Tal casa em questão foi o Gillian's Inn, um estabelecimento que desde que fora fundado, por volta de 2011, mantinha a salutar prática de abrir as suas portas para bandas autorais, embora também tivesse nesse ínterim, que render-se à realidade da necessidade de se agendar bandas cover/tributo, como fator de sobrevivência, porém mesmo assim, esforçava-se para manter um espaço aos outsiders do underground mais profundo, portanto foi um fator a comemorar-se com fogos de artifício.
Eu, Luiz Domingues e Rodrigo Hid (encoberto), a tocarmos com o Pedra no Gillan's Inn, no ano de 2012. Foto: Naty Farfan
Eu já havia apresentado-me nesse estabelecimento uma vez, no ano de 2012, com o "Pedra" e a repetir um padrão em estar inserido em meio a um espetáculo triplo, daquela vez a compartilhar com as bandas: "Tomada" e "Balls".
E devo acrescentar que a casa operava nessa ocasião em outro endereço, próximo à Praça Roosevelt, no bairro da Consolação, bem perto do centro antigo da capital paulista. Posteriormente, eu soube que mudara-se para outro endereço, ali perto mesmo, a ocupar um espaço bem mais amplo, com direito a uma infraestrutura melhor para shows, com palco grande, melhores camarins e tudo mais e agora, 2017, estava em um novo local, a caracterizar o seu terceiro endereço e desta feita mediante uma mudança radical, por ir estabelecer-se na zona norte de São Paulo, no bucólico bairro do Jardim São Paulo.
Nessa ocasião, além d'Os Kurandeiros, o show seria também compartilhado por duas bandas com sonoridades bem distintas entre si e conosco, igualmente. A primeira, chamada: "Boomer", a fazer um Pop-Rock com ares oitentistas e a outra, "Pop Javali", que apesar da sugestão implícita de seu título, apresentava um Heavy-Metal super técnico, a esbarrar em virtuosismos bem acentuados.
Interessante, um show triplo com bandas autorais a exibirem trabalhos bem diferentes, uma das outras, pareceu mais que uma estratégia eclética a demonstrar ousadia por parte da produção, mas haveria de atrair públicos específicos de cada sonoridade e na soma, garantir à todas, um quórum significativo, assim esperávamos.
Da esquerda para a direita: Eu (Luiz Domingues), Kim Kehl e Carlinhos Machado. Os Kurandeiros no camarim do Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Clicks (selfies), acervo e cortesia: Kim Kehl
E assim fomos para o soundcheck na parte vespertina de um domingo, sob uma chuva bastante desagradável para quem vai participar de uma produção que depende da movimentação da bilheteria e não deu nem para lastimar o azar de uma chuva em pleno agosto, mês que tradicionalmente é seco e frio, mas apenas constatar que em uma época tão carente de oportunidades, foi para lastimar-se ter intempéries da natureza a atrapalhar uma rara oportunidade para tocar-se em uma casa melhor estruturada e dentro da realidade de um show 100% autoral. Paciência.
Passamos o som e a casa apresentava um PA compatível com o espaço e o seu técnico mostrou-se competente e eficaz na preparação do nosso set up. E convenhamos, o nosso rider técnico era bem simples quando apresentávamo-nos no formato Power-Trio, portanto, a facilidade para se preparar nosso set up, foi total.
No camarim, esperamos pelo soundcheck do Pop Javali e do Boomer, que na ordem inversa desse procedimento prévio, abriu a noitada. Eu assisti o show do Boomer em meio ao público e gostei da sua apresentação, a mostrar composições bem ao gosto do Pop-Rock da década de oitenta.
Essa estética não é do meu agrado, todo leitor da minha autobiografia está amplamente avisado sobre isso, mas um aspecto é certo, gosto pessoal a parte, os rapazes apresentaram boas composições e desenvoltura.
Formatado como quarteto, o Boomer impressionou-me bem, gostei de sua apresentação, inclusive ao prestar atenção nas boas letras versadas pela preocupação em se exprimirem crônicas do cotidiano urbano, tipo de temática que agrada-me, certamente, ultra paulistano que sou.
Com uma boa cozinha, o vocalista principal a tocar uma competente guitarra base e um guitarrista solista de bastante qualidade, além de todos fazerem backing vocals afinados, é claro que a sonoridade teria que ser agradável e o foi.
Enquanto eu assistia sua performance, um pensamento veio à minha mente: foi incrível como estavam a surgirem bandas que naquela atualidade de 2017, pretendiam resgatar a sonoridade dos anos oitenta (leia-se na realidade do Pop-Rock dentro da cena do BR-Rock daquela década), mas que soavam paradoxalmente muito melhores do que os artistas que eles deviam admirar.
A minha tese é de que essa turma atual, primeiro aprendeu a tocar instrumentos e depois preocupou-se em formarem bandas, ao contrário de seus ídolos que fizeram o contrário, respaldados pelos ideais errôneos da "revolução Punk" que inebriou-os naquela ocasião.
Dessa forma, bandas como o "8080", "Flying Chair" e o "Boomer", que buscavam tais sonoridades da década de 1980, eram em realidade, muito melhores que as bandas que influenciaram-nas, em tese.
Os Kurandeiros em ação no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Foto: Lara Pap
Nos últimos momentos do show do Boomer, eu fui ao camarim iniciar a minha preparação final para entrar em cena e ainda comemorei a releitura que eles incluíram em seu show, ao executarem: "Come Togheter" dos Beatles, ou seja, nem só de som oitentista eles eram influenciados, ainda bem.
