quinta-feira, 18 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 318 - Por Luiz Domingues


Marcamos essa reunião para um dia de agosto de 1986, que por azar não me recordo exatamente qual data foi, mas um fato ocorrido nesse dia, gerou uma situação dramática em meu caso, em específico. Estávamos muito animados com a perspectiva de conhecer os tais empresários e as suas propostas, mas sobretudo para conhecermos a infraestrutura alardeada em contatos telefônicos prévios. 

Naquela época, pré-internet popularizada como a vivemos hoje em dia, gravar uma demo-tape já era difícil, imagine um disco oficial, pois, para se fazer algo no padrão de um áudio profissional, só mesmo em estúdios caros, muitas vezes sob preços proibitivos. Portanto, para a nossa percepção de época, o fato desse escritório alegar conter um estúdio próprio de gravação, denotava que tinham poder de fogo, fora a credibilidade do Miguel Vaccaro Netto, como deixei claro anteriormente.

Marcada a data e horário, nos programamos para chegarmos pontualmente às 17:00 horas. no escritório-estúdio, que ficava localizado na Avenida Eusébio Matoso, bem próximo do Shopping Eldorado, em Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo.

Beto e Zé Luiz combinaram para chegar lá diretamente, e eu, por não possuir carro na ocasião (e nem sabia dirigir nessa época), combinei com o Rubens, de irmos juntos. 


Não tenho vergonha de dizer que apesar de todo o "momentum" promissor que a banda atravessava, s minha condição financeira pessoal à época, era marcada pela simplicidade, quase "franciscana". Os tempos oportunidades mais robustas que eu tivera em 1984, quando estava a tocar simultaneamente com o Língua de Trapo, haviam passado, e as minhas reservas estavam a esvair-se.
Tivemos bons cachês com A Chave do Sol, mas não sob um volume com artista mainstream que nos permitisse ter uma segurança financeira avantajada, semelhante à de duplas sertanejas de hoje em dia etc. Dessa forma, eu usava normalmente o transporte público, com tranquilidade, entretanto, muitas vezes passei por situações desagradáveis por conta disso, infelizmente. 


De volta ao foco desta passagem, o que aconteceu naquela madrugada que antecedeu o compromisso, foi que os motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo, deflagraram uma greve. E como não existia acesso à internet, eu só soube da notícia na hora do almoço, quando liguei a TV para almoçar, ao assistir o noticiário. Sem telefone, eu não tinha meios de ligar imediatamente para tentar um plano de emergência com o Rubens e assim, decidi antecipar a minha saída de casa, visto que o Metrô estava a funcionar normalmente. A minha ideia inicial foi ligar para ele, Rubens, através de um telefone público e já a caminho, e solicitar-lhe que me buscasse na estação Santa Cruz, onde eu costumava descer e seguir o trajeto para a casa dele, normalmente, através de um trólebus (que fazia a linha: "Estação Santa Cruz-Lapa").

Trólebus, para quem não conhece a cidade de São Paulo, são ônibus elétricos, uma tradição paulistana desde 1949, mas que poucas outras cidades brasileiras possuem. Apesar de sobrecarregado pela greve dos ônibus, o trajeto do metrô foi tranquilo. Cheguei no tempo normal em que estava acostumado gastar, do Tatuapé até a Vila Mariana, onde fica a estação Santa Cruz, naquela média habitual entre trinta e trinta e cinco minutos aproximadamente. 

Já no percurso a pé que fiz de minha casa até a estação Tatuapé (e eram apenas quatro quarteirões da minha residência à época), liguei para a casa do Rubens, mas não pude falar com ele, ao deixar recado com uma das empregadas da casa, a Maria. Não logrei êxito, e assim decidi não perder tempo, ao embarcar no Metrô, com a ideia de tentar um novo contato na estação Santa Cruz, assim que desembarcasse naquela estação da zona sul.

Assim que cheguei à estação, procurei um outro telefone público e refiz o contato. E novamente a Maria atendeu-me e não havia mudado nada no panorama, e eu comecei a ficar nervoso, pois ainda que tivesse antecipado a minha partida, o tempo urgia e se não houvesse uma carona do Metrô Santa Cruz até Pinheiros, o atraso poderia ser enorme e o que repercutia na minha cabeça enquanto apreensão foi o óbvio: o medo de causar uma péssima impressão de amadorismo, logo na primeira reunião com os tais empresários! Sem outra alternativa, pois não havia dinheiro para bancar um táxi, pus-me a caminhar, e de tempo em tempo pus-me a tentar novos contatos telefônicos para tentar a carona salvadora. 


O percurso entre a estação Santa Cruz e a residência da família Gióia na ocasião, localizada no Itaim-Bibi, bairro nobre da zona sul de São Paulo, não era um absurdo, impossível de ser realizado. Quem me conhece pessoalmente, sabe que eu sou um andarilho em potencial, portanto, caminhar é um prazer para mim.

O grande problema foi o fator tempo. Não incomodar-me-ia de forma alguma em caminhar, se não houvesse a urgência em chegar na casa do Rubens. Além desse temor por causar uma má impressão aos empresários, logo no primeiro contato pessoal.

Fui a andar e ligar. Mas seguidamente fui sendo informado pela Maria, que nada mudara. O percurso a pé, que dá para fazer em uma hora de caminhada, aproximadamente, mediante um ritmo de passeio tranquilo, teve que ser acelerado e claro que além de cansar mais, colocar-me-ia na situação inevitável de chegar esbaforido e suado, portanto, também inadequado para participar de uma reunião tão importante. 


Com a aceleração da caminhada, eu abreviei o tempo de percurso para quarenta minutos aproximadamente e quando cheguei à residência dos Gióia, tive a notícia triste que nada mudara e aí, os meus temores sobre a reunião, somado ao esforço que fiz para estar ali há tempo, chocaram-se com essa notícia, e sendo assim, fiquei desolado. Sem alternativa, resolvi prosseguir na caminhada, onde através de um percurso de distância igual, praticamente, teria a perspectiva de chegar ao escritório em quarenta ou quarenta e cinco minutos, portanto. 

Já estava colocar-me a andar, quando o Rubens apareceu, enfim, e seguimos de carro, para chegar com um ligeiro atraso, mas não vergonhoso, pois quando entramos no recinto, vimos que Beto e Zé Luiz estavam ainda sentados na recepção, a aguardar a ordem para adentrar o gabinete de reunião. Ufa...


Continua...  

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