segunda-feira, 22 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 354 - Por Luiz Domingues


De volta a São Paulo, Miguel nos informou que mesmo antes de ter a resposta da Warner, voltaria a adotar uma estratégia paralela, em relação à busca de um padrinho famoso pra nós.  Um fator não desabonaria a outra, e independente de sermos contratados ou pela referida companhia (e ele dava como certo o nosso contrato com aquela companhia "major"), em sua opinião seria importante para nós, termos um padrinho famoso, para todo tipo de situação e não apenas para ajudar a ingressar em uma gravadora de porte.

Tudo bem, aprovamos certamente tal determinação da parte dele, e daí, telefonemas foram disparados para o Rio de Janeiro, a buscar contato com Erasmo Carlos.
Mais uma cartada de esperança para nós: Midani e Erasmo eram amigos de longa data, e ambos, amigos do Miguel...

Gostávamos dele, sem dúvida e eu, em particular, gosto muito de sua obra e dele como artista e mesmo não o conhecesse pessoalmente, sempre tive ótimas referências dele como pessoa, passadas por amigos meus que o conhecem, e atestam que era de fato, um tremendo Ser Humano, sem afetações, estrelismos e afins. Estava, portanto, aprovadíssima tal escolha e seria um prazer ter o Erasmo a nos brindar com as suas bênçãos artísticas.

Ao ir além em minha análise pessoal, apesar dele ter o seu ganha-pão na seara do Pop romântico, através de suas parcerias com Roberto Carlos, na verdade a sua carreira solo é sensacional ao meu ver, e por conta de seu lado Rocker, muito acentuado. Em minha percepção, em meio a muitos artistas muito duvidosos que faziam parte da cena da Jovem Guarda, Erasmo era um dos poucos, senão o único Rocker, ali inserido (com menções honrosas para Eduardo Araújo & Silvinha, Leno & Lilian, Os Incríveis e Ronnie Von, a grosso modo).

Todavia, admiração a parte, demos azar também com o tremendão...

Após muitas tentativas para estabelecer um contato telefônico, finalmente o Erasmo falou com Miguel e declinou do convite, ao alegar estar a passar por uma fase difícil, com problemas particulares. Bem, artista também é humano, e passa por intempéries na vida, como todo mundo.

Constatado mais uma revés nesse sentido, uma investida em um eventual terceiro nome da lista, não foi cogitada logo a seguir. Talvez Miguel tenha esperado sair o resultado da gravadora, se nos aceitavam ou não, e adiou essa busca paralela, momentaneamente. Contudo, isso nunca mais ocorreu de fato, e tal conversa sobre "apradinhamento" não foi mais mencionada no casarão.
Entrevista que concedemos ao jornalista, Tony Monteiro, para a Revista Roll, já nas dependências do casarão do Studio V, e publicada em setembro de 1986

Enquanto esperávamos a resposta da Warner, claro que estávamos ansiosos e foi um raro momento naqueles meses de euforia total, que uma linha de pensamento nem tão positiva nos acometeu. Por alguns dias, sem perspectivas de shows em vista, e sem a resposta da gravadora, relaxamos um pouco em nossa rotina de ensaios. Com a demo gravada, e sem shows marcados em um curto prazo, a nossa ansiedade nos contaminou um pouco, ao tirar-nos um pouco da nossa clássica obstinação em ensaiar.

Outro ponto a ser analisado, foi que o repertório estava gigantesco. Dessa forma, chegamos à conclusão que deveríamos estabelecer um verdadeiro "controle de natalidade", pois já tínhamos material suficiente para um álbum triplo, caso fôssemos contratados para gravar um disco oficial. Não haveria portanto, a necessidade de compormos mais músicas naquele instante.

Não obstante tal constatação, o Beto ainda sinalizara estar em grande fase criativa e continuava a nos dizer que detinha ao seu dispor, mais riffs, ideias para melodias e letras para apresentar-nos.   
Ainda em novembro, e antes da Warner se manifestar, a Sonia agendou-nos duas entrevistas. Eu diria que toda oportunidade para   aparecer na mídia é sempre importante para qualquer artista, independente de ser um órgão de imprensa grande ou pequeno. E muitas vezes, independente de seu tamanho, é preciso considerar se ele é adequado ao tipo de exposição que o artista necessita para expandir-se.

Por exemplo: eu nunca recusei uma solicitação de entrevista para ninguém, mas questionaria, internamente a analisar, a eficácia de aparecer em uma publicação com pouca ou nenhuma identificação cultural, mínima que seja. Feitas tais considerações, agora fica mais fácil para o leitor entender aonde eu quis chegar.

