quinta-feira, 18 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 322 - Por Luiz Domingues


O tal festival que iríamos participar chamava-se: "Baila Bala na Baleia", e foi realizado em uma espécie de chácara/sítio, fora do perímetro urbano de Santana de Parnaíba, cidade que fica localizada na região metropolitana de São Paulo, e faz divisa com alguns bairros do extremo sudoeste da capital paulista. 

O contato chegou diretamente para nós, através da Baratos Afins, onde conforme já relatei, muitos acertos de shows ocorriam diariamente para os artistas do elenco do Luiz Calanca, e muitas vezes para outros de fora, também. 


Seria um festival híbrido, que pretendia conter uma aura diversificada, como o Rock in Rio o fora em 1985, obviamente com uma estrutura muito mais simples, mas nem tanto assim, pela multidão que pretendiam atrair, e quantidade de bandas escaladas para o evento. Além disso, os seus organizadores ofereciam uma estrutura acima da média de outros festivais que ocorriam anos oitenta, e claro que nos animamos a participar, fora o cachê oferecido, que foi bom, não espetacular, mas em um padrão bem aceitável, e dessa forma, claro que aceitamos.

Alguns dias antes do evento, eu e Rubens fomos convidados a participar de uma reunião com a organização do evento, e ali recebemos crachás e orientações gerais sobre a organização do mesmo, além das particularidades técnicas do palco, e equipamento de som e iluminação.

Estávamos praticamente apalavrados com o Studio V, mas ainda livres para cumprir compromissos pré-agendados sem a presença deles como empresários, embora no Centro Cultural São Paulo, no dia anterior, e nesse, "Baila Bala na Baleia" do dia posterior, o casal Sonia & Toninho tenha comparecido, e mesmo sem colocar a mão na massa, já se portavam como os nossos empresários, e procuravam entender a nossa logística básica operacional em shows; a nossa equipe, técnica, as nossas necessidades de palco, e camarim etc.

Combinamos de nos encontrar com eles, Sonia & Toninho, no local, pois nessa ocasião eles moravam bem perto da divisa de São Paulo com Cotia, que fica perto, entretanto, a nossa saída da porta da residência do Rubens foi feita sob a ação de um comboio, com os amigos do Golpe de Estado, que participariam do Festival, também.

Uma lembrança que tenho na memória, é a do vocalista, Catalau, que chegou a bordo de sua "Brasília", e alucinado, a ouvir uma fita K7 com o som de Alice Cooper a irradiar pelo seu carro, quando parecia estar alheio à tudo, completamente absorto no som. 


E da fato, quando partimos, ele foi a viagem toda a dirigir e alucinar. Foram várias as vezes em que parados em semáforos pelo caminho, o vimos a delirar ao volante,para se contorcer e berrar: "Alice Cooper, Alice Cooper"...

Então, chegamos ao local do evento e verificamos que este era realmente grande, e iria lotar, pela fila que já existia na entrada. Não haveria soundcheck, devido à enorme quantidade de bandas a se apresentar, e claro que isso sempre foi uma temeridade para qualquer artista. 

Haviam várias atrações análogas para entreter o público, que dava a aparência de uma grande quermesse ao evento. Por exemplo, "brinquedos para sentir medo" (adrenalina rende dinheiro, sem dúvida), como em parques de diversão, muitas barracas com quinquilharias; comidas e bebidas, além de uma série de chalés bem montados e próximos a um bonito lago, com o objetivo de serem alugados para casais os usar para encontros amorosos reservados, e também barracas bem mais modestas, mas com o mesmo objetivo.

O palco mantinha uma estrutura apenas razoável no entanto. A impressão que tivéramos ao olhar a estrutura de palco, a incluir equipamento de luz e som, foi de que os organizadores haviam pensado em mil detalhes para fazer do evento um sucesso, mas houveram economizado no principal item da festa, pois se tratou de um equipamento apenas mediano ali disponível e o palco estava bem feio, a aparentar ter sido um tipo de montagem de madeira com ares diminutos; simplórios e ultrapassados. 


Seria uma longa espera, devido ao enorme número de bandas a se apresentar naquela noite, e assim, fomos conduzidos pela produção do evento a um charmoso chalé que serviria como camarim exclusivo para nós. Com os instrumentos e bagagens pessoais guardados, ficamos livres para circular e ver as atrações extra musicais e assistir alguns shows etc.

