sexta-feira, 26 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 363 - Por Luiz Domingues


Antes de avançar na cronologia, vou dissecar uma entrevista que eu concedi à revista Mix, que era especializada em instrumentos, equipamentos e técnica. Tal matéria foi bem recente, tendo sido publicada no mês anterior, de dezembro de 1986. Saiu publicado em seu número 5, com a entrevista tendo sido conduzida por Tony Monteiro. Essa revista foi mais um desdobramento de teor musical da mesma editora que publicava as revistas "Roll" e "Metal", onde já havíamos sido enfocados inúmeras vezes, com muitas notas, matérias, entrevistas, e resenhas de shows e discos, além de citações en passant.
O primeiro fato interessante da entrevista, se deu logo na apresentação, quando o grande Tony Monteiro optou por fazer uma explicação informal que explicava o meu apelido... acho que pela primeira vez, alguém da mídia levantou tal questão e ali, ficou claro que "Tigueis" foi uma corruptela de "português", ou seja, uma alusão à minha descendência lusitana.

Mas na prática, tal revelação pouco ajudou-me a escapar das inúmeras confusões que tal alcunha me causara, até que em 1999, eu dei um basta nisso e firmei propósito em ser chamado pelo meu nome verdadeiro. Mas esse pormenor sobre a quebra do apelido é um assunto paralero dos capítulos sobre a Patrulha do Espaço, em diante, no curso da minha autobiografia.

Bem, repercuto agora as perguntas e principalmente as respostas que eu emiti à época. 

1) MIX - Há quanto tempo você toca?

Luiz - Há dez anos.

2) MIX - E sempre no baixo?

Luiz - Sempre, apesar da bateria ser realmente o instrumento que eu gostaria de aprender a tocar. Só que o baixo acabou pintando na minha vida, e eu acabei desenvolvendo.

3) MIX - Como foi seu aprendizado?

Luiz - Eu comecei estudando em conservatório aos 16 anos, naquele esquema bem rígido, sempre com o objetivo de seguir uma carreira profissional. Mas eu não terminei o curso e posso dizer que minha grande escola foram os discos que eu sempre escutei.

4) MIX - Você lê música?

Luiz - Eu cheguei a um ponto de ter uma base musical bastante razoável, mas como não dei continuidade, posso dizer que desaprendi a ler. Eu ainda tenho planos de voltar a estudar, só que mais para o futuro, uma vez que hoje estou envolvido em composição, ensaios, enfim, estou batalhando a minha carreira.

5) MIX - Que instrumento você usa?

Luiz - Um Fender Modelo Jazz Bass.

6) MIX - É o instrumento ideal para o seu estilo?

Luiz - É um dos. Pro futuro, pretendo ter outros para em casa ocasião poder trabalhar com um timbre diferente. É uma ambição que no momento não é possível por em prática.

7) MIX - Qual seu sistema de amplificação?

Luiz - Atualmente estou trabalhando com uma coisa improvisada, uma potência feita em casa com caixas também caseiras. A curto prazo, pretendo comprar um amplificador de nível, que seria um Marshall.

8) MIX - Quais as suas cordas preferidas?

Luiz - Rotosound é que mais agrada, apesar de achar a GHS interessante, também.

9) MIX - E as nacionais, não prestam?

Luiz - Não, de jeito nenhum! Aquilo é arame de pendurar roupa!

10) Mix - Por que você não usa palheta?

Luiz - Normalmente quando o menino começa a estudar, ele usa palheta, por ser um negócio mais fácil de pegar. No meu caso, foi a mesma coisa. Mas, com o passar do tempo, eu me toquei que usando os dedos, no sistema pizzicato, se obtém um som muito melhor. Tocando dessa forma, eu consigo mais potência de som, trabalho dinâmico e brilho. São manhas que você descobre com o tempo, ninguém aprende na escola.

11) MIX - Você usa dois ou três dedos da mão direita?

Luiz - Eu trabalho da maneira clássica, com dois dedos. Existe também aquela técnica que utiliza o polegar, muito comum no Funk, e que eu incorporo também. Acho plenamente válido.

12) MIX -  Então você compõe no baixo?

Luiz - Sim, muitos dos Riffs da Chave, foram compostos em cima de frases, que eu peguei no baixo.

13) MIX - O que você acha de baixos "envenenados", com alavancas ou pedais?

Luiz - Quanto à alavanca, estou louco para ter uma! É fantástico, ela é utilíssima.Com relação aos pedais, eu particularmente não uso.Mas não é porque eu seja purista ou ortodoxo, acontece que usando esses pedaiszinhos, nas condições que você encontra aqui no Brasil, o baixo perde muito em ganho. No momento em que eu tiver condições financeiras para pesquisar em cima de coisas profissionais como racks de efeito,aí sim, poderei usar.

14) MIX - Por que você usa o instrumento bem acima da linha de cintura , ao contrário da maioria dos baixistas?