Ocorreu que a Sonia nos agendou uma entrevista em um jornal esportivo, chamado: "A Gazeta Esportiva". Não era um órgão pequeno, pelo contrário, tratava-se de um dos maiores jornais esportivos do país, e com larga tradição no mercado editorial brasileiro. Não foi, no entanto, um total disparate ser entrevistado ali naquele veículo, pois a despeito de ser uma publicação dedicada ao esporte em geral, e com ênfase quase total ao futebol, havia uma pequena seção cultural, onde artes, espetáculos e cultura em geral, eram tratadas.

Fomos à redação da Gazeta Esportiva, que ao contrário do que se poderia imaginar, não ficava instalada no histórico prédio da Fundação Cásper Líbero, na Avenida Paulista, mas que usava uma ala da redação da Folha de São Paulo, em Campos Elísios, bairro central de São Paulo. 

E por estar instalado ali, gerou uma fantástica história, que tenho o orgulho de contar: Naquela época, a Folha de São Paulo mantinha a sua gráfica alojada no mesmo espaço, na Alameda Barão de Limeira. Só anos mais tarde, nos anos noventa, inauguraria um parque gráfico gigantesco e moderno, em um bairro afastado da periferia da zona sudoeste da cidade. Portanto, a Gazeta Esportiva também era produzida ali na gráfica da Folha.

Chegamos à redação um pouco adiantados em relação ao horário marcado para encontrar o jornalista que entrevistar-nos-ia. Enquanto esperávamos para sermos introduzidos à sala de entrevista, um rapaz da gráfica, me chamou.

Com o seu uniforme inteiramente sujo de graxa, pois estava a trabalhar a todo vapor, perguntou-me se eu e os meus companheiros aceitaríamos conhecer o seu ambiente de trabalho. Era um rapaz simples, mas a sua educação e simpatia nos cativou, e liberados pela Sonia, que sabia que ainda teríamos alguns minutos livres, fomos com ele ao andar da gráfica. ao chegarmos lá, fomos surpreendidos, pois o rapaz nos apresentou aos seus colegas a dizer: -"Amigos, estes rapazes são componentes da melhor banda de Rock do Brasil... A Chave do Sol!"

Pois o rapaz era um fã da nossa banda, e não havia acreditado que estávamos a circular pelos corredores das instalações da Folha de São Paulo.

Foi surpreendente e nos comoveu muito, não só pela iniciativa que ele teve em fazer tal festa para nós, mas também pelo fato de que percebemos que os nossos esforços ao longo de quatro anos de trabalho, nos haviam proporcionado perdermos a noção real de nossa popularidade. Tínhamos fãs espalhados em muitos lugares e aquele rapaz nos fez entender isso, ao nos orgulhar de todo o esforço feito até então. E ele também estava de parabéns por que teve uma bela atitude, ao nos presentear daquela forma, com uma carga de emoção e humanidade, muito tocantes.

Despedimo-nos dele e dos seus colegas e voltamos à sala de entrevistas para conversar com o repórter. Essa foi, que eu me lembro, a única entrevista que concedemos a um órgão de imprensa, a levar em consideração aquela determinação ridícula que fora imposta pela Sonia, na questão de usar a mentira para revelar as nossas respectivas idades cronológicas...

Não tivemos escapatória nesse caso, pois a Sonia acompanhou a entrevista de perto, sentada em uma poltrona próxima de nós, e o repórter, setorista de cultura do jornal, já vinha com esse cacoete editorial, provavelmente instruído por seu editor, e certamente amparado pelo fato de ser um setorista acostumado a entrevistar atores e atrizes de TV, onde tal dado, é considerado importante.

Na prática, foi algo absolutamente ridículo, pois na época eu tinha vinte e seis anos completos, e disse ao repórter ter vinte e quatro...

Senti-me realmente constrangido em mentir, e pior, para sustentar uma bobagem sem tamanho, pois que diferença faria ao leitor que eu tivesse dois anos a menos da minha realidade cronológica? 

Que diferença faz para a imagem de uma artista com vinte e seis anos de idade, fazer com que o público acredite que ele tenha vinte e quatro?  Bem, claro que nenhuma, e ainda bem, paramos de obedecer a Sonia nesse quesito, ao nos libertar desse paradigma idiota. Fora essa bobagem, a entrevista foi bem trivial, como seria de se esperar em meio a um órgão não especializado em música. 

Ao escrever isso em junho de 2015, falta um mês para eu completar cinquenta e cinco anos de idade, deixo claro aqui. E a minha idade mental é de quinze, eternamente, ha ha ha...
Eu, Luiz Domingues, aos quinze anos de idade, em 1975, época em que enlouquecia a ouvir o programa radiofônico: "Kaleidoscópio", e igualmente com a leitura da revista: "Rock, a História e a Glória"... e que de certa forma, mesmo ao completar cinquenta e cinco em 2015, permaneço o mesmo Rocker sonhador..

Continua...

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