segunda-feira, 29 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 373 - Por Luiz Domingues


Estreitamos portanto o contato com o popular, "Bip Bip", que tornou-se um amigo, ao afeiçoar-se à nossa banda. Tivemos várias reuniões e lembro-me dele nos presentear muitas vezes com LP's de divulgação do estoque excedente da empresa. Geralmente eram pastiches Pop oitentistas, a mas garimpar, ele achava algo mais palatável aos nossos ouvidos Rockers...

Por exemplo, tenho um disco solo do cantor, Bryan Ferry (LP Bête Noire), até hoje na minha estante de velhos vinis (e digo com pesar de que apesar de adorar a sua ex-banda, O Roxy Music, este trabalho solo dele é um Pop oitentista bem insosso).

Bem, "Bip Bip" ouviu a nossa demo-tape e apreciou o material. Achava que tinha potencial Pop, sim, mas não dependia dele a aceitação dentro do elenco da companhia. Após o show de Caraguatatuba-SP, Bip Bip honrou a sua palavra e agendou uma entrevista direta com o diretor de repertório, portanto o homem que daria o aval para contratações de novos artistas. Mas antes de chegar nesse ponto, eu preciso falar sobre os shows de Caraguatatuba, logicamente e que acrescentaram diversas histórias paralelas ao anedotário da banda...


Os shows estavam marcados para os dias 19 e 20 de abril de 1987, mas a viagem foi marcada para o dia 17, dois dias antes. A produção sugeriu que estivéssemos lá com tal antecedência, a alegar que a logística da TV previa ajustes, com soundcheck antecipado etc. e tal.

Viajamos juntos, todas as bandas e suas respectivas comitivas, em um ônibus da prefeitura de Caraguatatuba, em clima de muita descontração, a lembrar a euforia de uma excursão escolar. Fomos direto ao hotel que hospedar-nos-ia e constatamos não ser nenhum hotel de luxo, na verdade, tal estabelecimento se mostrou bem simples, sem qualificação de estrelas da Embratur. Tudo bem, estávamos ali a trabalho e não arrancar-nos-ia pedaços ficarmos quatro dias hospedados sem as mordomias inerentes de um hotel mais categorizado.

Fomos instruídos pela produção a descansarmos e aproveitarmos o tempo livre da maneira que quiséssemos e claro que a maioria foi para a praia, distante cerca de quatro quarteirões dali do hotel, e eu fui um dos únicos que preferi colocar a minha leitura em dia, a aproveitar para ler um livro que levara na bagagem. Nunca gostei de praia, portanto, não apeteceu-me tal perspectiva.

Os meus sócios d'A Chave do Sol e diversos colegas de outras bandas me falaram que foram ver o palco, naturalmente. Na quinta-feira, este já estava inteiramente pronto, e a equipe do equipamento de som e iluminação, montava o enorme P.A., a todo vapor. Estavam animados, portanto, a contar-me que os shows deveriam ser produzidos com uma grande estrutura.

Que proveitoso, o sacrifício de se fazer dois shows sem cachê, para alimentar a tal ideia de um "investimento de carreira", pareceu estar justificar-se, enfim.

Naquela noite, aconteceu algo engraçado naquele hotel e portanto, é fato digno de ser mencionado.

O Proteus havia contratado um rapaz chamado: Calil, que era conhecido no meio Rocker de São Paulo por ser um especialista em efeitos pirotécnicos usados em shows. Era contratado por muitas bandas que eu conhecia, mas o Proteus o tinha como quase um funcionário fixo, pois fora uma estratégia da banda, contar com efeitos visuais, sempre em suas apresentações. Tal banda era muito influenciada por grupos internacionais que usavam e abusavam de tais expedientes cênicos, notadamente o Kiss. Para muita gente, inclusive, o Proteus era apelidado informalmente como: "Kiss brasileiro", por conta de seus shows cheios de pirotecnia.

Muito bem, feita essa explicação, digo que o Calil estava ali com um container repleto de materiais, para trabalhar nos efeitos e então ele resolveu fazer testes de suas criações para os shows do Proteus. 

Só que não dimensionou o óbvio, ou seja, o local e o horário, sobretudo, que escolheu para tais experimentos, foram absolutamente inadequados!

Por volta de meia noite e meia, ouvimos uma sequência de explosões que pareceram que o prédio estava a ruir. Funcionários do hotel rapidamente se mobilizaram e descobriram que tais explosões ocorreram na laje superior do edifício, e ao chegar lá, flagraram Calil com o seu material a fazer experimentos...

E por falar em material, ao olhar de perto, dava medo e faria um oficial do Corpo de Bombeiros se desesperar, obviamente. Tudo parecia precário, feito com latas de tinta, pequenas latas de achocolatados matinais, tábuas de madeira como base para um tipo de fiação suspeita, botijões de gás de cozinha etc.

Apesar disso, atesto que nos shows, os efeitos eram incríveis e visualmente a falar, em nada ficavam a dever para bandas internacionais que usavam tal expediente cênico. Lembro-me de ter visto um show do Proteus no Teatro Mambembe, com o expediente de muitos efeitos, tais como a chuva de prata, chamas altas, cascatas de fogo etc...

Bem, apaziguado o ânimo no hotel, fomos descansar enfim. No almoço do dia seguinte, os organizadores do show, funcionários da prefeitura de Caraguatatuba, fizeram questão de que todas as bandas estivessem juntas, a promover uma confraternização.