Luiz - Pois é, isso esteticamente até choca um pouco porque foge da tradição dos baixistas de Heavy e de Hard. Agora, tem também o lado técnico. Usando o instrumento mais em cima, você tem um alcance maior nas notas graves e uma presença total nas agudas. É uma garantia de maior precisão.

15) MIX - Qual a sua preparação antes de um show?

Luiz - Primeiro eu faço um aquecimento físico. É uma espécie de ginástica que não só eu, como os outros músicos da Chave fazem. Depois, já com o visual de cena, eu começo o trabalho com o instrumento, fazendo escalas, a princípio, bem devagar e aumentando a velocidade aos poucos para aquecer os dedos.

16) MIX - O que você acha da qualidade dos técnicos de som em shows de Rock?

Luiz - Isso praticamente não existe. Existem técnicos que são contratados para fazer shows de Rock e que fazem com a maior má vontade,nos tratam como moleques, não nos dão atenção nenhuma, e, se bobear, ainda tentam te derrubar. Eu conheço apenas uns três ou quatro com condições de enfrentar um show de Rock.

17) MIX - Muita gente do meio musical - instrumentistas - fãs, críticos- consideram você o melhor baixista de Rock do Brasil, e eu sou um dos que concorda com eles. O que você acha dessa colocação? Concorda com ela?

Luiz - A princípio, eu agradeço, fico sensibilizado por ouvir um negócio desses. Só que eu vou discordar, eu não me sinto um músico desse nível, existem baixistas excepcionais no Brasil.

Antonio Carlos Monteiro

Bem, após reproduzir o texto original, vou repercutir agora a minha opinião, hoje em dia, sobre tudo o que eu falei, sem poupar-me de autocrítica, em alguns aspectos. E claro, só adulterei o meu nome na reprodução... aonde posso cortar o apelido, o faço, naturalmente.

1) Verdade absoluta. Em 1986 eu havia completado dez anos de música.

2) Também correto. Não escondo de ninguém e nesta autobiografia já disse várias vezes, se eu pudesse voltar ao passado, investiria na bateria e não no baixo.

3) Verdade em termos. Comecei na verdade, na base da força de vontade, ao ter como instrução apenas algumas dicas muito preliminares dadas pelo guitarrista da minha primeira banda, Osvaldo Vicino (isso é contado em detalhes, nos capítulos sobre o Boca do Céu). 

Mas de fato, eu tive pequenas passagens infrutíferas por escolas de música. Em 1977, estudei alguns meses no Grupo Ama, uma escola bem popular entre Rockers, em São Paulo na década de setenta. Em 1978, tive uma passagem ainda mais curta por um conservatório chamado, Villa-Lobos, fato repetido em 1979, no conservatório Bela Bartok. Em 1980, cursei dois semestres na Fundação das Artes de São Caetano do Sul-SP, e parou aí a minha pequena experiência no aprendizado formal de música.

4) Uma verdade, mas edulcorada... de fato, eu desenvolvi um pouco, mas muito pouco mesmo da técnica do solfejo, porém logo desisti e me assumi como um analfabeto de pautas musicais.

5) Verdade. E está comigo até hoje.

6) Verdade, também. O fato de eu só ter um instrumento nessa época, foi apenas motivado pela mais reles das dificuldades: falta de recursos... 

7) Verdade, eu possuía um amplificador caseiro, mas a caixa era uma velha "Palmer" dos anos setenta. Nem sei por que não mencionei isso e preferi dizer que a caixa era caseira, também. O meu Duovox só incorporou-se nesse "time", em 1990, além da carreira d'A Chave do Sol, portanto.

8) Verdade. Continuo a gostar da marca Rotosound, dica do mestre Chris Squire, que aprendi ainda nos anos setenta. GHS chega bem perto desse nível de qualidade, também. Atualmente, também incluo nesse seleto rol de prediletas, a Elixir.

9) Quando ouvi essa pergunta, não tive dúvida em dar uma resposta contundente, como forma de protesto. Lembro-me do Tony Monteiro a gargalhar quando a ouviu, e a entrevista impressa repercutiu bastante, pois muitos músicos me abordaram posteriormente para concordar e rir da minha piada, mas que continha a força da verdade. Hoje em dia, acho que há marcas de cordas nacionais até razoáveis no mercado, mas naquela época, a produção brasileira era vergonhosa. Portanto, a alfinetada foi merecida.

10) Essa mesma pergunta me houvera sido feita dois anos antes, quando o mesmo jornalista, Tony Monteiro, entrevistou-me para a Revista Roll. Bem, fui sincero à época, mas hoje considero tais colocações completamente equivocadas. A ideia de que a técnica do Pizzicato é "superior", é uma falácia, para início de conversa. Pior ainda foi afirmar que dessa forma eu obtinha mais potência sonora... pasmem, pelo contrário, o contato da corda como dedo, enquanto ataque de mão direita, inibe o som, ao abafá-lo. Com palheta, ao contrário, a emissão é muito maior. E não resisto... de fato, são técnicas que se aprende com o tempo... por isso voltei a ser um "palheteiro" convicto desde 1992, e não quero nunca mais usar os dedos...

