quinta-feira, 18 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 323 - Por Luiz Domingues


A conversa com o "Studio V" evoluiu, e já estava acertado que fecharíamos o contrato. Chegara a hora portanto de conhecer o sócio majoritário da empresa, e que lhe dava o próprio nome.

Nessa altura, já tínhamos feito outras reuniões com o casal, Sonia & Toninho Ferraz, portanto, já estávamos mais ambientados com eles e o escritório em si, apesar de ainda não termos fechado o contrato formalmente, e não por conseguinte, feito a reunião com o Miguel. Claro que essa reunião com o "Big Boss" da empresa foi cercada de pompa e circunstância, e a corroborar esse ar solene da ocasião, tudo isso combinara perfeitamente com a personalidade aristocrática que ele representava. 


Extremamente simpático e generoso, era também formal e primava o seu modus operandi por regras rígidas de educação, sob padrão europeu, até a exagerar em certos maneirismos, como por exemplo no linguajar, quase não coloquial. Nesses termos, a reunião com ele foi bastante formal, mas simpática, não opressiva. Ele não parecia ser opressor, pelo contrário, deu-nos a impressão de ser carinhoso com os seus artistas protegidos, e atencioso em seus esforços de fazer o possível para gerenciar a carreira de cada um, com o carinho de um pai que luta para encaminhar o filho na vida. 

Contudo, o seu jeito natural de ser parecia o de um Lord inglês vitoriano. Particularmente, eu admirava essa educação diferenciada e o formalismo, pois tenho também uma personalidade semelhante. 

O Rubens também detinha esse apreço por esse tipo de comportamento social. Ele mesmo gostava de agir assim em muitas
circunstâncias, e chamava a atenção por usar um linguajar e maneiras que já eram bem antiquadas nos anos oitenta, como por exemplo, ao fazer uso de palavras como: "cavalheiro", "senhorita" etc, mas exatamente por ser não usual, eu achava que isso fora um diferencial interessante da parte dele, para quebrar o paradigma do Rocker, que só se expressa a usar gírias da moda, e/ou palavrões em seu linguajar cotidiano. 


Um outro aspecto, se eu e Rubens apreciávamos tal estilo do Miguel, o Beto e o Zé Luiz mantinham as suas reservas com ele. Mais despojados do que eu e Rubens, ambos apreciavam mais a informalidade, em linhas gerais, e portanto, o estilo do Miguel, lhes causava um certo incômodo. Nessa reunião, onde finalmente fomos apresentados a ele, quase nada foi falado sobre questões gerenciais de nossa carreira. Toda essa parte a versar sobre estratégias de produção deveriam ter sido discutidas com a Sonia e Toninho Ferraz. Miguel parecia interessado em mapear as nossas respectivas personalidades, e observar de forma arguta, a nossa aparência e os nossos modos, enquanto bagagem sociocultural e educação familiar de cada um. 

Muito pausadamente e a demonstrar usar técnicas de avaliação baseadas em preceitos de cunho típico da psicologia, com metodologia, portanto, dava-nos a palavra, a exigir um pequeno monólogo de cada um, na contrapartida, para conhecer-nos. Foi assim mesmo, na base do: "quem é você nas suas próprias palavras", que um a um de nós, teve que falar de si próprio, a mostrar a sua bagagem pessoal, expectativas, sonhos etc. 

Ele dava a palavra para cada um, e se ajeitava na sua poltrona imensa, de maneira a colocar-se inteiramente no campo de visão de seu respectivo interlocutor, e assim, parecia estar a elaborar um "Raio X" de cada um. Claro que apesar de amistoso, esse tom excessivamente formal nos deixou um pouco nervosos. Nenhum de nós quatro, éramos "broncos" com baixo nível cultural, mas uma experiência assim tão avassaladoramente incisiva, criou um incômodo, é lógico. 

Estávamos perfilados em cadeiras que pareciam dos cavaleiros da távola redonda, em frente a ele, mas Sonia e Toninho estavam na sala, atrás de nós, sentados em um sofá. Em profundo silêncio, não fizeram nenhuma intervenção, mas assistiram a entrevista instalados no sofá do fundo do gabinete.

Como saldo positivo dessa reunião, a nossa impressão, foi que apesar dessa altivez toda, ele havia gostado de nós, e em conversa bem mais coloquial, Sonia e Toninho nos disseram que o Big Boss havia gostado de nós como pessoas, e que apesar de achar que lapidações fossem necessárias, éramos talhados para uma carreira mainstream sólida, segundo a sua avaliação. Com a papelada encaminhada para o advogado da empresa, só faltara agora um acerto, e por incrível que pareça, foi o calcanhar de Aquiles da negociação: a parte financeira.


Essa argumentação dela sobre a facilidade com a qual o escritório teria em nos colocar no topo do mainstream da música, pareceu explicitar que seriam favas contadas tal realização, e que da parte deles, queriam amealhar um montante muito alto, por que tinham supostamente, a certeza de que nos levariam para esse patamar máximo da música profissional.

Claro que relutamos, mas ao mesmo tempo, gerou forte pressão em nossa avaliação, que talvez não valesse a pena endurecer a negociação, por um motivo básico: será que não correríamos o risco de desperdiçar uma oportunidade de ver uma porta a se abrir? Quantas oportunidades surgem na vida de um artista? Seja lá de que ramo ou de que nível artístico ele seja, vale a pena arriscar fechar uma porta, ao considerar que a qualquer momento outras se abrirão com facilidade?

Foi por pensar assim, e a considerar que o nosso "momentum" na carreira estava excelente (e estava mesmo!), que raciocinamos que se tivéssemos esse suporte forte, seria apenas um empurrão para subirmos, porém, não seria prudente dispensar o tal empurrão que resolvemos fechar o contrato sob uma cifra de valor que considero um absurdo, paradoxalmenmte: 40% dos nossos cachês, doravante! 

Isso representava o dobro da praxe de mercado na relação entre empresário & artista! Mas valeria a pena? Foi o que pensamos diante das circunstâncias geradas pelo medo, sobretudo isso, de desperdiçarmos uma oportunidade em termos um gerenciamento realmente profissional, e que aproveitasse o "momentum", e mais que isso, que apresentasse uma artilharia pesada para somar aos nossos esforços nesse "front"...

Com o acerto do Studio V, só faltou assinar o contrato, formalmente.


Um método de persuasão que usaram, e nós acabamos por não declinar, mesmo ao percebemos que havia uma barganha sutil em jogo, foi no sentido de começar a usufruir da infraestrutura do escritório. E dessa forma, uma das primeiras providências que tomamos, foi a de marcar duas entrevistas que estavam a ser agendadas para revistas de grande porte, na tal sala de reuniões, especialmente concebida para receber jornalistas. Uma dessas entrevistas seria a que mencionei alguns capítulos atrás, para a nova revista que estava a adentrar o mercado, a Bizz Heavy, e a outra para a Roll, e ambas renderam boas histórias, também.

Continua... 

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