sábado, 6 de outubro de 2012

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 19 - Por Luiz Domingues

O Colégio Estadual de Segundo Grau Osvaldo Catalano, localizado no Tatuapé, zona leste de São Paulo, onde eu estudava em 1977, cursando o primeiro ano do 2° grau (colegial). E onde o Boca do Céu classificou-se para tocar no festival "Femoc".  

E ainda ao final de junho de 1977, tivemos uma boa surpresa: nossa música "Revirada", havia classificado-se para o festival do meu colégio. A eliminatória seria no dia 13 de agosto de 1977, e esse passou a ser o nosso maior objetivo, então. Passamos a ensaiar com afinco nessa meta em apresentarmo-nos o melhor possível, e classificarmo-nos para a final.



Uma resolução também foi tomada nessa época : a família de Fran Sérpico estava cansada por ter seus sábados estragados pelos ensaios do Boca do Céu, e dessa forma, convenci meus pais a tornar a minha residência, o novo "QG" da banda.                                     


Foto clicada na entrada lateral de minha residência, no bairro do Tatuapé, mais ou menos entre março e abril de 1977. O portão ao fundo era o caminho para a rua, e no lado oposto, do fotógrafo, ficava a edícula que tornou-se o "QG" de ensaios do Boca do Céu. Um mistério :eu não lembro-me, e ninguém que esteve nessa foto, sobre quem foi o autor do "click"... 
De fato, nessa casa em que havia mudado-me com minha família no início de 1977, tínhamos uma edícula, com entrada separada na sua lateral, e banheiro privativo, portanto, dos males o menor, incomodaria um pouco menos a minha família. E a transição foi suave, pois os pais do Fran Sérpico eram pessoas dóceis... estavam cansados daquela rotina perturbadora, mas tiveram paciência para eu confirmar a mudança e dessa forma, ficou combinado passarmos a ensaiar na minha residência a partir de agosto, às vésperas de nossa apresentação no Festival. Nesse ínterim, continuamos a ensaiar aos sábados, na habitação da família Sérpico, e após os ensaios, íamos a shows, cinema e / ou teatro.



Lembro-me de que nessa época, assisti grandes filmes no saudoso Cine Bijou, o cinema mais freak de São Paulo. Filmes de arte, geralmente sob motivação contracultural, e documentários de Rock, passavam toda semana. 




Era uma alegria tomar contato com essa produção audiovisual em tempos pré-internet, fora o aspecto social, por conhecer pessoas “antenadas” nos mesmos ideais. 






Eram dúzias de Freaks que encontrávamos em todos os lugares, do Bijou às portas de shows de Rock. O aroma de Patchouli em todos esses lugares, é uma das referências mais maravilhosas que guardo na lembrança... 

Em maio de 1977, o "Festival Balanço", da TV Bandeirantes de São Paulo, foi outro grande evento rocker que vimos. "Balanço" era um programa da TV Bandeirantes de São Paulo, que seguia mais ou menos a linha dos programas, "Sábado Som" e "Rock Concert", que foram exibidos na TV Globo, na primeira metade daquela década (o "Rock Concert" ainda existia em 1977). E para comemorar o aniversário do "Balanço", foi feito um festival ao melhor estilo das maratonas de Rock setentistas, no Teatro Bandeirantes. Lembro-me que fui acompanhado do Laert Sarrumor; Wilton Rentero, e vários amigos freaks do meu bairro. 


Chegamos ao Teatro Bandeirantes, ainda sob a luz do dia, e o teatro já estava completamente lotado. Assistimos inicialmente sentados no chão, bem próximos ao palco. Das várias atrações, gostei demais do “Papa Poluição”; “Bendegó”, e “Jorge Mautner”. Entre as atrações mais "leves" da noite.

