segunda-feira, 29 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 374 - Por Luiz Doimingues

Uma rara foto desse show de Caraguatatuba-SP, em abril de 1987. Zé Luiz tocou em um praticável muito alto, acima das cabeças dos amplificadores, sob um padrão de festival internacional, portanto. Click do nosso roadie, Eduardo Russomano, com uma máquina Polaroid

No dia do show, deu para sentir que a expectativa na cidade esteve alta, e apesar de não haver muitos artistas populares escalados para se apresentar, tudo levou a crer que haveria uma multidão na praia.
Ao final da tarde, um micro ônibus da prefeitura foi disponibilizado para levar as bandas, e quase todo mundo quis ir logo e dessa forma, acompanhar a maratona toda a ficar no hotel e esperar a vez de tocar.

Quando descemos do veículo, uma enxurrada de adolescentes cercou-nos, com canetas e papel à mão, a visar caçar autógrafos de todos que desciam. Mas ninguém se iludiu com tal assédio, pois esses jovens falavam aos gritos uns para os outros: -"quem é esse aí?", assim que recebiam o autógrafo, a denotar não conhecerem ninguém, nem mesmo o Donizeti, supostamente um artista popular. Lembro-me bem do saudoso, Hélcio Aguirra, a comentar comigo: -"veja o que enfrentaremos daqui a pouco... nem sabem quem somos"... 

O cantor sertanejo, Donizeti, estava conosco nessa comitiva, e parecia tímido em princípio, mas logo foi a ambientar-se entre os Rockers. Ele era gente boa, e nós apreciamos a sua humildade ao conversamos com ele.

Ele nos disse que estava bastante temeroso em enfrentar um público possivelmente Rocker que o detestaria, mas nós o tranquilizamos, a dizer-lhe que não haveria indício algum que aquele público fosse pautado por essa característica, e que também tínhamos as nossas dúvidas sobre a mesma questão, mas de maneira inversa, ou seja, que fosse uma massa popular avessa ao Rock e nos hostilizasse.

Tudo foi obscuro naquele instante, como uma incógnita para todos naquele momento pré-show, a gerar especulações as mais estapafúrdias. No backstage, tudo pareceu ser simples, com um camarim improvisado como tenda de circo, mas com saletas individuais, para cada banda, portanto, bem organizado.

A multidão presente na praia já era enorme ao cair da tarde, e a temperatura amena, talvez um pouco fria para os padrões dos habitantes daquela localidade, acostumados com o típico calor daquela cidade praiana.

Donizeti foi chamado ao palco e subiu, corajosamente eu diria, pois teve a real noção que estava a ser o artista "open act" de quatro bandas de Rock pesado e ao contrário, ele faria uma apresentação intimista e acústica, na base da voz & violão.

Infelizmente, ele foi bastante hostilizado pelo público, e alguns mais abusados, insistiram em arremessar bolas de areia comprimidas em sua direção. Ficamos chateados com tal atitude, claro, pois ele foi um artista a tentar dar o seu melhor ali em cima, e independente de gostarem ou não do seu trabalho, a hostilidade foi descabida e vergonhosa.

E para relembrar artistas hostilizados pelo público, eis acima a figura de Sérgio Ricardo a quebrar o violão em 1967, por protesto às vaias que recebia no Festival de MPB da TV Record. Ou, poderíamos dizer que foi  muito "MODderno", por quebrar violões em cena, como contemporâneo de Pete Townshend...

Ele seguiu em frente, fez seu set sem cortes e ao sair, mesmo chateado com a recepção deselegante com a qual fora tratado, mostrou-se resignado. Nós o cumprimentamos pela coragem, e principalmente por não esmorecer ou tampouco perder a cabeça e responder com revolta ao microfone etc. Nem todo artista tem esse sangue frio numa situação dessas, vide Sérgio Ricardo no Festival de MPB da TV Record em 1967.

