quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 230 - Por Luiz Domingues


Uma das histórias citadas sobre os primeiros shows de Beto Cruz com a nossa banda, começou na verdade, alguns dias antes do primeiro show em questão. Surgiu uma proposta para tocarmos em num show coletivo, na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Ele seria realizado no ginásio poliesportivo do Santos F.C., anexo ao estádio Urbano Caldeira, popularmente conhecido como, "Vila Belmiro". O contato foi de um produtor, com escritório localizado no centro velho de São Paulo, e que segundo apuramos preliminarmente entre colegas que também haviam sido contactados, este seria um típico empresário popularesco, daqueles que lidam com tal espectro musical e portanto, não continha nenhuma experiência com shows de Rock. 

O sinal amarelo acendeu não apenas em nossa percepção, mas também na desconfiança da parte de vários colegas, membros de outras bandas que estavam envolvidas, igualmente. Contudo, não poderíamos descartar imediatamente, sem ao menos conhecer a proposta do rapaz, e assim, fomos conversar, naturalmente. O sujeito era bastante falante e demonstrava uma autoconfiança no que dizia, sem dúvida. 

Era, contudo, uma pessoa dotada de poucos recursos educacionais e demonstrava ter baixo nível cultural, porém, dentro do seu ramo de atividades, pareceu-nos ter uma noção básica, ainda que com a devida ressalva de que o seu métier era o mundo da música brega, e nesse aspecto, as produções que estava acostumado a lidar, sem dúvida, respondiam aos parâmetros marcados pelo baixo nível no tocante ao uso de equipamentos. Para não dizer que grande parte das produções que fazia, com tais artistas, era na base do play back, ou seja, shows onde dispensava-se a necessidade para tocar-se e cantar-se ao vivo, prática normal entre tais artistas, mas que para Rockers como nós, causava arrepios tal ideia estapafúrdia.

O sujeito falou sobre como seria o suposto "festival"; o equipamento que teríamos ao nosso dispor; estrutura de camarim e a logística do transporte, com um ônibus fretado pela produção, a partir do centro de São Paulo, para conduzir todas as bandas envolvidas. Falou também sobre a divulgação que parecia eficaz,  inclusive a conter com apoio de Rádio e da TV local, e o melhor de tudo : um cachet fixo e sob um valor digno, eu diria. Para um sujeito rude como ele apresentou-se para nós, esse aceno todo, chegou a surpreender-nos.  

Foto extraída da primeira sessão de fotos com o novo vocalista, Beto Cruz, integrado à banda. Novembro de 1985

Ponderamos que seria uma oportunidade boa para o Beto fazer a sua estreia, e assim quebrar a expectativa, visto que no dia seguinte, teríamos um show a ser realizado no Sesc Campestre, em São Paulo, e tratávamos tal segundo compromisso com maior cuidado, primeiro por ser uma unidade de Sesc, onde sempre havia a preocupação para causar uma boa impressão nos bastidores, e assim visar-se entrar nesse circuito cobiçado, e segundo, por que houve a perspectiva de jornalistas estar presentes, para cobrir o show. E, mesmo que o show de Santos não fosse uma maravilha, o tal produtor oferecia a perspectiva de um contrato assinado, o que foi uma rara ocasião em que sentimo-nos seguros em relação ao cumprimento das promessas feitas de forma verbal. Neste caso, não tivemos nada a perder, sob uma leitura bem superficial.  Dessa maneira, fechamos o contrato e assim fomos oficialmente escalados para o tal festival.

Uma exigência do contratante, no entanto, causou-nos um aborrecimento inevitável. Dada a circunstância do contrato, fomos obrigados a regularizar a nossa situação na Ordem dos Músicos e passar novamente (no meu caso), pela ridícula prova de aptidão, e além disso, o pior de tudo, obrigados a pagar as taxas altas e abusivas que tal instituição cobrava. Hoje, em dia (2015), a Ordem dos Músicos abrandou muito a sua rigidez opressiva, mas naquela época, adotava uma imposição bastante antidemocrática para com os seus afiliados. Nesses termos, era sempre odioso ter que submeter-se às suas regras e sobretudo desembolsar uma quantia indigesta para obter-se o "direito" em tocar, sem ser importunado por seus "fiscais", geralmente brucutus arrogantes e intransigentes, a agir como verdadeiros agentes da Gestapo. Eu mantinha a minha carteira desde 1982, mas em 1985, relaxei a guarda e não paguei a anuidade, portanto fui obrigado a pagar a multa e naquela época, o exame de aptidão era obrigatório, todo ano, a causar constrangimentos. Os meus colegas tiveram que preparar as suas respectivas carteiras pela primeira vez, pois há anos postergavam tal "obrigação". Paciência... se o contrato em questão exigia tal documento regularizado, achamos que valeu a pena, pois o cachet acordado foi bom.



Continua... 

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