terça-feira, 9 de junho de 2015

Autobiografia na Música - Pitbulls on Crack - Capítulo 100 - Por Luiz Domingues

Sobre o livro que acompanhou o aparato da lata, claro que este seguiu toda a temática inspirada nessa ode aos anos sessenta. Creio que foi o maior ponto de apoio que eu, particularmente, tive para tentar manter um mínimo de seriedade no conceito todo ali expresso, pois além da disparidade musical entre a proposta, e o som da banda (incluso, letras, também), a inclusão de um monte de bugigangas dentro da lata, mais chamara a atenção pelo inusitado, mas não necessariamente houvera uma ligação entre si, e principalmente à célula mater, que foi o conceito.

É discutível portanto, nesse sentido, a inclusão de um pacote de sopa, e um chaveirinho da Coca-Cola, supostamente a insinuar a Pop-Art sessentista. 

Bolinhas de gude, poderiam remeter à infância vivida naquela década, com a sugestão desse tipo de brincadeira prosaica, mas convenhamos, foi algo muito vago, e certamente sem conexão com a Contracultura, o Flower Power, ou movimentos correlatos de ordem estéticos ou sociopolíticos daquela década. 

O mesmo raciocínio para a mola, que era chamada como "psicodélica" na propaganda, mas na verdade, mesmo sendo bem colorida, não caracterizava tal atributo, sendo apenas um brinquedo infantil sem apelo com o mote. Deu para entender a inclusão de um pacote de ração para cães, por conta do nome da banda citar a raça canina, Pitbull, mas outros itens, nada tiveram a ver com o conceito sessentista, necessariamente.

Diante dessa panaceia, e tirante a inclusão de um pacotinho de incensos indianos, e uma vela, onde sugerir-se-ia que esta fosse acendida durante o show de lançamento, acredito que o livro, pelo seu teor de temáticas abordadas, foi mesmo o item incisivo nesse aspecto. 

A tal carteirinha de "Hippie-Mor" não agradara-me, certamente, pois eu soube de antemão que tornar-se-ia um alvo fácil para os detratores de plantão, ao reverter possivelmente como um alvo de piadas prontas. 

A inclusão de um ingresso para o show de lançamento do CD, nas latas vendidas até a data, foi uma boa jogada de marketing, mas em termos de conceito, foi neutro, acredito. Portanto, na força do texto desse livro, residira o único elo de seriedade para tratar a temática, e mais uma vez, eu contribuí bastante, tanto no direcionamento editorial, quanto em textos, propriamente ditos. 

O editorial oficial no entanto, foi escrito pelo diretor do selo Primal, subordinado da gravadora Velas. Foi ideia de Rodrigo P. Martins, filho de um dos donos da Velas, o poeta & letrista, Victor Martins, parceiro de Ivan Lins em muitas composições famosas na MPB, e Ivan era um dos sócios da Velas, também. Eis a transcrição literal do que ele escreveu:

Para comentar as colocações feitas em forma de editorial por parte do Rodrigo Martins, digo que gostei de seu raciocínio. A síntese do que achei mais significativo em sua explanação, veio ao final do texto, quando ele afirmou que tínhamos uma transição de milênio alvissareira, justificada pela própria capacidade da Pop Art de recriar-se, portanto, enxergava nesse projeto, algo além da homenagem; saudosismo retrô, ou lágrimas derramadas por um passado que não volta mais. 

Era exatamente o que eu pensava e buscava, pessoalmente, e que só fui aproximar-me mesmo, através do projeto, Sidharta, que aconteceu depois que saí do Pitbulls on Crack, em 1997, e posteriormente na fusão com a Patrulha do Espaço (leia tudo a respeito, detalhadamente, nos respectivos capítulos dessas duas bandas onde eu atuei). Curioso apenas, o fato de que ele, Rodrigo, nunca verbalizou-me tal pensamento seu. Só ao ler o seu editorial, tomei conhecimento de sua visão sobre o conceito todo.
 

Por outro lado, as suas atitudes no cotidiano, ao contratar bandas versadas por estéticas antagônicas, demonstrava que a sua fala não seria na prática algo vital para ele, artisticamente a falar, e que o lado comercial de ter que gerir um selo com pressões por resultados financeiros imediatos, norteara os seus esforços. 

