domingo, 22 de março de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 235 - Por Luiz Domingues



Após um sábado difícil, a lidar com adversidades para lá de presumíveis (mas que não tivemos a capacidade em discernir à época, ao ponto de evitá-las, simplesmente, diga-se de passagem), o domingo parecia ser mais promissor e digno para, A Chave do Sol, e de fato, o foi mesmo. O compromisso seria cumprido na unidade do Sesc, conhecida como, "Sesc Campestre", uma bela instalação em meio ao ambiente silvestre, mediante muita natureza; lagos; e equipamentos de lazer aos montes, incluso muitas piscinas. 

O show seria realizado em meio a uma concha acústica sui generis, pois esta ficava instalada dentro de um lago com razoável extensão de comprimento e largura, com o público a acomodar-se na margem do outro lado, sob um declive que insinuava-se como uma pequena encosta. 

Visualmente a falar, era muito bonito, e claro que foi ótimo ter tocado ali, por esse e outros motivos. Alguns anos depois, esse mesmo palco seria o "set" oficial para o programa da TV Cultura, "Bem Brasil", onde muitos artistas da MPB e do Rock brasileiro tocaram, incluso o grupo, "Big Balls", do Xando Zupo, futuro companheiro meu no "Pedra", no avançar dos anos 2000. Acho, não tenho a convicção, que o Golpe de Estado também tocou nesse referido programa da TV. 

Sobre o nosso show, este fora marcado graças à intervenção do produtor musical, Luiz Calanca, e nós dividiríamos o palco com o Centúrias e o Platina, bandas igualmente pertencentes ao elenco da Baratos Afins. 

Chegamos às dependências do Sesc Campestre, no horário combinado e o soundcheck foi muito rápido, pois por tratar-se de um palco ao ar livre, não seria possível realizá-lo com a devida calma habitual e necessária que seria de bom alvitre. Mas esse não seria um grande problema, pois o equipamento era de bom nível e os técnicos, competentes. Portanto, estávamos confiantes de que mesmo sem um soundcheck mais apurado, tudo daria certo. 

O Centúrias tocou primeiro, e da coxia, o som da banda parecia agradável na monitoração, para tocar-se com segurança. Mas quando o show deles encerrou-se, vimos que os seus componentes saíram do palco a nutrir muitas queixas sobre a monitoração, e isso acendeu a luz amarela para nós, imediatamente.

Levamos conosco, o Edgard Puccinelli Filho, popular "Pulgão", como roadie e ele insistiu para recitar um de seus poemas antes do nosso show.


Consideramos que não teria nada de mau ele entreter o público um pouco antes de entrarmos em cena, mesmo por que, ele era extremamente divertido, e as suas performances tresloucadas, arrancavam risadas e euforia, geralmente. No entanto, a relembrar tal situação hoje em dia, será que nós agimos corretamente ? Bem, lá foi ele declamar : "A Morte", um de seus poemas.

Apesar da declamação ser muito exótica em via de regra nessa época, o tema era mórbido e convenhamos, não seria um show Dark ou Gótico a ser realizado na casa noturna, "Madame Satã", mas um show a ser feito no período da tarde; sob um ambiente bucólico; ao ar livre; com muito sol e calor; portanto, com as pessoas a aproveitar a luz do dia, quase sob um clima de "pic-nic". Enfim, muita gente riu, houve aplausos, mas quando lemos a resenha sobre esse show, que foi publicada na revista "Metal", algum tempo depois, ficamos surpresos por ver que o crítico, Antonio Carlos Monteiro, não aprovou a performance, e deixou registrado, assim, o seu desagravo (mais adiante, publico literalmente o que ele falou). 

O show foi curto, pois fora compartilhado com outras bandas, porém foi muito bom. O Beto já conseguiu soltar-se um pouco mais e nesse aspecto, o desastre observado na cidade de Santos, na noite anterior, acabou por ser sendo benéfico para nós, sob tal ponto em específico. Lembro-me que a energia foi muito grande.

Um dado curioso ocorreu nesse dia e que desencadeou uma mudança de vida para o Beto Cruz, dali em diante, ao acompanhá-lo pelo resto de sua estada à frente da banda. Acho que posso revelar isto, pois não é nada comprometedor, e ele não teria motivo para chatear-se comigo. Enfim, graças a esse show, alguns comentários sobre a aparência física dele, Beto, chegaram até nós. Por ser vocalista e estar mais exposto, sem um instrumento às mãos, qualquer pequena saliência que apresentasse no seu abdômen, poderia ser detectada, principalmente pelas mulheres, sempre mais observadoras.  

E assim, uma certa gordura detectada, chamou a atenção desse tipo de audiência, e tais comentários proferidos, incomodaram-no. Não deu outra, na segunda-feira posterior, ele matriculou-se em uma academia de ginástica perto de sua casa, e a chamada "malhação", tornou-se uma rotina na sua vida. 

Entretanto, ele teve razão em cuidar-se, pois os vocalistas são os músicos que mais chamam a atenção do público em geral, e por ser assim, foi certeiro em observar isso com atenção. 

E não foi nada demais a tal gordura extra que ele apresentara nesse seu início a atuar conosco, e confesso, no lugar dele, eu não teria tomado providência alguma. 

Assim foi o show no Sesc Campestre, realizado no dia 10 de novembro de 1985, um domingo que foi bem quente em São Paulo. Segundo os produtores do Sesc, havia cerca de mil pessoas a assistir-nos nesse espetáculo.
Todas as fotos desse show, e que ilustram este capítulo, são de autoria de Rodolfo Tedeschi ("Barba"). Fica a ressalva que foram "scanneadas" diretamente de um contato fotográfico, e não de cópias reveladas em papel, portanto, possuem qualidade visual muito aquém do desejável, mas mesmo assim, justificam-se pelo valor histórico, naturalmente.


Continua...

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