domingo, 21 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 347 - Por Luiz Domingues


Sobre a gravação da demo-tape, esta foi feita sob um clima de muita tranquilidade e descontração. Primeiro, por que a ideia de se ter tempo livre, foi algo sensacional e inédito, pois os dois discos anteriores, e as três demos que fizéramos anteriormente (as de 1983 e 1984, absolutamente caseiras, portanto contamos com tempo a vontade, mas em condições precárias, sem equipamento e ambientação de estúdio), foram realizadas com a extrema preocupação no andar dos ponteiros do relógio, que insistiam em voar. Segundo, por que estabelecemos uma amizade muito boa com o técnico contratado do Studio V, o Clovis Roberto da Silva, um rapaz muito gentil e solícito, e que também se afeiçoou à nossa banda e sobretudo, ao nosso trabalho. O terceiro ponto, foi que tratávamos esse trabalho com muitas esperanças, como se fosse realmente o nosso passaporte para dias melhores na carreira.

A metodologia de gravação foi diferente, portanto. Com mais tempo para trabalhar, gravamos no método tradicional do "um-por-um". Particularmente gosto mais dessa estratégia, pois evita climas psicológicos decorrentes da pressão de se gravar mais de um instrumento ao mesmo tempo e portanto, uma possível irritabilidade ser gerada com os erros cometidos, da parte de uns em relação aos outros, a postergar o trabalho e a obrigar a banda a realizar muitas tomadas.

Não há nada mais frustrante do que alguém errar e a sua performance que estava impecável, ter que ser regravada por conta do erro alheio, e vice-versa quando erramos e vemos companheiros desolados em ter que gravar de novo, quando as suas performances em particular, foram inspiradíssimas.

Sobre as escolhas, como eu disse no capítulo anterior, optamos por repetir quatro canções gravadas para a demo-tape produzida em abril, por que acreditávamos no potencial Pop de canções como "Solange" e "Saudade". Sobre, "O Que Será de Todas as Crianças?" e "Sun City", eu já explanei sobre esse tema no capítulo anterior.
E acrescentamos duas novidades não gravadas para a demo-tape de abril: "Trago você em meu Coração" e "Desilusões".  

O corte de "O Cometa", que não figurou novamente na nova demo-tape, foi por consideramos que uma opção mais Pop, e com letra "romântica", seria mais adequado. Hoje, digo que se a intenção foi boa enquanto estratégia de marketing, a privilegiar o Pop radiofônico, eu lamento, pois "O Cometa" é uma canção mais forte, em meu entender.

Somente em relação à "Forças do Bem", cortada, eu concordei na época, e ainda sustento a minha opinião, pois essa peça é um "praticamente Heavy-Metal", portanto a tratar-se de um anticlímax para se abordar uma gravadora major. Mesmo a seguir o padrão de arranjos muito próximos da demo-tape anterior, as músicas repetidas sofreram modificações sutis ao meu ver e para melhor.

No caso de "Sun City", o corte no módulo do refrão, foi providencial. Das oito vezes repetidas, a causar um enjoo inadmissível ao ouvinte padrão, cortamos esse exagero pela metade e com apenas quatro, ficou muito melhor. Pequenas mudanças no solo e contra-solos do Rubens, são realmente sutis. Ele se dava o direito do improviso, claro, mas a grosso modo, fazia tais arranjos pessoais há meses, ao vivo, portanto, estava tudo na sua imaginação, naturalmente.
Abaixo, eis o link para ouvir: "Sun City", nessa versão de outubro de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=8wAxNoyMEf8

Sobre, "O Que Será de Todas as Crianças?", o andamento foi executado um pouco mais para trás, mas ainda muito rápido no meu entendimento. Na época, achava-o empolgante, mas hoje eu penso que foi justamente esse o fator que inviabilizou a canção, comercialmente a falar. Mais lenta, ficaria sem o ranço Heavy-Metal do Riff inicial muito acelerado, e daria mais balanço nas partes A e B, e sobretudo no refrão, a dita parte C da canção.
Abaixo, eis o link para ouvir "O Que Será de Todas as Crianças", nessa versão de outubro de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=STAy5CnJKqQ