Não cabe nenhuma crítica pessoal nisto que afirmei acima, mas apenas se trata de uma constatação. O segundo item do livro, foi uma descrição sumária dos produtos que constavam na lata. Tal descrição foi feita pelo marqueteiro da gravadora, e justiça sendo feita, o grande viabilizador do aparato ter materializado-se, o senhor, Alexandre Madeira.

Nada a comentar, pois foi uma descrição meramente em formato de bula, como sugeriu o subtítulo. 

A seguir, um micro histórico da banda me foi sugerido para ser publicado, e eu senti-me muito incomodado eticamente a falar, em ter que assinar tal texto. Portanto, o assinei sob o pseudônimo de "Zeca Flocos", para homenagear um dos jornalistas-críticos de Rock mais divertidos que eu conheci, chamado: Ezequiel Neves, que também usava a alcunha de "Zeca Jagger"...


A despeito do pseudônimo engraçado, a citar Ezequiel Neves de uma forma subliminar, esse super resumo da carreira da banda até então, cumpriu a sua função, sem nenhuma intenção de fazer graça, como certamente Zeca Jagger o faria. 

O próximo texto também foi de minha autoria, e o pseudônimo que usei, diferente do anterior citado, foi o de Tony Bauducco. Ao contrário de "Zeca Flocos", que usei somente nesse trabalho, Tony Bauducco já existia como opção de pseudônimo, desde 1994, quando o criei para assinar três resenhas em um fanzine chamado: "In Rock Signo Vinces", como convidado de seu editor. Existe uma longa explicação sobre a criação desse pseudônimo, e encontra-se disponível nesta autobiografia, no capítulo "Sala de Aulas". Vale a pena ler, pois Tony Bauducco teve uma razão de ser.

Confesso, fui bastante incisivo nesse texto, mas modéstia a parte, muito coerente com a questão da temática que queria implementar para a banda. A alfinetada explícita na mentalidade pós-1977 deu-se no trecho : "tantas correntes, tantas influências e uma só amálgama: a música melodiosa, legado máximo dos anos 1960 & 1970, que há muito tempo foi deixado de lado no Rock". A frase final também é significativa: "talvez esteja aí a grande homenagem que a banda presta aos seus grandes ídolos dos anos 1960, ao resgatar a melodia para o Rock".
 

 O próximo texto, falou sobre a questão da Era Espacial, ao tentar estabelecer um elo entre a corrida espacial, pelo lado do avanço científico; a guerra fria, que impulsionou tal esforço das duas super potências para tal, e o lado lúdico do sonho, que move a imaginação, portanto empurra o mundo para o avanço. E membro da geração "Baby Bloomer", que eu sou, claro que essa faceta da década de sessenta também me é simpática. 


Neste caso, usei um outro pseudônimo lúdico de minha infância: Louis Smith Robinson". Estabeleci um efeito a buscar "anglo-americanizar" o meu nome, Luiz, ao "traduzi-lo" para "Louis", e acrescentei o sobrenome duplo: "Smith Robinson". Com isso, a minha homenagem ficou aos personagens do Dr. Zachary Smith, e Will Robinson, do seriado de TV sessentista, "Lost in Space" ("Perdidos no Espaço"), uma das séries de TV que mais influenciaram-me naquela década citada.

O próximo assunto extrapolara o conceito de arte simplesmente e ia além do item cotidiano. Por ser fundamental para entender-se toda a magia sessentista, a questão da contracultura, de onde mil ramificações das mais variadas motivações descendera, fazia-se mister ser entendida para dar substância ao mote geral deste conceito do disco, e de seu aparato. 

Claro, ao elaborar um texto conciso e coloquial, cometi um apanhado geral sobre a contracultura, como um todo, e no final lancei uma pergunta emblemática: "por que não sonharmos novamente? Tal indagação teve a força da indignação de quem nunca conformou-se com o surrado conceito de detratores da Era Aquariana, e que usaram a frase: "O sonho acabou", ao referir-se ao movimento hippie, com desdém. 

