sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Autobiografia na Música - Trabalhos Avulsos (Uncle & Friends) - Capítulo 95 - Por Luiz Domingues

Como costuma ser usual nesse campo dos trabalhos avulsos, mesmo que estes não sejam pautados pelo compromisso formal em estar inserido dentro de uma banda, em meio às sua atividades normais de carreira, o fato é que muitas vezes podem trazer em seu bojo, uma continuidade, sob uma outra circunstância e nesse caso, não importa se isso realiza-se sazonalmente. 

Foi o que ocorreu com o trabalho do guitarrista/compositor e cantor, Lincoln "The Uncle" Baraccat. Sobre a sua pessoa, eu já discorri anteriormente e não cabe repetir, mas saliento que a sua personalidade Rocker multifacetada, em meio aos seus talentos como fotógrafo/ilustrador é um fato público e notório, e devo acrescentar, algo bastante celebrado no meio e aliás, há muito tempo, vide as suas ilustrações para a revista: "Rock; a História e a Glória", nos igualmente gloriosos, anos setenta. 

E foi assim, ao início de dezembro de 2018, que Lincoln abordou-me via Rede Social Facebook e consultou-me sobre uma data a ser cumprida dali a duas semanas e sob condições parecidas com as quais eu havia participado com a sua banda, em agosto, ou seja, novamente ao ar livre em uma das feiras organizadas pelo Centro Cultural da Vila Pompeia. Eu tinha um show a cumprir com Os Kurandeiros, a minha banda, apenas para o dia anterior, e assim, pude aceitar a sua gentil oferta e mais uma vez, coloquei-me à sua disposição para atuar ao lado do "Uncle & Friends".

Fui informado que o time escalado seria o mesmo que atuara em agosto, o que também deixou-me feliz e honrado por mais uma vez poder tocar ao lado de tantas feras, jovens e veteranos mesclados, mas todos com algo em comum: a extrema destreza em suas respectivas especialidades. Portanto, que prazer fazer um som com tantos músicos tão bem gabaritados e tarimbados. 

E sobre o repertório, este seria um tanto quanto reduzido, pois este festival seria mais enxuto, com menos atrações e todas a cumprir um set mais econômico, talvez a visar a preservação do sossego dos moradores daquele quadrante do bairro, visto que em contrapartida ao fato que a maioria aprova a realização das feiras pelo bairro da Vila Pompeia, e as aproveita com a família, em peso a consumir o que é vendido nas inúmeras barracas e nos muitos food trucks ali presentes, há os que não gostam da interdição do trânsito e sobretudo da música, que em predomínio, pende para o Rock. Ainda a falar do repertório, seria apenas oito canções, desta feita, mas dentro daquele universo do que tocáramos em agosto, portanto, apenas retomei a audição e reforcei a execução de canções que eu já havia executado, anteriormente. 

Domingo, sob forte calor e com previsão de chuva, ao cair da tarde, assim que eu cheguei ao bairro, o que predominara mesmo, fora o calor. Parecia uma típica tarde interiorana, mas a assolar a capital, com um sol abrasador, e pouca incidência de brisa a caracterizar uma sensação térmica semelhante a de uma estufa. 

E para agravar, como é uma praxe nos festivais organizados nesse ultra simpático bairro paulistano, mas visto pelo lado negativo, achar uma vaga de estacionamento grátis pelas ruas, é uma raridade. Rodei bastante até achar uma vaga em frente ao colégio das freiras, na rua Coronel Melo de Oliveira, ou seja, para quem conhece a Vila Pompeia, sabe que eu parei longe da Rua Padre Chico, onde realizar-se-ia o evento. Na ida, em declive, tudo bem andar com o bag do baixo às costas, mas na volta, já imbuí-me da determinação em pedir carona para algum amigo, pois a subida seria dolorosa. 

Assim que cheguei ao backstage, já encontrei muitos amigos, o que também é um praxe nesses festivais, mas nesse aspecto, como algo extremamente positivo. Uma banda tocava naquele instante e o som agradou-me, a tratar-se do Borsatti Blues Band, que executou muitos clássicos do Blues e do Blues-Rock, muito bem tocados, a apresentar um bom time de músicos. Não conhecia ninguém ali dessa banda, mas gostei da desenvoltura da rapaziada. 

Foi quando ao término do espetáculo dessa banda citada, o tempo começou a virar. Ventos fortes vieram a tornar o azul do céu, inexistente e por conseguinte a encobrir a luz do sol. Chuva anunciada, vi com tristeza que muitas famílias apressaram-se a evadir-se do local. Pais a carregar com rapidez os seus filhos pequenos, idosos e pessoas a conduzir pequenos animais domésticos a sair, os comerciantes a esboçar, de uma forma ligeira, tomar providências para proteger as suas instalações móveis e o inevitável ocorreu. Muita água caiu, com a sempre assustadora ação de raios & trovões e aos gritos, a ordem para desligar-se o gerador que alimentava o palco, foi ouvida por todos, com a energia elétrica devida e prudentemente cortada. 