11) Verdade. Eu usava dois dedos, para tocar no uso da técnica tradicional de "pizzicato", como qualquer baixista que adota tal técnica. A questão dos três dedos que o Tony levantou, foi por que naquela década, o grande ícone do Heavy-Metal, o baixista do Iron Maiden, usava três dedos para potencializar o seu estilo baseado em em um tipo de divisão rítmica que lembra o movimento de um cavalo a cavalgar. Houve a lenda urbana que eu espelhava-me em tal músico, mas isso não corresponde à verdade, simplesmente porque nunca fui fã de Heavy-Metal, tampouco dessa banda, e muito menos desse músico. Daí a motivação da pergunta, tenho certeza.

12) Verdade. Muitas músicas d'A Chave do Sol nasceram de riffs que eu criei no baixo.

13) Essa foi uma das respostas mais estapafúrdias que eu emiti todas as entrevistas que já concedi na vida! Para que serve uma alavanca num baixo? É para ser usada como um efeito durante o show inteiro? Em todas as músicas? Queria ser o Jimi Hendrix das quatro cordas?  Hilário, pois neste caso eu não faria mais linhas de baixo, doravante, mas ficaria o show inteiro virado para a caixa do amplificador, a esperar pela incidência do "feedback" para explorar as possibilidades harmônicas da "utilíssima" alavanca ... que asneira...

Sobre a questão dos pedais, eu fui ainda pior nessa colocação! O que exatamente eu quis dizer com: "condições do Brasil?" Só pode ter sido uma menção ao fato de que pedais nacionais detinham baixa qualidade, na época (mas isso também mudou para melhor, a posteriori). 

Sobre pensar em usar racks, eu quis aparentar ser "moderninho" e não desapontar os leitores que se frustrariam ao saber que na verdade eu não ligava para isso. Hoje em dia, não tenho mais essa preocupação de ser polido para com a expectativa de leitores. Jamais gostei, e não acho que em algum dia irei gostar de efeitos no baixo. 

14) Bem, por tocar a usar a técnica pizzicato, acostumei-me a utilizar o baixo realmente mais alto, no ajuste ao corpo, acima da linha da cintura. Seria de fato, um estilo mais jazzístico de se apresentar e realmente destoava da maioria dos colegas. Talvez fosse mais confortável, é verdade, mas estilisticamente era bem feio, admito. Quando voltei para a palheta em 1992, época em que comecei a tocar com o Pitbulls on Crack, também revi esse conceito, e mexi na correia, ao ajustá-la para uma postura mais Rocker. E desde então, não me apresento de outra forma.

15) Reconheço que dei uma valorizada nessa resposta, a seguir o mesmo raciocínio de outras perguntas, onde no subconsciente, sabia que o leitor padrão de uma revista técnica, precisava ter mais elementos desse padrão para satisfazer a sua curiosidade mais detalhista sob meandros musicais. Então, super valorizei a ideia da preparação, que em algum momento da carreira d'A Chave do Sol, de fato ocorreu, mas foi por pouco tempo, em alguns shows de 1985, na época do EP e do Fran Alves a fazer parte da nossa formação. Falo sobre um aquecimento básico, parecido com o de atletas, mas aquecimento ao instrumento, propriamente dito, ocorria, mas jamais com o foco espartano que dei a entender na resposta. E depois disso, já a partir da minha estada no Pitbulls on Crack em diante, relaxei de vez e não fiz/faço absolutamente nada. Pego no instrumento na hora de subir ao palco e pronto, sem frescuras.

16) Outra alfinetada que aproveitei para dar e teve a sua razão de ser. Falei a verdade e muitos colegas que leram, concordaram comigo. Hoje em dia, evolui-se muito nesse sentido e existem escolas de áudio muito boas a formar profissionais e assim, o nível melhorou muito. Naquela época, ter um técnico bom e exclusivo, era raro e tivemos o Canrobert Marques muitas vezes a garantir a qualidade dos nossos shows, mas requisitado que o era, ele não podia ser nosso técnico, exclusiva e infelizmente, devo acrescentar.

17) Poxa, essa pergunta me deixou muito encabulado na época, e ainda deixa. Normalmente eu tenho como característica não absorver muito os elogios, mesmo quando sei que são sinceros e aí, tenho que me controlar para entender e aceitar isso, sem reservas para a pessoa que o formulou não achar que estou sendo falso modesto em recusar a honraria etc. e tal. Sobre a questão em si, eu não concordava em ser considerado o melhor, de forma alguma, e continuo a não concordar com essa afirmativa, tanto para aquela cena congelada nas páginas dessa revista de 1986, quanto em qualquer outro contexto. Contudo, reitero exatamente o que disse à época, isto é, sou muito grato ao Tony Monteiro por sua colocação, pela qual ele até assumiu ser a sua opinião pessoal, também. Sei da sinceridade dele, e de pessoas que ele ouvia a dizer o mesmo, e só posso ser grato por tamanha honraria!
Continua...

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