Depois de anos, estava patente que se o sonho morrera como tanto queriam, o pesadelo advindo, jamais valeu a pena em patamar estético-artístico, e que voltar a sonhar seria uma mera questão de se querer fazer uso da imaginação, novamente. Como uma semente, tal conceito ficou registrado no livro. 

Tal texto foi assinado por um último pseudônimo que criei, chamado: "Tim Lee", e que foi uma evidente referência ao Dr. Timothy Leary, o chamado "guru" da contracultura sessentista.

Por fim, o professor de faculdade de Marina Yoshie (Wilton Azevedo), colaborou com um sucinto texto sobre a Pop Art, focado em Andy Warhol. Tal texto foi montado com frases que ele mesmo escrevera através do livro chamado: "Os signos do Design".

Gosto do texto todo, e em especial da frase final, onde ele afirma: "O Pop influenciou a massa, e Warhol deu à mesmice, a visão e o sentido erudito de quem aprecia árvores em um bosque". 

Ainda a constar do encarte, existe quatro fichas individuais dos membros da banda. Mediante informações que eles forneceram-me, eu mesmo escrevi a ficha de cada um, incluso a minha, mas sem assinar nada, ao assumir característica institucional do encarte. Sem nada muito significativo a comentar, tais fichas seguiram o padrão de um press-release de gravadoras , para alimentar os órgãos de imprensa.


Para fechar, duas páginas foram reservadas para a ficha técnica específica do livro, onde Marina Yoshie foi creditada pela produção gráfica; a banda e a gravadora pelo conceito, Alexandre Madeira pela supervisão de produção, e toda a equipe da Primal foi citada. 

Também foram publicados os logotipos dos patrocinadores do aparato da lata, e nesse caso, uma página inteira dedicada à Coca-Cola, que foi a patrocinadora master. Essa foi a concepção e execução do livro que acompanhou a lata, e posso afirmar, o item mais robusto, artisticamente a citar, que deu amparo ao CD, dentro desse aparato de divulgação do produto. Ao ir além, um dos poucos itens dessa ideia ousada toda, no qual houve uma seriedade e profundidade para tratar do conceito todo que eu sonhara imprimir.
Luiz Domingues em destaque. Show do Pitbulls on Crack no Olympia. Outubro de 1996. Click de Marcelo Rossi

E sobre o CD em si, traço agora uma breve resenha sobre o material musical que gravamos. Como não poderia ser de outra forma, o disco inicia-se com a locução clássica do lançamento da “Apolo 11” em 1969: “ten; nine; eight; seven; six; five; four; three; two; one… fire! We Have a Lift off”! Estava justificado o título do disco e todo o mote especial por conseguinte.

A primeira música, Winding Moon, tem um estilo Glitter Rock setentista bem acentuado, mas acredito que graças aos fraseados de baixo que eu criei, bem em cima da escola clássica cinquentista. Talvez não contivesse tal característica, se um outro baixista com mentalidade diferente da minha, a tivesse gravado. 

Dessa forma, parece uma canção “outtake” de algum álbum do David Bowie ou do grupo, “Mott the Hoople”, diretamente dos anos setenta. Acho que o mapa dessa canção contém um equívoco, quando força uma repetição à parte A, para torná-la longa em demasia. Se não fosse por isso, teria dado o recado bem melhor. Gosto das intervenções bem Rock’n' Roll da parte do Deca, super Glam-Rock anos setenta, também, embora ele tivesse incluído alguma modernidade em outras trechos, como por exemplo certos acentos percussivos, a explorar o reverber natural do amplificador, bem ao estilo de guitarristas então “modernos” dos anos noventa. 

A voz do Chris Skepis lembra bem o Alice Cooper e ainda mais quando ultra-processada daquela forma. Usei Fender Precision e pareço o Trevor Bolder a tocar com o “Spiders from Mars”. Usei e abusei de bicordes nessa linha de baixo. 