Tudo levou a crer, pelo panorama ali desenhado, que o evento seria encerrado abruptamente, mas a produção foi paciente e pediu aos músicos que apresentar-se-iam na sequência, para que todos aguardassem no local. Cerca de noventa minutos depois, a chuva deu a sua trégua e o gerador foi ligado novamente. Haveria a continuidade e o organizador geral já contava-nos que havia ligado para a Secretaria de Cultura do Município e havia recebido a autorização para prorrogar a festa, por mais um tempo. Azar dos que não gostam da movimentação ali instaurada, pois haveria de atrapalhar o início da sua noite a assistir TV e inevitavelmente a prejudicar a ação dos motoboys que entregam pizzas e assim, consequentemente, retardar o jantar de muitos moradores das redondezas. Então, com substancial atraso, eis que a banda programada para atuar às 15 horas, enfim subiu ao palco. 

Chamada, como: "Banda Vivo Black", apresentou um repertório recheado por clássicos do Rock sessenta/setentista, mas de uma forma peculiar e devo dizer, criativa, pois tudo pôs-se a soar como Soul Music, à moda antiga, permeado por doses maciças de R'n'B, Funk (o verdadeiro) e Blues-Rock. Em suma, foi agradabilíssimo, e mesmo por que, os seus componentes, todos, tocaram muito bem e o vocalista apresentou uma voz rasgada, ao melhor estilo de um cantor de Soul, da velha guarda. Eu, e quase todos que estavam ali a assistir, deliciamo-nos com a performance da ótima banda, em meio aos seus arranjos criativos e tudo mediante a escolha de timbres vintage para garantir a fidedignidade de suas escolhas e proposta. 

Tarde a cair rapidamente, com o atraso devidamente absorvido por todos, foi com tranquilidade que preparamo-nos para atuar, mas de antemão, duas surpresas estavam computadas. A primeira, ruim, deu-se quando fui avisado que o excepcional guitarrista, Roy Carlini e a sua esposa, a ótima cantora, Amanda Semerjion, não tocariam conosco, por conta de algum contratempo de última hora. Uma pena, pois ambos são ótimos e o desfalque só não seria totalmente desastroso, pois sabíamos que o ótimo, Caio Durazzo, já estava ali e com seu talento, haveria de suprir a lacuna, tranquilamente. 

E de última hora, o meu amigo, Kim Kehl, que também participaria do evento a apresentar-se com o combo: "Reunion Pompeia" (Carlinhos Machado também atuaria nesse combo), foi convidado pelo Lincoln e faria ao menos uma canção conosco, o hit de Baraccat, "Bolinha de Gude".

Na primeira foto, Lincoln "The Uncle" Baraccat, o anfitrião da tarde. Foto 2: Caio Durazzo, Lincoln "The Uncle" Baraccat, Franklin Paolillo e Luiz Domingues. Foto 3: Lincoln "The Uncle" Baraccat, Caio Durazzo, Franklin Paolillo e Luiz Domingues. Uncle & Friends no Festival Mulherada Criativa, na Vila Pompeia em São Paulo, em 16 de dezembro de 2018. Clicks, acervo e cortesia: Dani Spinosa (foto 1) e Vanderlei Bavaro (foto 2)

Mas houve uma terceira surpresa. Franklin Paolillo havia tocado naquela tarde, em outro evento, com uma banda orientada pela MPB, com ares entre o Samba-Rock e o Reggae e pedira ao Lincoln para que esta banda, cujos membros estavam todos ali reunidos, para que esta tocasse duas músicas antes de nós, como um encaixe de última hora. Foi então que eu fui surpreendido pela abordagem de um dos seus componentes, o simpático violonista, chamado: Eugênio, que reconhecera-me por conta de meu trabalho nos anos 1980, com A Chave do Sol. 

Poxa, que prazeroso travar essa conversação ali nos bastidores. Para tornar tudo ainda mais familiar, verifiquei que o baixista da banda era o extraordinário, Xantilee Jesus, meu amigo virtual de Facebook, mas que eu nunca havia encontrado, pessoalmente. Claro que a conversa foi animada também com ele e com o não menos simpático guitarrista da banda, que igualmente reconhecera-me como antigo componente d'A Chave do Sol. 

Os rapazes tocaram dois números e então, foi assim que o quarteto base do nosso combo, formado por Lincoln "The Uncle" Baraccat, o esfuziante, Caio Durazzo, o espetacular, Franklin Paolillo e eu, Luiz Domingues, no baixo, iniciamos a apresentação e devo dizer, a missão tornara-se difícil após a ótima performance das bandas anteriores, a "Banda Vivo Black"  mediante o seu som todo cheio de swing da Soul Music clássica sessenta/setentista e também em relação à banda de Reggae/Samba-Rock, mas a nossa garra Rock'n' Roll chegou com muito vigor e de pronto, o público respondeu com muita sinergia, o que deu-nos aquele entusiasmo para fazer da longa espera pela chuva parar, algo totalmente esquecível naquele instante. 

