Última etapa da nossa turnê com Edy Star, eis que o fato de estar marcado para ser em mais uma Casa de Cultura, representou para nós um triunfo em torno da ideia de termos fechado um ciclo. Foram sete espetáculos, todos em Casas de Cultura espalhadas pela cidade e apenas um deles em um teatro, na zona central.
Assim como houvera ocorrido em Santo Amaro e Butantã, iríamos visitar uma Casa situada em um bairro não periférico, no caso, o Ipiranga, mas não exatamente no coração desse tradicionalíssimo e charmoso bairro da zona sudeste de São Paulo, porém, em um micro-bairro dentro de um de seus subdistritos, no caso, a Vila Nancy, dentro da região do Sacomã.
Bem, não precisei de muita pesquisa para planejar um caminho, aliás, nem precisava de fato, pois eu conhecia o local, o trajeto e mais que isso, mantinha uma lembrança, ainda que distante sobre tal espaço, visto ter ali apresentado-me no distante ano de 1996, com o Pitbulls on Crack.
Bem, além de ter sido uma lembrança remota, o fato é que após vinte e dois anos, a Casa de Cultura do Ipiranga passara por modificações radicais e de antemão, através de fotos e relatos que eu ouvira, eu já tinha a consciência que tal espaço ampliara-se e modernizara-se em muitos aspectos, desde então.
Edy Star em destaque, com Kim Kehl, Carlinhos Machado e Luiz Domingues em ação, na retaguarda. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star na Turnê "Toca Raul".
Casa de Cultura do Ipiranga, em São Paulo-SP, no dia 15 de dezembro de
2018. Click: Lara Pap
No dia do show, eu cheguei em primeiro lugar ao espaço e impressionei-me com as suas modernizações. Não era assim em 1996, mas agora, em 2018, aquele salão de outrora, instalado em um ambiente rústico em meio ao cimento, agora estava inserido em uma imensa praça pública, praticamente um parque, super arborizado e ajardinado e com a existência de brinquedos para a criançada e equipamentos de ginástica, tudo em perfeita ordem para os munícipes usufruírem a vontade.
E por que, em um dia marcado pelo forte calor na cidade de São Paulo, não estava completamente lotado? Eis aí uma boa pergunta para os moradores do entorno.
Assim que adentrei o ambiente, notei que uma banda desmontava o seu backline. O palco a mostrar-se com uma ótima extensão e profundidade, e a apresentar dois camarins bem espaçosos, um em cada extremidade, permitia que um artista preparasse-se enquanto o outro apresentava-se, em tese, pois a ausência de uma saída secreta seria imprescindível, haja vista só poder ser possível evadir-se do palco mediante passar-se por ele.
Talvez no futuro esteja programado a instalação de uma cenotécnica, com a presença de uma coxia, e aí sim, daria para técnicos e outros artistas passarem sem atrapalhar o artista que apresentar-se-ia naquele mesmo instante. Assim espero que um dia ocorra tal modificação, para ficar muito bom o espaço.
Conversei com o segurança e uma moça da produção, mas ambos não souberam precisar quem fora o artista que apresentara-se anteriormente. Pelo visual dos músicos e instrumentos e de seu backline que desmontavam, deduzi ser um trio orientado pelo Jazz tradicional, a conter uma bateria com as peças em proporção diminuta, baixo acústico e piano, no caso, um teclado simulador e lastimei não ter chegado antes, pois no mínimo, imaginei que fizeram um som elegante, ali.
Mas eis que o diretor da Casa abordou-me e contou-me que aquele trio executara sim, temas jazzísticos e bastante Bossa Nova clássica, mas não a caracterizar temas instrumentais, entretanto, para acompanhar uma veterana cantora (sensacional, aliás), e que dadas as circunstâncias, pouca gente nos dias atuais imagina que ela teve uma carreira sólida e magnífica nos longínquos anos sessenta.
E para agravar tal falta de noção sobre a sua carreira, os poucos que poderiam conhecê-la nos dias atuais, só lembrariam de uma fase de sua carreira em que ela mergulhara no espectro popularesco, a cantar pelos programas cafonas da TV aberta e a ter execuções de suas músicas pelas emissoras de rádio AM.
Falo sobre Jane Morais, espetacular cantora do trio: "Os 3 Morais", durante os anos sessenta e boa parte do setenta, e posteriormente mais conhecida popularmente pela dupla que formou com o seu marido: Jane & Herondy.
Bem, nos anos sessenta, criança que eu fui, recordo-me que ficava muito impressionado por ver "Os 3 Morais" nos programas de TV, a cantarem temas altamente complexos, a apresentarem malabarismos vocais precisos. Especializados em cantar temas eruditos e a fazerem contraponto e polimelodias, afinadíssimos, eles cantavam peças de Bach, Villa-Lobos e outros compositores eruditos, de uma forma muito bonita, geralmente a fazer uso da vocalização onomatopaica, ou seja, a entoar as notas como instrumentos musicais e não verbalizarem as palavras, embora também apresentassem muitas músicas tradicionalmente cantadas.