A lamentar-se, a captura muito equivocada dos timbres das peças da bateria. Parece uma caixa de sapatos e é uma pena, por que o Juan Pastor criou uma linha com efeitos tribais sobre os tom-tons e isso prejudicou-se muito com um som tão aquém em termos de áudio. Gosto da letra, que versa veladamente sobre a loucura. Destaco a frase: “Now, it’s time for my cozmic trip”.

“Dead News”, a segunda faixa, é baseada em um riff ao estilo do “Acid-Rock” explícito. Parece super anos sessenta em essência, mas eis que um maldito reverber, ultra exagerado na caixa da bateria, faz com que nós fiquemos amarrados aos anos oitenta, lastimavelmente... que mania desses produtores que gostavam dessa pasta oitentista horrenda e nesse caso, foi o ônus que levamos pela mão-de-ferro exercida pelos responsáveis pela mixagem desse disco e dos quais não conseguimos dobrar na queda de braço. 

O solo de guitarra do Deca, é bom com o uso do pedal “Wah-Wah” e um final interessante a explorar tal efeito, também. Não sei onde eu estava com a cabeça em não ter usado um Fender Precision nessa faixa com uma sonoridade a lembrar o som do Jimi Hendrix Experience. Mas o Rickenbacker deu certo afinal de contas. Foi como se o Roger Glover estivesse no “Experience”, ao invés de Noel Redding, digamos assim. 

A letra é ultrajante pelo sarcasmo, ao brincar com o fato de uma pessoa estar a ver o noticiário na TV e por absorver o noticiário policial mórbido, mas reconheço, é muito criativa a abordagem. O que dizer (?) de uma frase que afirma: The murdered star ain’t no Jerry Lee Lewis, Don’t turned it off, it’s all fun, Michael Jackson joined the Ku Klux Klan”...

Sobre “Ups and Downs”, digo que gosto bastante do riff criado pelo Deca. A melodia que o Chris criou também é bastante agradável. Bem, lembra bastante o trabalho dos “Rolling Stones” e nesse caso, não teria como não dar certo, inclusive no belo solo a la Ron Wood. Acertei na escolha de baixo, eu creio, mas o áudio da mixagem não favoreceu em nada o meu Fender Jazz Bass. Está bem “flat”, no mau sentido do termo. E um baixo desses quando bem timbrado, não fala, grita...
Ouça o áudio oficial da música ”The Dying Day”, através do link abaixo :
https://www.youtube.com/watch?v=AVsYbhPSMeg&feature=youtu.be
E já que falei dos Rolling Stones, a quarta faixa é ainda mais explicitamente no estilo da mega banda dos “Glimmer Twins”. Sob uma bela harmonia e com ótima melodia, tal balada chamada: “The Dying Day”, é uma das minhas prediletas do álbum. 

O arranjo é pleno de acertos, com muitos detalhes memoráveis. As intervenções de contra-solos feitas pelo Deca, são belíssimas, mais uma vez a relembrar o som de guitarra do Ron Wood e também Mick Taylor. O uso de delicadas intervenções com harmônicos em vários trechos, são incríveis, fora que mais uma vez, o Deca fez acentos percussivos “noventistas”, ao conferir um certo ar de modernidade em contraponto à balada de sabor setentista. 

A base de violão batido, feita pelo Chris, é simples, mas além da sua funcionalidade tem a beleza que sustenta a balada. O meu baixo nessa faixa é o Fender Jazz Bass e o seu registro grave ornou de forma condizente. Nessa faixa, o baterista do “Angra”, Ricardo Confessori, gravou a bateria com muita classe, embora tenha respeitado o arranjo, sem grandes voos no entanto. Por conta de sua fama naquele mundo do Heavy-Metal, tal participação foi destaque em muitos fóruns sobre ele e o “Angra” em várias publicações internacionais especializadas. Vimos até em revistas japonesas comentários sobre isso. 


E eu acrescento um super destaque para o convidado especial, Johnny Boy, que criou de total improviso um arranjo sensacional ao piano e com um swing incrível, ao ponto de parecer o Nicky Hopkins a tocar com os Rolling Stones, sem dúvida alguma... de fato, parece mesmo uma canção dos Rolling Stones, daqueles álbuns memoráveis que gravaram na década de setenta. 

