segunda-feira, 29 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 372 - Por Luiz Domingues

Estávamos escalados para fazer dois shows na cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo. Seria aniversário daquele município e a prefeitura local desejou promover uma grande festa, com um palco montado em uma de suas praias, e com isso houve a promessa de que arrebataria uma grande multidão.
Bem, isso por si só, já foi sensacional e ajudou a nos dar a sensação de que estávamos a recuperar rapidamente o fôlego, após o rompimento com o Studio V, e a enorme frustração gerada pela falsa expectativa criada por parte dessa produtora, de que seria "fácil" o nosso encaminhamento ao mundo mainstream por intermédio deles. 

Porém, não tratar-se-ia apenas de uma boa oportunidade de fazer um show portentoso para uma multidão, por que envolveu uma série de desdobramentos de bastidores, que ao nosso ver, foram ainda mais interessantes. Tudo começou ainda ao final de março, quando os amigos da banda "Proteus", que foi uma banda que despontara no cenário do Hard-Rock paulistano oitentista, nos alertou que a gravadora BMG-Ariola estava a abrir as suas portas para o Rock pesado e eles, além de muitas bandas, estavam a encaminhar material para a devida avaliação dos mandatários dessa gravadora, e com um detalhe, segundos nos disseram, não havia empecilhos e filtros, portanto, tratar-se-ia de uma porta real a se abrir.

Claro, a BMG-Ariola houvera sido muito grande na história da indústria fonográfica brasileira, mas naquela época, estava aquém de algumas concorrentes suas do mercado e assim, foi possível até entender que não tendo naquele instante, o mesmo status de outrora, talvez estivesse com uma proposta mais humilde e aberta a receber artistas distantes do mainstream para avaliações mais democráticas e sem contaminações com o tráfico de influências, como outras majors que estavam por cima no ranking, naquele instante, observavam.
O saudoso Alex, baixista do Proteus, um bom amigo que nos deixou precocemente.
Joe Moghrabi e Ciro Botini, outros membros do Proteus, também. Joe embrenhou-se no mundo do virtuosismo da escola musical, Jazz-Fusion, após o término das atividades dessa banda, e é muito respeitado nesse meio, e também no mundo didático da guitarra nos dias atuais. Quanto à Ciro Bottini, ele é um apresentador de sucesso, há décadas, a atuar no canal Shoptime, braço comercial dos canais Globosat.

Sabedores disso, e com material na mão, pronto para ser entregue, corremos para o escritório da BMG-Ariola, e o contato inicial sugerido pelos amigos do Proteus, não foi com o diretor de repertório, mas um divulgador de obras da empresa, conhecido por um apelido sui generis: "Bip Bip" (Marco Correa era o seu nome real). 
Esse rapaz, era experiente no meio, conforme apuramos, por trabalhar na empresa há anos como divulgador, e para quem não conhece a hierarquia na indústria fonográfica, o cargo de "divulgador" era muito importante na estrutura dessa indústria. Esses profissionais eram os responsáveis para espalhar os discos produzidos pelas empresas em todas as emissoras de rádio, TV e imprensa escrita, a promover os artistas e a sua obra. 

Antes mesmo de se criarem departamentos de assessoria de imprensa internos, as empresas delegavam aos seus divulgadores tal função e por décadas, foram os divulgadores que agendavam aparições dos artistas nos programas de TV, entrevistas nas emissoras de rádio, e na imprensa escrita. E a "cereja do bolo" para tais profissionais, foi prover a total distribuição dos discos nas emissoras de rádio de todo o Brasil, a garantir a massificação da obra, e houve época, que isso foi TUDO na vida de um artista...
Nos anos oitenta e no caso, já a caminhar para o final da década, essa logística já se conspurcava, pela cada vez maior presença da instituição vergonhosa do "Jabá", portanto, o poder de influência pessoal dos divulgadores, estava a diminuir, ao fazer com que o seu papel estivesse a ser reduzindo drasticamente, e assim remetê-los a uma condição de simples como office-boys, para levar o material às rádios, pois a execução ou não das "músicas de trabalho" de seus artistas, estava condicionada a outro tipo de acordo de bastidores, digamos assim, de forma amena.

Bem, feita essa breve explicação, "Bip Bip" era um divulgador experiente, apesar de ser ainda jovem, a aparentar ter "trinta e poucos anos" na ocasião. 
Esse exótico apelido, que remetera ao intrépido personagem dos desenhos animados (a ema, "Road Runner", oficialmente em inglês, mas também conhecida como: "Papa-Léguas", ou "Beep Beep" pelo ruído que emitia, e aportuguesado para, "Bip Bip").

Ele detinha esse apelido, pelo motivo de ser um sujeito elétrico, tal como a ave do desenho animado, além de muito magro fisicamente, também uma característica da personagem.

Bip Bip era um rapaz receptivo, falante e com muita energia conforme constatamos quando o conhecemos pessoalmente. Muito objetivo e sem nenhuma afetação por trabalhar e conhecer os meandros de uma companhia fonográfica de porte, era simples, humilde, acessível, portanto, convenhamos, algo raro, entre funcionários dessa indústria que geralmente ostentavam "Síndrome de Bozó", insinuada pelo uso do crachá ostensivo pendurado no pescoço, e atitude arrogante, decorrente.
Nessa conversa preliminar que tivemos com ele (eu e Rubens fomos nessa primeira abordagem), ele nos falou que antes de mostrarmos o nosso material para o diretor de repertório da empresa, teria uma proposta a nos fazer.

A Rede Bandeirantes de TV iria transmitir ao vivo, um grande show a ser realizado em uma praia de Caraguatatuba-SP, organizado pela prefeitura local, em comemoração ao aniversário daquela cidade praiana. Não haveria cachê, mas a exposição midiática advinda, seria um tremenda oportunidade de investimento na carreira, e mais que isso, a gravadora enxergaria com "bons olhos" quem se dispusesse a participar.

Claro, não haveriam despesas e toda a infraestrutura estaria garantida, com um bom hotel, restaurante, transporte e a garantia de que o equipamento de som e luz seria de grande porte, com uma empresa de primeira linha no mercado, contratada para garantir tal qualidade técnica.
Bem, não vivíamos mais a euforia total de 1986, e estávamos a nos reconstruir naquele instante, porém, interpretamos isso tudo como uma grande oportunidade.

Além do mais, independente do esforço extra e quase prosaico com o qual a irmã do Zé Luiz faria para tentar mais uma abordagem na Warner, se a BMG-Ariola estava a abrir portas, a nossa obsessão pela Warner ou outras gravadoras que gozavam de maior prestígio na ocasião, deveria ser repensada, para tivéssemos uma nova mudança de rota. Dessa maneira, aceitamos participar do evento.
Continua...

2 comentários:

  1. Oi Luiz, adorei relembrar os anos dourados do Rock brasileiro. Hoje continuo elétrico e ainda divulgando. Obrigado pelas palavras de carinho. Abçs Bip Bip

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    1. Que sensacional, Marco "Bip Bip" Correa. Fiquei feliz com a sua visita ao Blog e que este capítulo que o cita, tenha provado a nostalgia de uma boa época que vivenciou!

      Aproveito para lhe agradecer mais uma vez pela ajuda que deu à nossa banda na ocasião! Fico feliz por saber que esteja bem e a trabalhar com o que ama fazer e o faz muito bem.

      Grande abraço!

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