O Mautner fez um grande show. Acompanhado apenas do violão de Nelson Jacobina, e vez por outra a fazer pequenos solos de violino, e os freaks adoravam a sua performance, cheia de energia e estímulos intelectuais em suas falas. O “Som Nosso de Cada Dia” foi impecável. Estavam a tocar algumas músicas Prog-Rock, tradicionais de seu repertório, e muitos Funks extremamente bem tocados, do recém lançado novo disco,"Sábado e Domingo". O “Casa das Máquinas” também fez um show muito energético.
O “Made in Brazil” fez um show bom, bem naquela toada do Rock básico, sem maiores requintes. Lembro de estarmos eu e o Laert bem na frente do Palco, quando em um dado instante, alguém aproveitou-se do fato do vocalista, Percy Weiss, estar com a boca bem aberta, sob um momento de esforço vocal, e assim, arremessaram-lhe uma bola de confetes comprimidos, visto que a produção do Made havia jogado do teto, uma chuva desses artefatos, anteriormente. Ele ficou furioso, tirou o pedestal de lado e soltou um palavrão, para xingar o arremessador fora do alcance do microfone, mas todo mundo ouviu ali na frente, tamanho o berro que ele deu. 
Lembro-me também do baixista,Tico Terpins, do “Joelho de Porco”, a azucrinar o Oswaldo Vecchione atrás da coxia, e este, mesmo ao perceber a provocação, não revidar, a manter-se a tocar, focado em sua mise-en-scené. 
Além da ótima performance da banda curitibana, “A Chave” . Gostei bastante do som dos rockers paranaenses, que sob uma primeira impressão, lembrou-me o Hard-Rock do Budgie. A Chave foi uma das primeiras bandas da noite. E teve também uma banda de Blues-Rock chamada,“Bagga's Guru”, onde tocava o futuro baixista da Patrulha do Espaço, Serginho Santana. Mundo pequeno, nem o Serginho imaginaria que seria baixista da Patrulha, poucos anos depois, e muito menos eu, que também seria baixista da Patrulha, vinte e dois anos depois dessa noite no Teatro Bandeirantes. O Joelho de Porco já estava com o argentino, Billy Bond (ex-“La Pesada”), no vocal e o Billy foi o mestre de cerimônias da noite, também. 
Como mestre de cerimônias, o Billy era ótimo, mas seu sotaque porteño incomodou alguns xenófobos idiotas que ironizaram-no, ao pedir-lhe para "falar português". Um exagero, pois ele falava bem, só a ostentar um inevitável sotaque, o que fora compreensível. Ficamos muito perto do palco (tocaram logo após o Made in Brazil), e o Laert que era grande admirador da banda, chamou a atenção do Tico Terpins, várias vezes, que atendia-o a fazer gracinhas cênicas, bem naquela predisposição de humor que caracterizava-o. Mais uma ironia do destino, apenas cinco anos depois, o Língua de Trapo estaria a gravar o seu primeiro disco no estúdio do próprio, Tico Terpins...

Outra boa surpresa, foi o show dos “Pholhas”. Aqui cabe explicar melhor. É que o Pholhas, era tradicionalmente um conjunto de bailes que ao aventurar-se no mundo da música autoral, optou por fazer um som pop, quase na limite do brega. Lançaram vários trabalhos na primeira metade da década de setenta e o público Rocker desprezava-os por isso. Mas em 1977, resolveram lançar um LP com forte apelo progressivo, e foi o que tocaram no Festival, para tentar ganhar o público Rocker ali presente. Infelizmente, o público mostrou-se irredutível e radical, pois mesmo ao ver / ouvir os membros dessa banda a tocar um Prog Rock muito competente, hostilizou-os do começo ao final. Nesse momento eu estava no fundo do teatro e testemunhei vários freaks a abandonar o recinto, contrariados e a xingar a banda, sob a acusação de ser brega, "a tentar" fazer Rock progressivo etc. Uma pena, pois eles tocavam muito bem, e as músicas daquele disco são excelentes. Eu tenho esse disco (cuja capa está acima, como ilustração), e a despeito das letras ser muito fracas, aí sim um fator débil concreto, a parte instrumental e vocal é muito boa.

E assim foi o "Festival Balanço" da TV Bandeirantes. Mais uma maratona Rocker com muitas atrações, naqueles saudosos anos setenta.


Lembro-me em ter assistido no final de junho de 1977, uma peça teatral impactante no teatro do Sesi, na Avenida Paulista : a biografia de Noel Rosa, com o ator, Ewerton de Castro, sob uma caracterização incrível. Isso para você, leitor, verificar, que não éramos Rockers radicais...

Continua...

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