quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 233 - Por Luiz Domingues


Quando chegamos no ginásio do Santos F.C., tomamos ciência de que o P.A. contratado para suprir o evento, mostrava-se absolutamente ridículo. Tal equipamento serviria para animar uma festa de aniversário em um salão de festas de condomínio, desde que limitado à função em alimentar uma pick-up; tape deck; ou receiver, tão somente. Todo mundo ali presente, ficou muito preocupado, pois o sujeito responsável pela insanidade em contratar um equipamento de sonorização "Hi-Fi" para servir como P.A. de show de Rock, fora no mínimo, um incauto, mas ao considerar-se que na reunião prévia realizada no seu escritório, a lista apresentada a conter o Rider Técnico, mostrara-se compatível com a nossa realidade, nós só poderíamos deduzir que tratou-se mesmo foi de um ato de má fé da parte desse elemento. Uma pressão começou a irromper para cima do sujeito, e os seus ajudantes truculentos ficaram atentos, entretanto, não houve meio para haver esperança de um espetáculo com o mínimo necessário par ser digno, diante de um disparate desse nível.

Com aquele equipamento, seria impossível cumprir o show, e o rapaz percebeu finalmente que não estava a lidar com os artistas popularescos com os quais ele costumava trabalhar, e que costumeiramente apresentavam-se com qualquer equipamento, pois muitas vezes, tais incautos artistas nem possuíam o crivo pessoal para notar tal precariedade, e não dimensionavam por conseguinte, o prejuízo que isso causa-lhes, ao apresentar-se com um equipamento de áudio horroroso, a depor contra a sua música. O equipamento de palco, também foi deprimente, com a presença de amplificadores inadequados, não só pela baixa qualidade, mas sobretudo pela falta de potência condizente para o tamanho daquele ginásio. A iluminação seguiu o mesmo padrão, com duas torres laterais a conter poucos spots de "500", que no máximo serviriam como apoio, mas jamais como estrutura para um palco daquele tamanho. Então, alguém sugeriu uma solução paliativa para não arruinar o show de vez (hoje eu penso : não teria sido melhor cancelar o evento, sumariamente ?), e daí, ligaram para o baixista da banda ,"Vulcano", o solícito, Zhema, que era dono de um equipamento de palco, e haveria também em ofertar algum reforço para incrementar aquele P.A. ridículo que o empresário havia providenciado. 

Por sorte, o Zhema estava presente em Santos e sem compromisso para aquela noite, pois o Vulcano não tinha show, tampouco a banda cover que o Zhema mantinha regularmente, especializada em executar o som da banda Country-Rock, Creedence Clearwater Revival. Dessa forma, ele veio em socorro e solidariedade às bandas, das quais era amigo de quase todas, e não cobrou nada do rapaz, mas fez um pedido, que pareceu óbvio : que o Vulcano, sua banda, fosse incluído e tocasse também no evento. Da parte de todos, não haveria nenhuma objeção, pelo contrário, pareceu-nos o mínimo em retribuição ao esforço de ajuda que ele empregaria. Alguns telefonemas depois, e após localizar os seus companheiros de banda, o Zhema sinalizou que o Vulcano participaria, mas tornara-se certo que emprestaria seu equipamento, mesmo que não fosse possível a participação de sua banda. O fato, é que para quem não o conhece, o Zhema é um sujeito extremamente gentil, cortês e prestativo, e todas as vezes em que eu interagi com ele, sempre fiquei com essa impressão positiva de sua pessoa. 

A tarde corria e o horário para a realização de um soundcheck minimamente decente, já não existia mais. Nesse momento, seria montar o equipamento do Zhema e tentar salvar a noite na base da boa vontade tão somente. Ninguém ali mantinha mais esperanças em trabalhar com um som dotado de qualidade, e para quem é músico, deter essa realidade como perspectiva, desanima muito nos bastidores. O aspecto psicológico do artista vai lá para o subsolo, diante de tais condições inóspitas, aventadas como uma perspectiva imutável. Claro, com esse panorama todo que delineou-se, os cochichos ouvidos sobre um eventual problema financeiro com o contratante em relação ao cachet acordado, começou a crescer entre os músicos de diversas bandas amigas. Bem, talvez a única ação positiva desse sujeito, foi cumprir o compromisso em servir-nos um almoço decente. E de fato, com o apoio do restaurante interno do Santos F.C., a comida oferecida foi farta e notória pela qualidade. A produção montou uma mesa gigante, e os membros da bandas misturaram-se em confraternização total. Lembro-me em ter sentado-me ao lado do Clemente e do Ronaldo, membros dos Inocentes. Ambos eram extremamente simpáticos e eu já os conhecia desde, 1984. Eles foram assistir A Chave do Sol algumas vezes no Lira Paulistana, além de shows coletivos em que participamos juntos, e também pelo fato do técnico de som deles, Canrobert, ter tornado-se o nosso técnico, também. Nos cartazes e filipetas do show, estavam relacionadas as seguintes bandas : Língua de Trapo; A Chave do Sol; Sparadrapo; Abutre; Os Inocentes; Eclipse; Santuário e Salário Mínimo. O fato do Língua de Trapo estar relacionado nesse micro-festival, foi um dos fatores que animara-nos a fechar a nossa participação, também. Porém, no dia do show, simplesmente a sua comitiva não estava no ônibus da produção, e ninguém fez menção de que apareceriam por conta própria. Claro que foi um outro sinal de que a condução desse show estava muito errada por conta dessa produção. 

Se não apareceram e ao conhecer bem o Língua de Trapo, e sobretudo, o seu empresário, Jerome Vonk, tornou-se claro que tal grupo não havia assinado contrato e portanto, eles não apareceriam, certamente. Depois de algum tempo, eu soube que o Língua de Trapo nunca acertara nada com esse rapaz, e que pelo contrário, o Jerome estudava processar o sujeito, pelo nome da banda ter sido incluído, indevidamente nos cartazes e filipetas. 

Bem, o equipamento foi montado às pressas e mesmo com toda a boa vontade do Zhema, ficara claro que as condições seriam precárias, mesmo por que, nem que um P.A. de alto nível estivesse à disposição, sonorizar show de  Rock em ginásio de esportes, é sempre traumático pelas condições acústicas inóspitas. Fora tudo isso, agravar-se-ia ainda mais a ruindade sonora do evento, se o público fosse pequeno, pois quanto mais gente presente no recinto, maior a possibilidade em abafar e coibir frequências desagradáveis. Sem tempo algum para um soundcheck decente, os portões do ginásio abriram-se para o público, e o Vulcano abriria o evento, a servir como cobaia das outras bandas, com o som a ser corrigido com o show em andamento.Tal prática é igual a de um mecânico estabelecer reparos em um avião em pleno ar, com a licença da metáfora exagerada...


Continua...    

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