Em "Saudade", o Rubens acrescentou um belo contra-solo inicial em dueto, enriquecendo muito a canção, sem dúvida, além dos backing vocals que acho que ficaram mais caprichados. Há um excesso de flanger geral na bateria, após o solo. Eu teria deixado nos pratos apenas, e em poucos trechos, não o tempo todo, pensando hoje em dia
Acima, o link de "Saudade", dessa versão de outubro de 1986
https://www.youtube.com/watch?v=ahPbnBV4Tds

Sobre "Solange", o arranjo seguiu ipsis litteris a versão de abril. E mais uma vez, o solo foi feito pelo Beto, a usar uma guitarra Gibson Les Paul. Acho que há uma falha terrível no "fade out" do solo, por cair muito bruscamente e a perder assim, o último harmônico da nota executada.
Abaixo, eis o link para ouvir "Solange", nessa versão de outubro de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=41mO3Fo5DAQ

Cáspite! Os quatro componentes da banda, mais o técnico... milhares de audições em cada fase do processo, a o processo da mixagem inteira, e isso não foi notado? Inacreditável!

No caso de "Desilusões", a aposta no fator Pop, via Rádio Táxi, foi visível. Porém, mesmo assim, um maneirismo não detectado na época, causou-nos uma contradição. Se em "Saudade", simplificamos muito a cozinha, a tocar de forma reta, nesta canção, há um excesso de quebradeiras, um resquício de nossas influências da escola Jazz-Rock setentista. 

Muito positivo, se compreendidas sem preocupações mercadológicas, a se pensar apenas na arte livre, mas se o objetivo foi soar "Pop" e impressionar os "marketeiros" das gravadoras majors, foi obviamente um tiro no pé...
Abaixo, eis o link para "Desilusões"dessa demo tape de outubro de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=fbRr8Wey21Q

A canção, a despeito desse detalhe, contém uma melodia agradável e detém tal potencial. Gosto de algumas passagens desdobradas onde há uma inserção psicodélica muito interessante. Todavia, acho claro que foi apenas uma coincidência, pois a despeito de eu amar a psicodelia sessentista, nem assim cogitaria buscar esse caminho, ali nos anos oitenta, onde tal tipo de manifestação seria passível de fogueira na inquisição niilista dos Pós-Punkers...
Abaixo, eis o link para ouvir: "Trago você em meu Coração, dessa demo tape de outubro de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=Y1Ds3TxzvX4

Em "Trago você no meu Coração", enveredamos pelo Hard-Rock oitentista. Parece bastante com o trabalho do Whitesnake, quando essa banda britânica também buscou tal caminho de modernização de seu som na mesma época, e fora uma espécie de farol internacional a ser seguido, naturalmente, pois a nossa similaridade com esse grupo residira no histórico, isto é, fomos também uma banda nascida sob padrões setentistas, mas a procurar adequação ao mercado, tentávamos mudanças, como eles também passaram pela mesma situação, para sobreviver no mercado.

Sobre o teor das letras, todas, com exceção de "Sun City" e "O Que será de Todas as Crianças?", que usou motivações sociopolíticas, as demais foram românticas e a aproximação com bandas como o Rádio Táxi que usava e abusava desse expediente muito perigoso, foi explícita. 
Recentemente (2015), ao ler comentários de usuários do YouTube, na postagem da canção, "Solange", um rapaz declarou que conhecera a banda há pouco tempo, e que estava a gostar de conhecer o nosso trabalho, mas considerava as letras, dessa fase da nossa banda, muito próximas do "sertanejo" da atualidade. 

De fato, ele foi bastante complacente, todavia, o seu comentário espelhou a verdade, e realmente essas canções da safra de 1986 de nossa produção, são exageradamente populares e melosas. Se ao menos tivéssemos a alcançar o sucesso popular mainstream, se justificariam, mas é engraçado ouvi-las nessa perspectiva de que a banda não aconteceu nesse parâmetro e de certa forma, em não tendo esse apelo, maculam a obra pregressa.