Mas não foi aconselhável andar sozinho, em meio à multidão, pois várias turmas formadas por punks; headbangers, e outras tribos agressivas igualmente, circulavam por ali e havia a clássica animosidade entre tais tribos, que geralmente iam às vias de fato em encontros dessa natureza. Fora os Góticos, Darks, e New Wavers, que também estavam sujeitos à intolerância, uns dos outros

De fato, lembro-me de estarmos a percorrer uma alameda do ambiente, quando nos encontramos com um grupo de punks que nos provocaram acintosamente para criar uma confusão, mas nós não caímos na armadilha, e deixamos para lá os impropérios proferidos, e a pecha de: "Iron Maiden" que nos imputaram, pela questão de nossas cabeleiras longas, embora não fôssemos uma banda de Heavy-Metal, e qualquer tentativa de explicação ali, seria morder um isca, tolamente, enfim... 


Mas o Beto era o mais temperamental entre nós, e sem a minha habitual resiliência monástica, chamou-os como: "Sigue Sigue Sputinik", que vinha a ser uma banda que usava um visual punk espalhafatoso, mas que fazia um som Pop comercial de baixíssimo nível, e que certamente os punks deviam odiar, por lhes conspurcar a imagem de durões que queriam manter etc. 


Sonia e Toninho estavam maravilhados com o tamanho do festival, e achavam tudo lindo, sem demonstrar muita noção prática do show business. De fato, eles eram do meio teatral e ele, Toninho, se dizia artista plástico (mais adiante nesta narrativa, eu vou aprofundar esse assunto sobre essa particularidade que ele alardeava ser), e nos deram a impressão de que não detinham discernimento sobre os meandros técnicos para um show musical, tanto que acharam tudo "bom", incluso o palco que deixava a desejar, e o equipamento inadequado para a magnitude do evento, mas isso não desabonara a confiança que estávamos a adquirir com eles, e toda a estrutura do "Studio V", que estava a nos ser oferecida. 

Mesmo por que, tal função logística haveria por ser cumprida no futuro por um profissional experiente por eles contratado, para ser o nosso roadie manager, assim esperávamos. De fato, não seria importante que eles, e nem mesmo o Miguel, fossem experts em produção de shows de Rock .O que queríamos e esperávamos da parte deles, seriam os contatos, venda de shows, assessoria de imprensa, e suporte para chegar a uma gravadora major. 

Na parte logística, nós indicaríamos os equipamentos e pessoas com as quais gostaríamos de trabalhar em shows e assim, o controle técnico ficaria ao nosso cargo, para nos oferecer tranquilidade.


Beto Cruz e eu (Luiz Domingues) a atuarmos com A Chave do Sol no show: Baila Bala na Baleia. 30 de agosto de 1986

As horas foram a se apresentar e quando finalmente nos chamaram para subir ao palco, a madrugada já findava-se e como era de se esperar, o público havia diminuído bastante. Fazia muito frio, e acredito que após uma maratona tão grande, nem mesmo artistas mainstream conseguiriam atrair um público maior naquele instante. Mas também não foi nada desprezível o contingente que se aglomerou frente ao palco para nos assistir.
Flagrantes do show d'A Chave do Sol no evento "Baila Bala na Baleia", em 30 de agosto de 1986.

Esse show, inclusive, rendeu até resenha publicada em órgão de mídia impressa, conforme relatarei logo mais. Nessa noite de 30 de agosto de 1986, além de nós e do Golpe de Estado, também se apresentaram: Os Inocentes, 365, Nau, Muzak, Cólera, Prysma, Ness, SOS e Vultos. Segundo a organização, cinco mil pessoas estiveram presentes, e no meu "olho clínico", acredito que essa conta foi acertada. 


A justificativa para o exótico nome do evento, "Baila Bala na Baleia" foi que a motivação teria sido chamar a atenção do público para a causa ambientalista, contra a matança das baleias e supostamente parte da renda seria destinada à tal organização ecológica. Nessa época, a denominação: "Organização Não Governamental - ONG" não era popular. Talvez já existisse e corrijam-me se eu estiver errado, mas poucas pessoas sabiam do se tratava, realmente. 

Apesar de uma causa muito justa e digna de apoio, soou exótico naquela época, aderir tão rapidamente como se tornou normal anos depois, e hoje em dia, temos centenas de ONGs a trabalhar por aí. Se o dinheiro prometido pelos organizadores realmente teve esse destino, eu não faço nem ideia. Apenas torço para que sim. E sim, salvem as baleias...

Tivemos outros compromissos agendados, mas antes disso, foi o momento para a mais uma importante reunião, desta feita para conhecer o "Big Boss" do "Studio V", e essa história tem muitas particularidades a serem descritas...

Continua...

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