Chegara a hora das bandas de Rock e o Proteus foi chamado ao palco. O seu show era energético por natureza intrínseca, com os três membros da linha de frente a exercer uma mise-en-scène compatível com bandas internacionais de Hard-Rock oitentistas, e com o Kiss, como inspiração máxima. Com o apoio das explosões do Calil, Ciro Bottini & Cia. divertiram o público que respondeu com gritos e aplausos.

Ficamos todos mais relaxados, pois ficou claro que o público queria diversão e mesmo não sendo Rocker em essência, estava a se divertir a farra pela euforia gerada e assim, não haveria de ser diferente com as demais bandas, também.

Com P.A. de grande porte e iluminação de porte, teve a infraestrutura de um show internacional feito em estádio, portanto, a pressão sonora estava muito forte e a iluminação, esfuziante.

O Golpe de Estado estava escalado para tocar a seguir, mas o vocalista, Catalau, não estava presente nos bastidores enquanto p Proteus se apresentava. Os outros três membros do Golpe de Estado haviam viajado conosco na comitiva, mas Catalau não dera sinal de vida até então, embora estivesse ciente dos compromissos. Em uma época onde não existia telefones celulares, eles podiam apenas torcer pela chegada do seu vocalista.

Diante dessa situação, fomos tocar e lhe demos assim mais tempo para que a sua situação interna desagradável fosse solucionada.

Quando subimos ao palco, após uma apresentação entusiasmada de um comunicador de rádio local, que foi o mestre de cerimônias do show, a multidão estava imensa. Foi o maior público que a nossa banda estava a receber, sem dúvida alguma.
Uma pena, mas essa foto rara desse show está tão escura, por conta de ser proveniente de uma máquina polaroid, bem simples. A sua autoria foi de Eduardo Russomano, nosso roadie na ocasião, escondido atrás dos amplificadores.

Com um palco de dimensão gigante, pudemos correr pelo palco com a mesma desenvoltura de bandas internacionais, e a cada corrida que eu empreendi, sentia o canhão "Super Trouper" da iluminação a me seguir, e envolver-me através de uma uma bolha de luz branca, e esta sensação foi ótima, pois deu-me a certeza de que o show estava a ser bem cuidado, apesar de não ter havido soundcheck, tampouco, mapa de luz que orientasse o iluminador e os seus assistentes.

O público respondeu muitíssimo bem aos impulsos de nossas músicas, como se as conhecessem, o que foi até engraçado pela simples constatação de que não éramos artistas populares do mundo mainstream. Ora, como explicar isso? Pois é... passaram-se vinte e nove anos (a escrever e publicar em 2015), e até hoje eu não tenho uma explicação plausível sobre tal fenômeno estranho.

O técnico do P.A. era um rapaz que já havia operado o nosso som e também com um equipamento de P.A. com forte pressão sonora, anteriormente. Apelidado como: "Castor", havia operado o som da nossa banda em um show realizado na Danceteria Radar Tantã de São Paulo, em 1984, fato contado com detalhes em capítulo bem anterior.  ele não poderia fazer nenhum milagre sonoro, pela ausência do processo do soundcheck e pelo simples fato de não conhecer a banda (quando lhe falamos sobre o show do Radar Tantã, ele só se lembrou que havia trabalhado lá...).
Mas a julgar pela reação do público, a mixagem que imprimiu, devia estar excelente, pois realmente estava sendo muito surpreendente para nós, a observação de tantos gritos e aplausos, mãos levantadas em nossa direção e tudo mais, como se fôssemos o grupo de Rock norte-americano, Aerosmith a tocar em um estádio de beisebol, nos Estados Unidos e diante de seus fãs mais fanáticos.

No palco, a mixagem da monitoração estava razoável. Houve pressão, mas os timbres deixaram a desejar. Mas foi o tal negócio: Rockers outsiders e fora do mainstream que éramos, estávamos muito acostumados a tocar nas piores condições possíveis, portanto, uma monitoração mediana como aquela, foi um primor para os nossos padrões usuais...