E também apresentavam muita MPB da Velha Guarda e Jazz, portanto, os três irmãos, dois rapazes e uma moça, no caso, justamente a Jane Morais, eram espetaculares.
Diante dessa conjectura toda de minha parte, fiquei ainda mais frustrado por não ter visto tal apresentação dela nesse espaço e por conta de alguns minutos de uma gravação que ali fizeram e eu pude ouvir, quando conversei com os seus músicos e o motorista da Van que os conduzira, fiquei feliz em verificar que a voz dela estava impecável, apesar da idade mais avançada e inevitável não somente para ela, mas para todos, a seguir a natureza e os fatos inexoráveis da vida.
Da esquerda para a direita: Kim Kehl com Carlinhos Machado ao fundo, na bateria), Edy Star e Luiz Domingues. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star na Turnê "Toca Raul".
Casa de Cultura do Ipiranga, em São Paulo-SP, no dia 15 de dezembro de
2018. Click: Lara Pap
Enquanto eu conversava com os músicos de Jane Morais, Carlinhos Machado chegou e imediatamente inseriu-se na conversa. Ele também lastimou ter perdido o show de Jane Morais e lembrou-se prontamente d'Os Três Morais, que conhecera igualmente nos anos sessenta.
Daí, o Carlinhos combinou comigo para irmos juntos ao camarim dela, Jane, para a cumprimentarmos. Enquanto isso, vimos que outros carros particulares chegaram ao pátio do estacionamento da Casa de Cultura e várias pessoas, a maioria formada por idosos, desceram e carregaram para o camarim muitos figurinos e acessórios de cena.
Eram artistas circenses que fariam uma apresentação, antes do nosso show. De imediato, pensei que tal diversificação de atrações, fora muito interessante. Jane Morais a cantar Jazz/Bossa Nova e Música Erudita, com uma boa banda a se revelar como um clássico combo jazzístico, uma sketch circense e uma banda de Rock, no caso, a nossa, teria sido motivo suficiente para o espaço estar completamente lotado, mas o fato foi que a Jane Morais apresentara-se para um reduzidíssimo contingente e enquanto os artistas circenses preparavam-se para a sua apresentação, a casa estava completamente vazia.
Ora, aonde estavam as trezentas (deduzi esse número pela capacidade do auditório), ou quiçá mais crianças que ali deveriam estarem presentes para assistir?
Ainda em conversa com o motorista que trabalhava com Jane Morais e sua banda, ele afirmara para eu e Carlinhos, que a turnê em que estava a conduzir tais artistas, percorrera o mesmo circuito que o nosso e que o panorama era sempre o mesmo, gente simpática a administrar os espaços, com determinação e muita boa vontade, mas em quase todos os espaços por eles visitados, com absoluta inexistência de público. Ora, nesta altura, nós também já havíamos vivenciado a mesma experiência, ou seja, que triste foi verificar in loco o desinteresse total da população por cultura & arte e isso explicara muita coisa, mesmo.
Edy
Star em destaque. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star na Turnê "Toca Raul".
Casa de Cultura do Ipiranga, em São Paulo-SP, no dia 15 de dezembro de
2018. Click: Lara Pap
Foi então que a apresentação circense iniciou-se e poucas pessoas haviam chegado. Ora, com apenas um menino presente e cerca de sete ou oito adultos, incluso nós e o Edy Star, que já estava no ambiente, foi bastante corajosa a performance dos artistas circenses, que não intimidaram-se ao fazer o espetáculo, como se houvessem ali, mil crianças a gritarem.
Malabaristas, mágico, contorcionista (a única moça jovem da trupe e certamente, pela sua especialidade, algo plausível pela idade), e um palhaço, além de um mestre de cerimônias, com voz empolada, bem clássico a animar a plateia e usar bordões típicos, tais como: "respeitável público" e a enaltecer e não parar de enfatizar as habilidades dos artistas em suas especialidades, foi tudo muito digno, eu diria.
No meio da apresentação, duas senhoras, igualmente idosas, foram chamadas pelo apresentador e expuseram rapidamente depoimentos sobre as suas respectivas carreiras vividas no Circo tradicional e foi ali que eu entendi o sentido daquela trupe a fazer um espetáculo concentrado em uma hora.
Como se fora um combo musical, tal pequena trupe não tinha mais espaço em Circos tradicionais, pela idade avançada de seus membros e dessa forma organizara-se para atuar em circuitos como esse das Casas de Cultura, e deduzo, em semelhantes, tais como o das Escolas Ceu e da Fábrica de Cultura do Governo do Estado.
