Bem, voltei para a casa aliviado, mas estava ainda muito aborrecido pelo desastre humilhante da noite anterior, e também pelo prejuízo financeiro, além de estar estressado com esse sufoco repentino para alojar, Chico Dias e a sua namorada. Mais tarde, com todo mundo tendo melhorado o humor consideravelmente, encontramo-nos novamente na estação do metrô e fomos dar uma volta na Av. Paulista. A garota (guria !), queria conhecer o MASP (Museu de Arte de São Paulo), mas naquele horário noturno, não estava aberto. Estava tudo calmo e fomos embora. O casal estava a sorrir, enfim, e dali, partiram para a sua sossegada noite de amor, e que desse-lhes paz, ainda bem...
Mas outra bomba estava reservada para a manhã de domingo... novamente fui tirado da minha cama repentinamente, com a notícia de que uma ocorrência horrível acontecera, ao gerar nervosismo e constrangimento na residência do Hélio. Simplesmente os pais dele anteciparam sua volta à São Paulo, e surpreenderam um casal jovem e completamente estranho, a dormir inteiramente nus na sua cama ! Furiosos, expulsaram-nos aos gritos, mal tendo tempo para que pudessem vestir-se. Estressado, Chico Dias não sabia o que fazer e o Hélio entrou em um castigo sob clausura, e só consegui falar com ele, vários dias depois. Pensar... pensar... onde alojar esses dois por mais um dia, visto que a namorada só voltaria à Porto Alegre na segunda-feira, por conta da passagem comprada antecipadamente ?
Outra hipótese impensável ocorreu-me : lembrei-me do Hélcio Junior, aquele fã abnegado que levava faixas às gravações do programa "A Fábrica do Som", para incentivar-nos e que intermediara três shows para nós na sua cidade natal, Atibaia, no interior de São Paulo. Ele estudava em São Paulo e morava em um apartamento com o seu avô, mas o senhor raramente ficava em São Paulo, portanto, na prática, ele ficava sozinho o tempo todo. Restava-nos saber se o Hélcio estaria em São Paulo e ajudar-nos-ia por uma noite. Liguei e dei sorte : ele estava, e indo além, estava sem a presença do seu avô e aceitaria abrigar o casal, sem problemas. Como fã da banda, sentia-se feliz em ajudar e até apreciaria recebê-los para tomar vinho e ouvir música, sendo isso, melhor que estudar, o que teria sido a sua projeção para aquela noite. Pois muito bem, fui levar o casal até a av. Paulista, onde encontramo-nos com o Hélcio Junior. O seu apartamento ficava nas imediações da Rua São Carlos do Pinhal, ali perto. Ao contrário da noite anterior, o casal estava em frangalhos novamente, e confesso, eu também estava cansado dessa situação.
Bem, entreguei-os ao Hélcio e fui para a minha casa. Tudo o que eu desejava era descansar e chegar, segunda-feira no ensaio, um pouco melhor, para tocarmos a nossa vida adiante. Mas a minha paz não durou muito. Eis que recebi um outro telefonema e lá estava o Chico Dias, desconsolado, a ligar-me de um telefone público na Av. Paulista. O mesmo raio caíra três vezes na cabeça do azarado, Chico Dias... pois o avô do Hélcio Junior chegara de surpresa e não gostou da ideia do casal ficar ali naquela noite. Não foi aos berros, mas foi feito um convite para eles retirar-se...
O Hélcio ficou muito chateado, mas nada podia fazer, pois o avô era de fato o proprietário do apartamento e daí. Bem, lá fui eu de volta para encontrá-los na Av. Paulista. Estavam sentados na escadaria da TV Gazeta, cabisbaixos. E desta vez, eu não sabia o que mais poderia fazer mais para dar um jeito no infortúnio do casal. Eu também estava sem recursos e minha casa era pequena naquela ocasião, e sem chance para um oferecimento, nem que fosse emergencial. A minha ideia foi ligar para alguém daquele grupo de amigos que orbitavam a banda, desde 1982. Algum deles poderia ter uma ideia.
Gentis como sempre, mobilizaram-se e vieram encontrar-nos. Nenhum deles poderia oferecer a própria residência, mas organizaram uma coleta e a dividir bem, até eu ajudei, apesar de minha precariedade financeira à época. Após um jantar animado, onde o casal pôde relaxar um pouco, após tantas emoções, os deixamos alojados em um hotel nas Perdizes, bairro da zona oeste de São Paulo. Dali, havia uma estação de metrô próxima, e os instruímos então a dirigir-se à rodoviária no dia seguinte, sem problemas. Deixamos o casal a vontade para relaxar no hotel, e fomos embora. Fiquei muito feliz pelo apoio dos amigos, onde destaco o Carlos Muniz Ventura, que foi fotógrafo de muitas ocasiões importantes da banda, incluso fotos promocionais de encartes de discos (o EP de 1985 e o LP The Key, 1987, por exemplo, para citar situações futuras a este ponto da narrativa). Ele liderou a organização da coleta e pesquisou hotéis baratos nas imediações onde estávamos etc. Fui dormir extenuado pelo acúmulo de problemas iniciados, desde a catastrófica noite de sexta, e o show horrível na Tífon. Mas ainda aconteceria mais uma desgraça...
Caramba que aventura do casal hein...e falta de sorte.
ResponderExcluirParece filme de comédia romântica.
Sem dúvida que parecia roteiro de filme, e com a agravante de que nas entrelinhas ficou exposta a nossa falta de estrutura. Com um mínimo de dinheiro disponível, colocaríamos o casal num hotel desde a sexta feira e nada disso teria ocorrido e indo além, talvez a moça não tivesse nem se descuidado de tomar sua insulina.
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