Enfim, eis aí uma compensação em ser "Pobre Star"... quando raramente tínhamos estrutura de gente grande para trabalhar, até estranhávamos... e por outro lado, dificilmente equipamentos péssimos nos derrubavam, um elemento que artistas internacionais tarimbados não estavam acostumados (caso do Uriah Heep no Via Funchal em 2006, que eu assisti da coxia, e vi como estavam irritados com a péssima monitoração que o técnico brasileiro de monitor lhes forneceu. Isso está contado com detalhes no capítulo do Pedra).

Fizemos o nosso set list base da época, tocamos dois números em ritmo de bis, ou seja, a pedido do público e a sensação de termos feito o show foi muito acima das nossas expectativas, tão ressabiados que estávamos com a incógnita que aquilo tudo sinalizara para nós.

Quando deixamos o palco, vimos que o pessoal do Golpe de Estado ainda estava tenso. Catalau não dera sinal de vida e estavam resolvidos a tocar em formação como trio, com Hélcio e Nelson a improvisar para cantar as canções. Eis então que apareceu a figura do Catalau, a usar roupas de couro e pesadas correntes cravadas por tachinhas, mais a se parecer um vocalista de banda de Heavy-Metal. Para intensificar a sua chegada triunfal ao camarim, estava a segurar dois cães da raça, doberman, por coleiras igualmente ornadas com tachinhas, que sabe-se lá de onde vieram...

Bem, a partir do Golpe de Estado, eu já não prestei mais atenção diretamente nos shows, pois concedi entrevistas para emissoras de rádio e o jornal local, fora vários fanzineiros que apareceram, também a nos abordar.

Uma dessas entrevistas eu consegui providenciar para compor o portfólio e que foi publicada posteriormente.

Foi uma noite intensa, com um sabor de dever cumprido e mais que isso, sucesso. O divulgador, Bip Bip estava presente e ele apreciou muito o nosso show e estava entusiasmado em nos apresentar ao diretor de repertório da gravadora. Foi muito positivo ter essa força a mais, mas depois da frustração com a Warner, ficamos bem mais reticentes e os acontecimentos que se seguiram, culminaram com o rompimento com a produtora Studio V, o que nos tornou muito mais cautelosos.

Cabe registrar que a propagada transmissão ao vivo da TV Bandeirantes não aconteceu. Uma explicação simplória sobre algum empecilho técnico de ultima hora nos foi informada, mas na prática, não termos tido essa exibição televisiva jogara por terra abaixo o esforço em ficarmos quatro dias à disposição dessa produção, e principalmente sem cachê. Muito bem, o show foi bem divulgado e as condições técnicas de alto padrão, mas o tal "investimento de carreira", não se justificava sem a presença da TV, portanto, apesar do público caloroso, ficar sem cachê foi doloroso.

Como compensação, ao menos houve a cobertura ao vivo de uma emissora de rádio local, com repórter no camarim o tempo todo a entrevistar artistas ali presentes e a repercutir o andamento do espetáculo. Tratou-se da presença da Rádio Oceânica de Caraguatatuba-SP, que repetiu a dose no dia seguinte.

No dia seguinte, teríamos uma repetição dos shows, portanto. Foi o mesmo equipamento, a mesma estrutura, mas o público mostrou-se diminuto. Das mais de trinta mil pessoas presentes no primeiro dia, agora, cerca de cinco mil compareceram ao segundo dia de apresentações. Tocamos com a mesma vontade, mas a vibração da plateia estava muito abaixo, com um tipo de público apático, que mal bateu palmas educadas.

Voltamos para São Paulo satisfeitos com o resultado do primeiro show muito quente, e resignados com a apatia do segundo. Chateados com a ausência da TV nesse esforço que fizemos, mas animados com a perspectiva do Bip Bip nos agendar entrevista com o executivo da BMG-Ariola.

E assim foi... no dia 19 de abril de 1987, tocamos para trinta mil pessoas (estimativa da Polícia Militar, mas eu acho que havia mais gente, por que a contagem da PM sempre subestima a realidade nas suas avaliações de multidão), e no dia seguinte, 20 de abril de 1987, foram cerca de cinco mil (mas desta vez, não deve ter ultrapassado mesmo a avaliação da PM).

Continua... 

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