Em todo o disco, o sotaque do Chris é hiper britânico, ao estilo “cockney”, mas nessa faixa, escancarou-se de forma absurda. É um autêntico crooner inglês a cantar com aquela forma de pronunciar as palavras com o uso de W+ A ou Y+A, quando abre a sílaba, a pronunciar “Auei”, ao falar “Way” (“uei”), por exemplo... super David Bowie, portanto. 

Importante destacar igualmente, os backing vocals em efeito de vocalises que o Chris criou, e que são sensacionais, ultra Rolling Stones. A causar estranheza diante de tanta beleza, no entanto é o teor da letra, mas digamos que foi a porção Alice Cooper que o Chris sempre trazia junto no bojo de sua criação. Outro detalhe, no encarte, a letra não fica junto às demais canções do disco mas está no fundo do espelho, onde o CD fica guardado.
Outra faixa que eu gostava muito de tocar ao vivo e estava no repertório da banda desde 1992, “The Shadow of the Light” era uma das peças mais psicodélicas do nosso repertório, para não dizer a única, visto que “Candle Light” tinha uma proximidade com as sonoridades ao estilo indie. Porém, em minha percepção, com tal canção, eu sentia-me a tocar no “Grateful Dead” em algum “Acid test” dos anos sessenta, toda vez em que a toquei ao vivo. 

Com uma bela levada rítmica, harmonia boa e uma melodia bem Pop, tem um refrão forte (e que lembra “Dark Horse”, do George Harrison). A nossa ideia em utilizar uma cítara indiana foi frustrada pela nossa ignorância na época, em não sabermos que existem restrições harmônicas em conciliar tal instrumento com instrumentos tradicionais ocidentais, mas a inclusão da Tamboura, um instrumento indiano menos invasivo, deu muito certo para suprir o nosso afã de acrescentar um elemento bem sessentista na sonoridade dessa canção e aí, o saudoso, Marcus Rampazzo, auxiliou-nos e abrilhantou o disco, sem dúvida. 

Nessa faixa, o Deca alucinou de vez. O espírito de Ritchie Blackmore se incorporou nele, com uma guitarra ensandecida, quase o tempo todo da duração da canção. A participação de Johnny Boy a tocar órgão Hammond, é espetacular. Também na base do improviso total, a luz vermelha acendeu e ele criou tantos desenhos “swingados” e com um tipo de equalização de draw bar tão no estilo do “The Allman Brothers”, que só por esse detalhe a faixa já vale a pena. Por uma questão de choque de frequências, há certas frases do órgão que soam como um solo de flauta. Parece que chamaram o Thijs Van Leer para tocar escondo lá no fundo da sala, a fazer solos viajantes. 

Ao final, a percussão de Will Carrara entra com bastante molho. Acho até que as congas deveriam ter entrado antes no arranjo, de tão estimulante que ficou. Usei Fender Jazz Bass e soltei meu lado Motown & Stax, ao estabelecer fraseados ao estilo da Black Music. Sou o Donald “Duck” Dunn a tocar com Otis Redding nessa faixa... e quem me dera! 

O ponto negativo ficou por conta dos timbres horríveis da bateria e o “trigado” nos tons e caixa que faz com que as viradas feitas em notas colcheias e semicolcheias, pelo Juan Pastor soem como um autêntico ruído de vídeo-game. Um show de horrores o que fizeram na mixagem, nesse aspecto.
“Nevermind” sempre foi uma canção emblemática para o Pitbulls on Crack e reveladora também. Ao mesmo tempo que a banda se pôs a ganhar uma aura sessenta-setentista, ao longo do desenrolar de sua carreira, tal canção marcava território para lembrar-nos que a despeito de qualquer devaneio nosso e principalmente de minha parte, o que a banda foi na verdade, revestira-se de cunho indie noventista. Gravá-la era obrigatório portanto, pela sua importância nos shows desde o começo da banda, em 1992. 

