Naquela idade, em que vi meu primeiro cadáver, acho que ainda nem
roubava as moedinhas da minha mãe para comprar doce de amendoim. Ainda bem que nunca tive vocação para roubar mais que o necessário.
Com vinte e poucos anos dei de ler o evangelho e a graça de Cristo
me redimiu de ser muito desonesto. Ainda hoje sinto dó da minha mãe, quando penso que eu roubava suas moedinhas de vinte centavos, que era mais ou menos quanto custava o doce de amendoim na venda.
Eu era viciado em doce de amendoim. O que me leva a escrever, todavia, foi minha primeira experiência real com a morte, face a face. Por um motivo qualquer, eu descera para comprar pão, ou algo assim; os dias naqueles primeiros anos eram bonitos e
claros, em geral.
Naquele tempo, só tocava nas rádios músicos de
talento. A mídia de massa ainda não tinha instaurado seu pesadelo sobre a terra. Era, contudo, um dia fatal.
Oculto das minhas vistas, estava o morto. Era um velho vendedor de
laranjas. Um comentário me chegou aos ouvidos, me dando conta do
acontecido, "mataram o velho".
A carroça estava virada, as laranjas
espalhadas pelo chão. Eu via um sangue grosso e triste espalhado pelo
asfalto. Minhas pernas ficaram tremulas. Havia encontrado a morte.
Uma voz na minha consciência de menino introvertido
sussurrava que "eles eram capazes de matar". Eles eram os outros.
Fiz o contorno da multidão que se ajuntava ao redor da carroça, ainda abalado. Segui em frente para cumprir minha missão. Nesse dia, sai do paraíso, ao ver meu primeiro cadáver. E percebi
que haviam eles, os outros, os assassinos.
Marcelino Rodriguez é colunista sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos traz uma crônica forte, contando a história de um menino que pela primeira vez tem contato com a inevitabilidade da morte.
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
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Putz...me lembrou uma amiga que me contou que, quando criança, morava no interior e ao brincar de esconde-esconde, perto de uma mata, encontrou um cadáver pendurado numa árvore, havia se enforcado...a sensação deve ter sido semelhante...
ResponderExcluirVer gente morta na tenra infância produz uma perturbação que dificilmente não repercute em trauma.
ExcluirExperiência terrível a da sua amiga.
Grato por ler e comentar !
A morte é inevitável, mas saber e ver um corpo que foi assassinado é terrível em qualquer fase da vida e para uma criança muito pior.
ResponderExcluirNessa fase da vida nosso contato com o "ceiifador sinistro"geralmente se dá com um animal de estimação que, lógico, é muito triste mas normal.
O quê da questão se dá mais pela violência do que o fato, a morte.
A vida humana é deveras frágil.
ExcluirEstamos sujeitos a acidentes de toda a natureza, doenças e a violência urbana que fica cada dia mais brutal, portanto, a banalização da morte à nossa volta é assustadora.
E se nada disso ocorrer, o curso natural da vida faz com que ainda crianças vejamos perdas de bisavós e avós, os tios dos pais e parentes em geral dessa faixa etária mais avançada ou seja, desde pequenos, convivemos com as perdas perto de nós e se não ocorrerem em profusão, fatalmente no contato social e escolar, veremos nossos coleguinhas passando por isso.
Mas claro, daí a ver um corpo inerte, com pouca idade, é realmente um peso e tanto para uma cabecinha infantil.
Grato por ler e comentar !
Horrível ver um cadáver pela primeira vez, ainda criança!!!!
ResponderExcluirMas temos que nos acostumar com esta triste realidade, não podemos fugir, não há escolha!
Bjus e ótima crônica!
http://www.elianedelacerda.com
De fato, experiência terrível para uma criança. Nada é mais impressionante nessa faixa etária tão minúscula.
ExcluirQue legal que curtiu a crônica do Marcelino ! Fiquei muito contente com sua participação sempre entusiasmada.
Abração, Elyane !