Chegara a nossa vez e fomos apresentados pelo Adilson Oliveira que era (é) um dos dirigentes da Webradio Stay Rock Brazil (e também é um excelente guitarrista e professor de música, sendo membro da banda base do Lee Recorda, um dos remanescentes da banda setentista "Recordando o Vale das Maçãs", em plena atividade e a ter o baixista virtuose, Fernando Tavares como colega de banda, ou seja, uma banda de alto nível), com uma reverência tremenda que chegou a provocar-me arrepios.
O seu respeito pela nossa banda e também incluso o bojo da carreira pregressa de cada componente, foi emocionante e quase desestabilizador, pois dentro dessa aura de comoção, ficou meio comprometida a nossa capacidade de concentração, porém, e aí eu posso contabilizar como lucro, o fato de que envelhecer tem o lado bom da experiência acumulada em detrimento das mazelas da decrepitude física em curso, portanto, balançamos mas não caímos, como falava-se no humorismo popular de antigamente...
Roberto San'Anna, músico e fotógrafo, amigo virtual pelas Redes Sociais da Internet, de longa data, apareceu e nós conversamos bastante nos momentos pré-show. As três fotos acima do nosso show, são de sua autoria. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017.
Logo na primeira música, a simpatia do público foi muito boa e nós embalamos uma bela performance da música: "A Noite Inteira", mas um fato alheio à minha vontade, ocorreu. Na parte da parada gerada do instrumental, arranjo que estabelecemos fazer ao vivo e diferente da versão de estúdio, eu costumava percutir nas cordas abafadas do meu baixo, a usá-lo como a um instrumento de percussão, mas enquanto o Kim brincava com a plateia e o Carlinhos mantinha o ritmo, eu notei que o som do meu baixo falhava e não deu outra, uma pane instaurou-se no meu amplificador.
Assim que chegou a vez de voltar para a música e ao verificar que os meus esforços para resolver a falha ali não lograram êxito, eu sinalizei ao Kim que não conseguiria prosseguir e que ele e Carlinhos conduzissem a música até ao seu final.
Imediatamente o técnico de som e o amigo, Adilson Oliveira, vieram mexer no amplificador, mas ele não mostrava reação. Foi quando ele voltou a funcionar de uma forma inexplicável e o show prosseguiu sem mais percalços ainda bem. Vida que seguiu, falhas técnicas que aborrecem, mas que são dribladas, sempre.
O Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=944sEUTWA18
Mais registros d'Os Kurandeiros em ação no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Clicks, acervo e cortesia de Regina de Fátima Galassi
Dali em diante e sem prejuízo pela falha técnica logo na primeira música, o show foi ótimo, com a banda a manter uma ótima performance e a ser muito aplaudida. Encerramos felizes pela nossa participação e doravante, entregamos o palco para o Pop Javali.
Os amigos Roberto Sant'Anna, Regina de Fátima Galassi e eu (Luiz Domingues) no Gillan's Inn de São Paulo em 20 de agosto de 2017. Acervo e cortesia de Regina de Fátima Galassi. Click: Lara Pap
Veio a seguir o Pop Javali e eu já havia ficado muito lisonjeado pela forma carinhosa com a qual seus componentes haviam falado comigo no camarim e durante o soundcheck, a se mostrarem muito gentis em enaltecer a minha carreira pregressa, ao citarem A Chave do Sol como um trabalho que influenciara-os na década de oitenta.
Por essa eu não esperava e claro que fiquei muito enaltecido e agradecido. Fora disso, pessoas de uma gentileza ímpar e muito bem articulados, evidentemente que a nossa conversa nos bastidores foi das mais agradáveis.
Sobre o show deles, assisti parcialmente, pois na primeira parte estava a arrumar os meus pertences no camarim, já a deixar tudo arrumado para a saída posterior, somente a ouvir a rebarba do som que vinha do palco sob um primeiro instante.
Quando eu fui para a plateia assistir de fato, já chegava-se à metade da apresentação deles e eu pude constatar que são excelentes músicos e com tal nível técnico elevado a seu favor, realmente impressionara-me a robustez instrumental dos três componentes, inclusive a demonstrarem virtuosismo em diversas passagens de seu instrumental.
A estética foi do Heavy Metal e eu não saberia definir ao certo em qual de suas inúmeras subdivisões o trabalho dos rapazes encaixava-se, mas obviamente era pesado demais para o meu gosto, mas isso não desabonou em nada o bom trabalho deles.
No pós show, a agradecermos ao público. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Click: Lara Pap
Fechada a noite, pelo aspecto artístico, foi um triunfo a produção. Mas por outro lado, a chuva minou a presença de um público maior que certamente esperávamos.
Cerca de um mês depois, o "Focus", a lendária banda progressiva setentista de origem holandesa, apresentar-se-ia naquele palco, a demonstrar que a casa continha fôlego para apresentar atrações internacionais.
Cereja do bolo, alguns componentes e amigos da banda Boomer, abordaram-me com muita simpatia a revelarem-me gostar do meu trabalho com A Chave do Sol nos anos oitenta e claro que mais uma vez eu senti-me muito lisonjeado.
Os Kurandeiros no camarim. Da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues), Kim Kehl e Carlinhos Machado. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo em 20 de agosto de 2017. Click de Lara Pap
Kico Stone, o nosso amigo e film-maker de vários shows nossos, esteve presente e filmou a nossa performance, a gerar um micro especial, sempre bem-vindo para a videoteca da banda e da minha em particular.
Noite de 20 de agosto de 2017, um domingo chuvoso, mas proveitoso, com três bandas do mundo underground da música a apresentarem os seus trabalhos autorais, ou seja, uma chance rara no cenário da música underground de 2017...
O link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=54LGz-94CbE
O nosso próximo passo seria uma apresentação em um espaço inusitado, mas que revelar-se-ia agradabilíssimo pela receptividade calorosa do público e dos responsáveis pelo local.
Continua...
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