Louvável, portanto, fiquei feliz por ver essa resistência da parte deles e sobretudo pela dignidade de sua apresentação. Na ausência de um caloroso público formado por crianças, nós que estávamos na plateia, interagimos ao máximo que pudemos, mesmo por que, como bem observou o Carlinhos Machado, como artistas que somos também, naturalmente que sabíamos o quanto era constrangedor para o artista, ter uma plateia diminuta e silenciosa e ainda mais para eles que dependem da euforia infantil, muito mais do que nós.
Bem, respondemos por cortesia e solidariedade assim aos comandos do mestre de cerimônias e dos artistas ao propor interação, principalmente do veterano palhaço e o espetáculo deles seguiu até o fim como se a casa estivesse lotada.
Uma panorâmica da banda no palco, na primeira foto. Foto 2 : Edy Star em destaque, com Luiz Domingues, ao fundo. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star na Turnê "Toca Raul".
Casa de Cultura do Ipiranga, em São Paulo-SP, no dia 15 de dezembro de
2018. Clicks, acervo e cortesia: Lara Pap
Chegara a nossa hora e mesmo com os artistas circenses ainda em seu camarim a tirarem a sua pesada maquiagem e figurino, arrumamos o palco e fizemos um rápido soundcheck.
O equipamento de PA disponibilizado foi bem simples, mas os dois técnicos terceirizados ali presentes, mostraram-se muito solícitos, portanto, tivemos o seu apoio para ter um som digno, dentro das possibilidades.
A ausência de uma cortina de frente, expôs-nos ao constrangimento dessa preparação ser feita em frente ao público e sim, este contingente crescera, a denotar que mais pessoas haviam chegado com o intuito de assistir-nos. Paciência, um dia uma cortina será instalada ali e se depender dos curadores do espaço, isso certamente ocorrerá, pois estes são realmente interessados e só não agilizam melhorias pois dependem das verbas da Secretaria de Municipal de Cultura.
Bem, mais alguns minutos passaram e nós iniciamos o show com bastante energia. O público melhorara, sem dúvida e haviam alguns entusiastas dos diversos ícones que o nosso show insinuava como mote, pois a reação foi boa desde o início, como bem notamos.
Sem a presença de Michel Machado, desta feita, lastimamos a sua falta pelo ótimo molho que a sua percussão sempre gerava em nossa performance e igualmente pela boa companhia que ele sempre foi em termos de amizade, mas o fato é que a agenda apresentara um conflito e ao atuar em outro espetáculo, longe de São Paulo, no dia anterior, o horário de seu voo de volta para a capital paulista não permitira que ele pudesse estar conosco nessa tarde. Uma pena.
Foto 1: Kim Kehl. Foto 2: Luiz Domingues. Foto 3: Carlinhos Machado. Foto 4: Edy Star. Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star na Turnê "Toca Raul". Casa de Cultura do Ipiranga, em São Paulo-SP, no dia 15 de dezembro de 2018. Clicks, acervo e cortesia: Wanderley Grenchi
Na plateia, vi a presença do amigo, Milton Medusa, guitarrista extraordinário e um grande amigo, que ali fora prestigiar-nos, acompanhado de uma amiga sua, cantora.
A editora do Blog Limonada Hippie, Fernanda Valente, também viera de Niterói-RJ e acompanhada de uma amiga oriunda de Criciúma-SC, chamada, Michele, também prestigiaram-nos, além do guitarrista, Vander Bourbon, da banda, Capitão Bourbon, ou seja, foi muito bom ter tais amigos na plateia e posteriormente no camarim para uma conversa animada.
Encerramos o show com muita energia e mediante uma sensação boa de dever cumprido. Foram muitas as apresentações e observações que arrolei nessas Casas de Cultura que visitamos, conforme o leitor pode acompanhar neste relato.
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=5UIPhh35I-A&t=10s
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=oEoMIyJOCYQ
"Sessão das Dez" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=bv-ZcWF9W6I
"Quero Ir" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=w2wiXnhXLn8
"Rock'n' Roll é Fodaço" (Edy Star), com Kim Kehl & Os Kurandeiros +Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=tvrOspm3qbM
"Maluco Beleza" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=sik6Ctj43sU
"Metamorfose Ambulante" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=zrCPlYOKjJA
"Êta Vida" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=idkGwhHX7Kg
"Al Capone" (Raul Seixas), com Kim Kehl & Os Kurandeiros + Edy Star, na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo-SP, em 15 de dezembro de 2018
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=pbxH-PMDBvo
E assim, encerrara-se oficialmente a turnê: "Toca Raul", mas Os Kurandeiros ainda teriam mais um compromisso a cumprir em dezembro de 2018 e seria desta feita, o último show do ano e a ser realizado no tradicional reduto Hippie/Rocker, o Santa Sede Rock Bar, de São Paulo.
Continua
Nenhum comentário:
Postar um comentário