quinta-feira, 18 de junho de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 93 - Por Luiz Domingues


E esse estúdio detinha outros pormenores exóticos, além dos que eu já relatei. Não citarei nomes, para não causar constrangimentos, mas o fato é que haviam vários personagens ali. A começar pelo dono, que era um ex-monge beneditino, e confesso que ex-padre eu já conhecia, mas ex-monge, foi algo inusitado em minha percepção, devido ao fato de que geralmente para quem busca uma reclusão contemplativa, não há sentido em se voltar atrás, para buscar a reinserção na sociedade, ao menos em tese. 

Outro personagem exótico, foi o "vigia" do estabelecimento... que fora na verdade, o único elemento que dormia no local, em uma edícula sobre o estúdio. A sua função, além de prestar atenção nos ruídos estranhos da madrugada, que ameaçassem a integridade do estabelecimento, era também preparar o café dos funcionários e clientes. 

Até aí, tudo bem, fora o fato do rapaz ser um travesti, e estar "montado" vinte e quatro horas or dia... 

Mas ali no ambiente de trabalho, ele/ela não desmunhecava, apesar de estar vestido como uma mulher sensual; a usar saias curtíssimas e decote generoso; com direito a uma peruca feminina com o comprimento do cabelo, enorme e no uso de maquiagem pesada etc. Talvez por orientação da direção (muito provavelmente), portava-se de maneira muito discreta, e todos o chamavam pelo nome fictício, feminino. Contudo, quando o dono do estúdio queria repreendê-lo por alguma conduta inadequada, perdia a compostura e o chamava pelo nome real, masculino, e isso causava um constrangimento geral, ao se ver a mocinha ficar furiosa pela bronca, e muito mais por ser chamada por um nome masculino, certamente. 

Muitas vezes presenciamos broncas homéricas da parte do dono, do estúdio, a chamar a atenção do travesti, pelo fato do café estar impregnado com o odor de esmaltes fortes. O nome masculino da mocinha ecoava pelos corredores e ele/ela, rangia de raiva. 

Certa vez, nesse período em que gravitamos nesse estúdio, aconteceu um fato muito constrangedor. Foi preciso entregar uma fita ao estúdio, imediatamente, no período noturno, onde possivelmente não havia mais expediente, e dessa forma, a esperança de que a tarefa fosse cumprida a contento, foi no sentido de que teríamos de entregá-la ao travesti. Lembro-me que parei o carro e pedi ao Samuel Wagner, nosso roadie, e que me acompanhava nessa tarefa, que descesse e entregasse o material. 

Vi-o a tocar a campainha e a demorar para aparecer alguém para atendê-lo. De-repente, vi que ele se aproximou da janela de um carro que estava estacionado, e ao conversar com uma mulher, entregou-lhe o material. Quando voltou ao meu carro, eu fiquei intrigado e perguntei-lhe: -"Caramba, Samuel... para quem você entregou o material?" Pois fora para o travesti/vigia/barista do estúdio, que estava a namorar um rapaz dentro de um Corcel II...

E o que dizer dos clientes desse estúdio? 


Aspirantes a artistas popularescos, formavam o grosso da clientela, mas também havia astros decadentes desse mundo, ou submundo, como queiram.

Mas também era significativa a parcela de clientes sem pretensões musicais mais sérias, mas apenas interessados em gravar para satisfazer um desejo recôndito, ou mesmo para presentear a progenitora, namorada etc. Para esse tipo de cliente, geralmente usavam a alcunha de "disco de dentista", para designar tal parcela de pessoas, geralmente profissionais liberais, interessados em gravar um CD, por hobby ou outro motivo diletante qualquer.

Continua...

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