quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 165 - Por Luiz Domingues

Essa notícia foi um choque, porque denotou um ato de abandono premeditado, que provavelmente ele estaria a planejar há dias, talvez semanas. Bem, estou a narrar algo que chateou-me muito, há vinte e nove anos atrás (quando escrevi este trecho, em 2013, no Orkut), e nessa época, ele era um garoto do interior; despreparado para viver em uma cidade grande; e longe de sua estrutura familiar; de sua namorada, e amigos. A despeito de ainda achar que eticamente ele errou, claro que levo em consideração que todo mundo erra. Eu mesmo, ao longo desta autobiografia, já relatei fatos pelos quais portei-me mal, e por ter errado, magoei pessoas, portanto, usei esta plataforma pública para retratar-me. Portanto, se contei essa história, não foi para execrar a pessoa dele, mas por ser um importante pedaço da história da banda, na qual seria impossível não deixar de contar. 

Indo em frente, mesmo atônitos com a notícia, não tínhamos tempo para pensar no fato. Mesmo muito abalados, carregamos a Kombi, e partimos para o Rio de Janeiro, imediatamente. Nessa época, eu não sabia dirigir, portanto, a responsabilidade da condução ficara a cargo do Zé Luiz, e eventualmente o Rubens propusera-se a assumir, em caso de cansaço. A viagem foi bem, dentro do possível que uma Kombi oferecia em termos de conforto, é claro. Já estava amanhecido quando o trecho da serra encerrou-se, e ao adentrarmos a Baixada Fluminense, eu cochilava, quando senti a Kombi diminuir, e estacionar na Avenida Brasil. Meio zonzo de sono, ouço o Zé Luiz a conversar com um estranho. 

Quando tomo consciência do que ocorria, vejo um soldado do exército na carroceria, ao falar com o Zé Luiz, e fornecer-lhe instruções sobre o caminho a ser percorrido. O que havia acontecido, afinal ? O Zé Luiz resolvera dar carona para um soldado, e este, ao perguntar-lhe para onde íamos, ofereceu os seus préstimos como guia, para indicar-nos um atalho, que segundo ele, seria bem melhor que o caminho tradicional que faz com que atravesse-se a cidade inteira, até acessar a Barra da Tijuca. Eu apenas sei que demos voltas e mais voltas, e só lembro-me de em um dado instante, estarmos no bairro de Bangu. Depois disso, perdi a noção, completamente. Como paulistano, acho que conheço bem o Rio, devido às minhas andanças por lá, mas daquele jeito... da Tijuca para o Leblon. Bem, em um dado instante, ele pediu para descer pois estava em seu bairro. Mas dali em diante foi fácil prosseguir, com as suas dicas adicionais, e o apoio de placas pelas ruas.

Chegamos à danceteria "Mistura Fina", bem antes da hora marcada para a gravação do programa, mas foi bom, por que pudemos descansar e comer, com tranquilidade. O programa era interessante em seu formato, pois dava um bloco para cada banda participante, e um bloco de conversa interativa entre as bandas, além de uma mini entrevista com cada uma. 

A estética era bem oitentista, com um cenário que parecia feito de encomenda para o "Culture Club", incluso o apresentador, Billy Bond, bem caracterizado nessa onda New Wave. As bandas participantes foram : Hojerizah; Rapazes de Vida Fácil; Alynaskina; Baga da Praia; A Chave do Sol, e Garotos do Centro. Antes do início, a produção ofereceu-nos um lanche. A Danceteria "Mistura Fina", mostrara-se como uma casa bem montada, muito diferente daquela falsa "danceteria" em que tocáramos na noite anterior, em Santo André / SP. Enquanto comíamos, ouvi uma garota que estava sentada na mesa do Billy Bond, tecer um comentário sobre o nosso visual. Lembro-me dela ter ironizado as nossas longas cabeleiras, e o meu paletó de cetim, ultra setentista.
Bem, ao considerar-se aquele métier, claro que éramos "estranhos no ninho", ou no mínimo, anacrônicos para aquela ambientação tão oitentista. Em nosso bloco de atuação, tocamos as músicas : "Luz"; "18 Horas"; "Crisys (Maya)"; e "Anjo Rebelde'. Em "18 Horas", os técnicos ficaram surpreendidos, pois estavam acostumados a ouvir bandas oriundas do movimento BR-Rock 80's, e invariavelmente dentro daquela sonoridade padrão da época, e nós ali a mandarmos um Jazz-Rock nervoso, cheio de firulas e super setentista... 

No bloco interativo, o Billy perguntou-nos, como víamos a rivalidade entre as bandas de Rock, paulistas e cariocas. Eu respondi que achava a rivalidade válida somente para o mundo do futebol, e que deveríamos na verdade, preocuparmo-nos com o fato de estarmos a menos de dois meses da realização do Festival "Rock in Rio", e verificarmos com estupefação, que muitas bandas boas haviam ficado de fora da programação, em detrimento de alguns artistas "alienígenas", que estavam formalmente escalados... 

Não falei isso para fazer média com os cariocas ali presentes, mas fui sincero, ao criticar a mentalidade dos produtores de tal evento, em inserir artistas que não eram nada próximos sequer do mundo do Rock, e nem precisavam do festival como plataforma de impulso para as suas carreiras, enfim. Entretanto, algo inusitado aconteceu, pois eu mal acabei de proferir tais palavras, e todo mundo que ouvia atentamente atrás das câmeras, aplaudiu com veemência, com direito até a alguns gritos e assovios, em sinal de apoio. 

Já batia as 21:00 h. mais ou menos, quando vimo-nos liberados pela produção da TV, e dessa forma, colocamo-nos na estrada. Cogitamos dormir no Rio, mas o Zé Luiz garantiu-nos estar sem sono, e disposto a enfrentar a estrada, portanto, colocamos tudo na Kombi, e partimos. Nunca vimos a nossa participação em tal programa, porque ele era exibido de forma regional, e ninguém gravou no videocassete, para nós. Nunca vi no You Tube alguma postagem, infelizmente. O único registro que tenho, é o relato de amigos cariocas que assistiram, e disseram que colocaram "18 Horas" no ar, e que haviam gostado bastante. Uma pena não ter essas imagens para a memória da nossa banda. 

Um último ato desagradável aguardar-nos-ia nessa viagem, e ocorreu logo no primeiro posto rodoviário, ao sairmos do Rio. Parados pela fiscalização; cabeludos, e com o carro cheio de instrumentos... o guarda insistiu em examinar as notas fiscais dos instrumentos; equipamentos etc. -"Ora, somos músicos "seu guarda", fomos fazer um programa na TV Bandeirantes do Rio, veja o nosso disco"... assim argumentamos. Então, ele resolveu fazer uma inspeção minuciosa no veículo, e proferiu a famosa frase terrorista : "-está tudo perfeito, mas se eu quiser, eu acho uma irregularidade"...  Bem, após uma canseira de mais de uma hora, conseguimos seguir adiante, e chegamos em São Paulo no meio da madrugada. 

Descansaríamos na segunda-feira, essa fora a nossa planificação inicial, porém, dadas as novas circunstâncias alheias à nossa vontade,  agora teríamos que encarar o fato de que éramos um trio novamente, e começaria mais uma vez, a luta para procurarmos um novo vocalista. A ideia da demo-tape com canções novas, e cantadas por um frontman a mostrar uma garganta portentosa, estava arruinada, e atormentava-nos a ideia de que o Festival Rock in Rio aproximava-se, e um mundo de oportunidades abrir-se-ia nesse vácuo, portanto, estávamos prestes a ficar despreparados para agarrá-las...
Continua...  
 

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