A respeito do áudio, acho que a condição melhor do estúdio mais novo e equipamento que o anterior, que usamos para gravar a demo de abril, não ajudou-nos decisivamente a ter um produto mais bem acabado em mãos.

Nem mesmo a atenção do técnico, Clovis, sempre solícito para conosco, nem mesmo o tempo hábil mais elástico, e ainda por cima a possibilidade de caprichar mais, e evitar erros da anterior. A grosso modo, a mixagem geral das quatro músicas ficou muito estridente, com excesso absurdo de agudos. Com voz e guitarras muito altas, perdeu a definição do baixo e consequentemente o apoio dos graves. Em alguns momentos, chega a irritar os solos altos em demasia, somados aos agudos estridentes e o mesmo em relação à voz.

Faltou peso no bumbo e tons, portanto, o agudo estridente também prejudicou o som final da bateria, com pratos e chimbau a prevalecer. Também acho que a concepção das linhas melódicas (que eram boas, pois o Beto era bastante criativo para concebê-las), prejudicou-se com o registro muito alto para a sua voz. A começar pela parte A, já bem alto, quando chegava-se no ápice do refrão, subia ainda mais, e tirava muito do potencial que teriam, se cantadas em um tom mais baixo.

Outro erro, ao meu ver, foi a pouca utilização de Backing Vocals. É bem verdade, que nesse quesito o Beto insistia muito conosco, para fazermos mais participações vocais e encorpássemos a vocalização da banda. Ele teve razão, certamente, pois teria ficado muito melhor se tivéssemos participado mais nesse arranjo.

De minha parte, a minha relutância em cantar, foi por dois motivos:
1) Eu achava que minha voz tinha timbre feio e;
2) Não queria ficar preso em um pedestal de microfone a ter que cantar durante o show inteiro, pois eu privilegiava muito mais a movimentação frenética no mise-en-scené de palco.

Somente partir do projeto Sidharta, em 1997, forcei-me a cantar com regularidade, e depois com a Patrulha do Espaço, de 1999 em diante, tomei o gosto para fazer Backing Vocals, com regularidade e de fato, melhorei muito nesse sentido. Entretanto, calma, leitor... estou a falar sobre aspectos negativos para ser muito sincero e a minha autobiografia ter senso crítico, portanto. Mas claro que também existem os aspectos positivos. Pequenos erros a parte, as canções tem os seus méritos musicais, e no quesito letras, duas pelo menos, também são apresentáveis, embora questionáveis em alguns aspectos ("Sun City" estigmatizou-se como uma peça anacrônica, bem rapidamente, por exemplo).

São melodias e riffs bons, solos sem concessões, a deixar a marca Rocker em um contraponto com o Pop. A cozinha bem tocada e mesmo nos momentos comedidos, saliente etc.

Lamento mesmo o excesso de agudo na mixagem final, e a voz exageradamente alta, que incomoda-me em alguns momentos. A ideia do Clovis, e nossa também, pelo objetivo que almejávamos com esse trabalho, foi no sentido de quase alcançar o clássico padrão da MPB, onde a voz é colocada absurdamente alta, para privilegiar a cultura tupiniquim de valorizar a melodia e a interpretação de cantores, acima de tudo. Tudo bem, como eu já disse, tal prerrogativa foi uma tática para se buscar uma vaga no mainstream, mas no caso da demo-tape em específico, acho que exageramos na dose.

Claro, a minha análise, vinte e nove anos depois (a escrever e publicar em 2015), tem o peso da experiência adquirida, o distanciamento histórico etc. Na hora em que ficou pronta, nada disso nos ocorreu e achamos que obtivemos um produto bom em mãos, e pronto, portanto, para servir de cartão de visitas nos esforços do Studio V, para nos colocar dentro do elenco de uma gravadora major... e fim de papo. E não diga não!
Continua...

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