O Rock mandou ali em cima do palco e em meio ao entusiasmo do Lincoln em executar as suas canções, tivemos o brilhantismo da guitarra de Caio Durazzo, e a quebradeira ultra swingada de um gênio das baquetas, chamado: Franklin Paolillo. Tocar com um monstro desses, além da obviedade de ser um super prazer poder dividir (no sentido literal da divisão rítmica), no total improviso, as suas viradas incríveis, também sempre abre a possibilidade da epifania ser gerada e transportar-me de imediato para 1975, e ali, no calor dos meus quinze anos de idade, a ouvir boquiaberto a massa sonora proveniente do LP "Fruto Proibido", de Rita Lee & Tutti-Frutti, e jamais poder supor, naquela época, que um dia eu poderia tocar com essa fera. 

E para tornar a experiência ainda mais prazerosa, Paolillo é um dos seres humanos mais incríveis que eu conheço, no meio. O fato de ser um monstro na música, não extrai um milímetro da sua humildade padrão, fato raro, muito raro em um meio tão permeado por egos infláveis por todos os lados. O set foi curto, mas com aquele calor humano gerado, ficou aquela ótima impressão de uma sinergia perfeita, agradável, e a reviver o verdadeiro sentido do Rock. 

Foto 1: Caio Durazzo e Lincoln "The Uncle" Baraccat em ação. Foto 2: Kim Kehl, Lincoln "The Uncle" Baraccat, Rogério Utrila, com Caio Durazzo e Franklin Paolillo atrás e encobertos e Luiz Domingues. Foto 3: Lincoln "The Uncle" Baraccat, Caio Durazzo (encoberto), Franklin Paolillo e Luiz Domingues. Uncle & Friends na Vila Pompeia em São Paulo, em 16 de dezembro de 2018. Clicks, acervo e cortesia: Dani Spinosa (foto 1) e Vanderlei Bavaro (fotos 2 e 3)

Bem, logo chegou a última canção, e Kim Kehl subiu ao palco. Foi um delírio Rock'n Roll, com uma execução que ultrapassou quinze minutos de duração em torno de um Rock tradicional com estrutura cinquentista, em torno dos três acordes básicos, mas apesar de ter ficado extensa, foi bastante empolgante.
O ótimo guitarrista, Marcelo Frisoni, em momento de êxtase na performance, com Lincoln "The Uncle" Baraccat a tocar e observá-lo. Uncle & Friends na Vila Pompeia em São Paulo, em 16 de dezembro de 2018. Click, acervo e cortesia: Vanderlei Bavaro

Eis que vejo sob total improviso, o ótimo guitarrista, Marcelo Frisoni, adentrar ao palco e apanhar a guitarra de Caio Durazzo para entrar com tudo em nossa Jam. Rogério Utrila já estava a cantar conosco e tocar um cowbell. A "festa do Rock" consumara-se, como teria dito o grande guitarrista argentino, Eduardo Deposé...
 

Na primeira foto, o quarteto base dessa atuação do "Uncle & Friends. Na foto 2, da esquerda para direita: Kim Kehl, Caio Durazzo, Luiz Domingues, Franklin Paolillo e Lincoln "The Uncle" Baraccat. Foto 3, o quarteto base com Caio Durazzo, Luiz Domingues, Franklin Paolillo e Lincoln "The Uncle" Baraccat. Uncle & Friends na Vila Pompeia em São Paulo, em 16 de dezembro de 2018. Clicks, acervo e cortesia: Vanderlei Bavaro

Noite já a avançar, assisti a apresentação do "Reunion Pompeia", combo que sucedeu-nos e uma alma caridosa (Lara Pap, a produtora dos Kurandeiros), ofereceu-me carona até onde eu estacionara o meu carro. Realmente, cansado pela longa espera, a acrescentar a performance no palco, teria sido um martírio subir a ladeira íngreme. 

Missão cumprida e ainda nessa tarde de 16 de dezembro de 2018, Lincoln, "The Uncle", disse-me que haveria a perspectiva para filmar-se três canções de seu repertório, sob uma performance ao vivo, para a montagem de eventuais clips, ou "promos" como dizia-se antigamente, em um estúdio de uma produtora de cinema. Quando? Talvez em janeiro de 2019, portanto, esse trabalho com Uncle & Friends ainda poderá verter em mais histórias...

Eis acima, um vídeo a conter a performance da canção : "Bolinha de Gude" (Lincoln "The Uncle" Baraccat), com Uncle & Friends, ao ar livre na Vila Pompeia, em São Paulo. 16 de dezembro de 2018. Filmagem: Lara Pap

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=RYYcONIceT8   

Portanto, possivelmente... continua... 

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