Não foi um evento fechado no entanto, e assim, o restaurante estava lotado com clientes alheios a esse acontecimento, muitas famílias, com crianças e idosos sentados pelas mesas, naturalmente.

Quando chegamos, naturalmente que um bando de cabeludos chamou a atenção inteiramente no salão. Normal, todos estávamos acostumados com esse choque social ainda existente na sociedade brasileira, apesar de anos e anos com o costume Rocker de homens a usar cabelos longos a ser absorvidos pelos meios de comunicação Pós-Movimento Hippie, bandas de Rock etc.

E assim, foram membros de bandas como o Inox, Golpe de Estado, Proteus, e nós d'A Chave do Sol, ali presentes. Não havia nenhuma banda de outra estética, o que aliás, foi engraçado, pois teoricamente seria um festival popular, e a escalação de bandas da cena pesada e todas fora do panorama mainstream, incluso o Inox, que teoricamente era do elenco de uma gravadora major, mas na prática habitava o patamar underground como todas as demais, e assim, causou estranheza, portanto.

Apesar da fama de Rockers serem extravagantes, ali ninguém estava a se portar de forma a chamar a atenção por algum comportamento fora do padrão e portanto, o objetivo foi apenas almoçar, sem nenhum transtorno ao estabelecimento ou aos seus clientes, de forma alguma. Entretanto, nem todo mundo estava imbuído desse espírito zen e algo engraçado aconteceu.
Sentei-me na imensa mesa, entre Hélcio Aguirra e Rolando Castello Junior. Lembro-me do Hélcio a me dizer que o Junior estava "quieto demais", e a qualquer momento poderia "aprontar" alguma maluquice. Rolando era da velha escola Rock'n' Roll, pronto a cometer alguma extravagância, no melhor "estilo Keith Moon", com muitas lendas urbanas a contar história por ele protagonizadas nesse sentido. Então, não deu outra... poucos minutos depois, ele, Junior, olhou-me e disse: -"Ô, português... duvida que eu suba nessa mesa e dê uma volta nela? Lhe respondi de pronto: -"é claro que não duvido".

Pensei que com isso, que ele se sentisse desestimulado a fazê-lo, pois a sua pergunta capciosa denotara a intenção clara de jogar a isca para que eu lançasse um desafio para ele, mas eu não o fiz. 
Porém, não foi o bastante, e mesmo assim, ele levantou-se e subiu na mesa, e a soltar alguns palavrões em voz alta, foi de uma ponta até a outra, para chamar a atenção do restaurante todo.

Vários clientes se revoltaram e chamaram o gerente do restaurante para exigir uma advertência, quiçá a expulsão dos cabeludos indesejáveis. O gerente veio nos pedir mais moderação, mas logo foi convencido de que aquilo fora uma brincadeira isolada e que no cômputo geral, estávamos a nos portar de forma educada, portanto, seria melhor não tomar providências mais drásticas. 

A partir do terceiro dia de nossa estada na cidade, nos convidaram a não mais chegarmos em grupo, e não usarmos uma mesa apenas, como uma maneira de dispersar a possibilidade de promovermos novos tumultos. De certa forma, foi engraçado nos sentirmos como colegiais a ser monitorados no refeitório da escola. 

Não houve soundcheck. Ao alegar atrasos na montagem do equipamento, fomos informados que os shows seriam feitos sem nenhum preparo, e claro que em meio a um equipamento daquele tamanho e palco imenso, isso foi muito temerário. Sem deixar de mencionar que a nossa estada antecipada na cidade se provara inútil sem a possibilidade de um soundcheck. Além da estranheza de se realizar um show popular na praia, gratuitamente, é claro, a inexistência de artistas desse apelo, foi muito estranho a se comentar entre nós das bandas envolvidas. 

O Brasil não havia mudado da noite para o dia, para acreditarmos que um Festival de Rock ocorresse em uma praia com aquela estrutura toda e cobertura de TV, ainda por cima, com quatro bandas não representantes do patamar mainstream.

Então, ficamos a saber de última hora, que uma atração popular estaria presente enfim. Tratou-se de Donizete, um cantor sertanejo que detinha popularidade em programas de TV e rádios AM que atingiam tal público e mesmo ainda em uma época onde as tais duplas sertanejas não haviam dominado de forma predatória, o mercado e a mídia.

Bem, nesse caso, causou ainda mais estranheza que um artista popular estivessem em meio a quatro bandas de Rock pesado. Em suma, seria um festival muito bom por toda a estrutura técnica disponibilizada, mas não entendemos qual foi a real intenção de seus organizadores, mesmo por que, houve também a questão da transmissão na TV.

A analisar friamente, como se eu fosse um marqueteiro, não teria sido melhor escalar bandas que fossem mais palatáveis ao gosto popular? O "Rock" poderia ser de outra estirpe, praticado por bandas emergentes e independentes como nós, mas que não fossem contratadas de gravadoras majors, porém dentro da estética do BR Rock' 80, ou seja, aceitariam igualmente tocar de graça, em troca do tal "investimento de carreira".

Bandas como as nossas, em meio a um festival que não fora planejado para ser especificamente destinado ao nicho de público habitual que nos acompanhava e apreciava, pareceu-nos muito estranho, ou talvez, a pensar com otimismo, a caracterizar um sinal de que os boatos que ecoavam pelos cantos, desde 1984, estava para acontecer, com o Hard-Rock a ter a sua vez, enfim, no patamar de cima. Todavia, gatos escaldados que já éramos naquela altura do acontecimentos, foi difícil de acreditar nessa premissa...
Continua...
    

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