, fomos poupados de manifestações de carinho entre esses casais, e também louvo a sua educação em suportar um show de Rock, sem hostilizar-nos. Nossos amigos, ao contrário, divertiram-se a valer, para fazer desse evento, um oportunidade para gerar um manancial de piadas intermináveis sobre a situação bizarra em que envolvemo-nos etc. 
E para coroar a noitada na "gaiola das loucas" de Santo André, um fato inusitado ocorreu. Quando o show acabou, em meio a cerca de cinquenta pessoas que ali estavam, só havia uma única mulher. Tratou-se de uma garota acompanhada por alguns amigos seus, e que não tinham nada a ver com os gays, em sua maioria. Fiquei a saber disso, de uma forma inusitada e digamos, agradável, pois quando estava para sair do palco, ainda com o instrumento em mãos, ela subiu ao palco e notei que seus amigos estavam a incentivá-la a fazer isso.



Naquela fração de segundos, pensei tratar-se de um pedido de autógrafos, tão somente, mas ela surpreendeu-me, pois aproximou-se a perguntar-me se eu permitia-lhe um beijo. Disse que sim, ingenuamente ao achar tratar-se de um respeitoso beijo na bochecha. Contudo, ela agarrou-me, e beijou-me na boca. Fiquei atônito e só lembro-me do amigo, Wagner "Sabbath", aos berros dizer para os nossos outros amigos : -"olhem, a garota agarrou o Luiz", seguido de gargalhadas ! Foi a única mulher presente naquele lugar infestado por gays, e era jovem e bonita... pareceu ter sido o meu dia de sorte, enfim.

Bem, passado esse momento a viver uma situação típica de um Rock Star, voltamos à realidade, e foi a hora para desmontar o palco; voltar para São Paulo; pegar a Kombi com o restante do equipamento; buscar o Chico Dias, e entrar na Via Dutra, em direção ao Rio. Quando chegamos à casa do Rubens, nosso QG, havia um recado próximo ao telefone principal da casa, assinado pela minha prima, dona do apartamento onde o Chico Dias estava hospedado  : -"Chico Dias pegou todas as suas coisas, e partiu para o Rio Grande do Sul, nesta tarde de sábado"... ficamos desnorteados, em plena madrugada, prestes a tomar o rumo para o Rio !


Continua...

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