O refrão a causar a estranheza onomatopaica, gerava reações nos shows tanto quanto a frase lapidar que o Chris usava em todos os shows ao início ou término dessa canção: -“não tem nada a ver com o “Nirvana”. De fato não tinha na intenção do seu título que coincidia com o famoso álbum de tal banda norte-americana e mega superestimada pela mídia, por sinal, mas por outro lado, mostrava o lado indie da nossa banda, portanto, teve a ver, ainda que subliminarmente, com o tal do Nirvana...
Sobre o instrumental dessa faixa, mais uma vez o Deca alucinou com muita ruideira proveniente de alavancadas na sua Fender Stratocaster. A linha de baixo é extremamente simples, condizente com o espírito da canção, mas pelo fato do baixo ter ausência de frases quase o tempo todo, a permanecer na repetição contínua, dá para sentir um timbre de Fender Precision, fidedigno. O famoso “estalo” de médio-agudo desse modelo está ali na palhetada proeminente. 

Essa faixa ficou com problemas de andamento, infelizmente. O “freio de mão” foi puxado várias vezes no decorrer da canção como uma imperdoável, certamente. Gosto das guitarras base, bem limpas e violões “sombra” bem escondidos no fundo da mixagem.
“Down at the “Hellhole”, parece Hard-Rock a la “Aerosmith”. Tem um tremendo riff de guitarra, órgão Hammond incisivo e a sua melodia é bem clássica nesse sentido. Teoricamente eu escolhi errado o baixo a ser usado em uma faixa dessa característica, mas a despeito de ter sido mais conveniente usar o Fender Precision, o Rickenbacker ficou bonito. Dessa vez o espírito de Angus Young foi que baixou no Deca... só faltou sair a correr com mochila escolar nas costas...
Uma outra música que tínhamos desde 1992, era “Candle Light”. Um misto de Folk com psicodelia, mantinha ares místicos e misteriosos, sendo uma canção bem bonita ao meu ver. 

O uso de vários violões e o exótico “Buzuki”, um instrumento de cordas do folclore grego, deram-lhe uma atmosfera bem instigante. Gravei com o Rickenbacker e acho que acertei em minha escolha. As intervenções de percussão de Will Carrara foram ótimas. Com bongô, pandeirola e carrilhão, creio que ajudou muito para a canção ficar sofisticada em seu arranjo. E o sintetizador de Johnny Boy com a locução da voz do Chris alterada de forma fantasmagórica no “pitdown”, no início, foi, como diria o Chacrinha: “eu vim para confundir”, pois se o ouvinte esperava a entrada de um Heavy-Metal como seria de supor-se com tal introdução “macabra”, se enganou meu bem, pode vir quente que eu estou fervendo... belo solo do Deca em escalas “árabes” (modo mixolídio?).
A canção mais complexa desse disco, foi sem dúvida, “Overload”. Não foi o propósito do Pitbulls on Crack, certamente, mas é quase um “Rock Progressivo”, dado o seu desenrolar com várias partes, a mostrar uma espécie de suíte. 

Lembra certamente canções mais sofisticadas do David Bowie, notadamente as arranjadas pelo pianista, Mike Garson, nos discos “Aladdin Sane” de 1973, e “Diamond Dogs”, de 1974. Sobre a parte “C”, o Chris confidenciou-me que inspirou-se em uma cena do filme “Casanova” de Federico Fellini, a se destacar aquela em que o personagem título entra em numa estranha casa de ópera. 

Em alguns trechos o Chris a gravou sem o processador que permeou o disco inteiro, praticamente, e a sua voz a soar em registro grave, ficou bem interessante. O meu baixo é novamente o Rickenbacker e algumas frases mais exageradas lembram muito o estilo do Gary Thain, certamente ajudado pelo fato de certas cadências harmônicas lembrarem o som do “Uriah Heep”. 

Gosto das intervenções de teclados do Johnny Boy, além de bases de guitarra com flanger e chorus, a causar efeitos fantasmagóricos. E a parte final é muito David Bowie, teatral ao extremo. Dá para imaginar o Chris a fazer uma performance de mímica com aquele olhar vidrado, a mirar o infinito, como o camaleão o faria... enfim, é uma das melhores canções do disco e mesmo que tenha sido tocada pouco ao vivo, é uma em que orgulho-me em ter gravado.
 
Death on The X-Mas Day” é um Rock vigoroso, e novamente ao estilo do “Aerosmith”. A slide guitar rasgada e com andamento rápido, conta com um piano super Rock’n' Roll cinquentista, nas melhores tradições de Jerry Lee Lewis, da parte do ótimo, Johnny Boy, nosso convidado. 

Usei Fender Jazz Bass e gostei do grave que consegui. Fender Precision teria sido a escolha mais lógica para essa canção, mas fiquei contente com o Jazz Bass. E o Johnny Boy, foi na mesma toada em que gravou as demais faixas em sua participação, tudo na base do mais puro improviso no estilo: –“como é a próxima?” –“ah, Rock’n' Roll ? Tudo bem, pode por para gravar”... play and record e pau na máquina, em uma tomada apenas, sem errar e pelo contrário, a criar frases incríveis... ou seja, só para os fortes, mesmo. Fator que entusiastas do Punk Rock, nem em sonhos conseguiriam, não acha, “véinho?” 

E a letra da música evocou filmes de terror modernos, desses baseados em psicopatas sob o uso de torturas inimagináveis sem explicação plausível alguma, a extrapolar o conceito do sado-masoquismo puro e simples...
“You’ve Got on the Run” foi uma outra canção dos primórdios da banda. Tem um potencial Pop, sem dúvida, e acertadamente ao meu ver, gravamos sob um andamento bem mais lento do que a tocávamos ao vivo. Sobre a canção, a despeito disso, creio que a sua aparência é bem noventista, como ”Nevermind”, a mostrar bem o que foi o Pitbulls on Crack, realmente. Will Carrara adicionou uma percussão agradável na forma de um bongô e há uma sombra de teclados sutil feita pelo Johnny, que dá uma certo “ar” de música caribenha (é muito sutil mesmo o que estou a insinuar). Infelizmente essa canção também apresenta problemas de andamento e a impressão é que a banda a conduziu a pisar no freio a cada placa a avisar haver um radar à frente...
Para fechar o disco, eis que gravamos uma inusitada música que não era apenas uma criação do Chris Skepis, mas que foi creditada à todos, fruto de uma Jam-Session realizada em sala de ensaio. 

E nesse espírito, sem ser uma música pré-concebida como todas as que o Chris trazia-nos prontas de casa, a gravamos com uma dose generosa de improvisações. Tratou-se de: “Plastic Surgery Brain”

Ivan Busic a gravou como convidado e claro que com a sua categoria, abrilhantou o nosso disco. Mesmo com a sua pegada de baterista hiper técnico que o é, os timbres deixam a desejar. Realmente a captura do som de bateria é um ponto falho nesse disco. 

Johnny Boy improvisou com piano e intervenções de sintetizador. O som de “sinth” que escolheu remeteu a timbres “modernosos” dos anos oitenta, que eu não gosto, mas as suas frases foram muito boas, é claro. 

A canção é boa, mas repetitiva dentro de uma quadrado harmônico, portanto, na minha opinião, deveria ter sido encurtada. Usei Rickenbacker, mas não explorei as frases que o Ivan Busic fez, e hoje arrependo-me de ter sido tão parcimonioso, pois se eu tivesse dividido as frases junto com ele, teria sido melhor para a canção, visto que não havia a menor intenção de que essa faixa fosse tratada para ser Pop radiofônica. Portanto, a livre criação deveria ter sido observada de minha parte... 

Gosto do efeito inusitado com o fim abrupto, a simular o fim da fita no rebobinador e de fato, o combinado foi esse mesmo, pois foi o fim da fita e a ideia foi seguir a tocar até a fita acabar e desenrolar-se, para justamente se aproveitar o ruído dela na máquina, a sair da bobina. 
Eis acima, o playlist completo do álbum Lift Off, sob uma cortesia do portal Hard' N Heavy Brasil.

Eis o link para assistir diretamente no You Tube:
https://www.youtube.com/watch?v=Ak3wmq2e3QM&list=PLy4QpyHyZfDiUrJWQ7WrLFEQjF0yVKwNM

E assim foi... We’ve have a lift off…

Volto à cronologia dos fatos, no próximo capítulo.
 

Continua...

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