sexta-feira, 26 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 364 - Por Luiz Domingues


Sonia e Toninho mantinham amizade com o colunista de TV e "celebridades" do jornal, "Popular da Tarde", Arley Pereira. Ele de fato foi um jornalista famoso nesse mundo, e essa nota postada acima, denotou que queriam mostrar serviço para nós, mas na prática, foia só isso... uma nota.

Após o show na cidade litorânea de Itanhaém-SP, tínhamos enfim um show vendido a um contratante, por intermédio do Studio V.

Não comemoramos o fato, no entanto, por que estávamos fartos da inoperância da parte deles, e apesar de estarmos ainda a lhes dar um voto de confiança, um show apenas não sinalizara exatamente uma mudança de comportamento da sua parte. E para agravar a má impressão, o show vendido seria realizado em uma minúscula cidade localizada no interior de São Paulo, que particularmente eu conhecia, e por conta disso, sabia de antemão que foi inacreditável marcar um show de Rock ali naquele município. Por que?

Bem, tratou-se de Águas de São Pedro-SP, um dos menores municípios do estado de São Paulo e naquela época, não devia ter muito além de dois mil habitantes, segundo dados oficiais do IBGE.

Era (é) uma cidade cuja economia era gerada pelas suas termas, exclusivamente. Na qualidade de uma estância climática, vivia da economia gerada pelos seus turistas & pacientes, que a procuravam para tratamentos reumáticos à base de banhos de imersão, com diversos tipos de águas sulfurosas e ricas em minerais com propriedades terapêuticas.

A resumir: Águas de São Pedro, pelo seu tamanho minúsculo, só atraia visitantes idosos em sua maioria, e a população autóctone, também continha idosos em maioria, pois os jovens ao atingir a idade escolar do ensino médio, já buscavam oportunidades em cidades vizinhas de maior porte, caso por exemplo de Piracicaba, distante poucos kilometros dali e esta sim, com porte de cidade grande a conter universidades e infraestrutura muito boa.

Então, foi inacreditável que um contratante tivesse procurado-os para nos contratar. Produzir um show de Rock em uma cidade daquele porte, onde só haviam idosos, praticamente, foi uma loucura, sob uma primeira análise. Mas se o contato ocorreu, e o rapaz aceitou pagar o nosso cachê, vamos lá, então, pensamos...

No dia do show, na hora do almoço, o rapaz em questão apareceu no escritório do Studio V e nos conduziu em sua clássica "Kombi", que transportou os nossos instrumentos e equipamento backline básico. Em um outro carro, seguiram os demais, a nos acompanhar.

O rapaz era muito simples e dirigiu o tempo todo a brincar, rir, contar piadas e sobretudo ao se mostrar muito animado com a realização do show.

Eu tive muitas dúvidas sobre tal produção, mas longe de minha intenção em ser desagradável ao ponto de jogar um balde d'água gelada no rapaz, portanto, não retruquei de forma alguma as suas colocações exageradamente otimistas sobre o eventual sucesso de público que teríamos. Bem, foi torcer para a minha má impressão estar errada e o otimismo dele prevalecer.

Chegamos à cidade e nos instalamos em um dos hotéis da única avenida da cidade e que tem apenas isso, praticamente, hotéis em toda a sua extensão, e para todos os tipos de bolsos, de pequenas pousadas baratas, até hotel de luxo e ao estilo hotel fazenda.

Além dos hotéis que tem como atração máxima as instalações para os banhos de imersão, as fontes públicas para se beber diversos tipos de águas com propriedades minerais específicas, compõe as atrações principais da cidade. Fora dessa conjuntura, só mesmo a contar com fãs que viriam de Piracicaba ou outras cidades na região, pois ali, só haviam idosos e crianças, em maioria esmagadora.

Bem, o nosso contratante era um funcionário do hotel onde nos hospedamos e mesmo a saber que certamente conseguira o seu apoio, a minimizar as despesas dessa produção, tudo ainda se mostrou bem nebuloso antes do evento.

Fomos ao soundcheck e o local foi um salão um pouco afastado desse centro da cidade, mas entenda-se como algo muito perto, dada a dimensão minúscula do município. Para se ter uma ideia, acho que a rua onde eu moro atualmente (2015), com cerca de quinhentos metros de extensão, dada a quantidade de condomínios existentes, creio ter certamente o triplo de moradores. Tratava-se de um salão de festas bem modesto, e a única justificativa para o show não ser realizado no mesmo ambiente mas de um hotel daquela avenida citada, certamente foi pelo fato desses estabelecimentos observarem o caráter de verdadeiras casas de repouso, a hospedar pessoas idosas em predomínio, e onde o barulho, mesmo que houvesse uma proteção acústica, incomodaria de forma absurda.

Segundo o rapaz, haveria presença de muitos fãs vindos de Piracicaba, principalmente. Assim esperávamos...

Para nos mostrar serviço, Sonia e Toninho sinalizaram com uma entrevista através de uma emissora de rádio de Piracicaba, onde mantinham amizade com um comunicador popular daquela estação, chamado: Paulinho Leoni.


Realizamos tal entrevista por telefone, diretamente do hotel onde estávamos e esta foi bastante caótica por conta do retorno ruim, que tornou-a quase um "samba do crioulo doido", dada a confusão gerada por perguntas e respostas desconectadas entre si. Mesmo assim, o comunicador que era bastante simpático, se esforçou para não deixar a peteca cair e assim, levou no bom humor alguns deslizes cometidos por ambas as partes por conta dessa audição prejudicada. E assim foi a nossa confusa entrevista concedida à Difusora FM de Piracicaba...

Voltamos ao hotel, e após o jantar, fomos em definitivo para o local do show. Realmente, o público se mostrou bem pequeno quando chegamos, e se tornou difícil acreditar que aumentaria na hora específica em que começaríamos a tocar. O nome do salão era prosaico: "Pork's", e o público presente no balanço final da noite, contabilizou-se em sessenta pessoas presentes, tão somente.

Fizemos o show com a mesma desenvoltura de sempre, evidentemente. E o público respondeu muito bem, mesmo por que, foram poucos, mas bem animados e entre eles, houve muitos fãs da nossa banda, vindos de Piracicaba, principalmente, mas também de São Pedro-SP, cidade vizinha e outras localidades próximas.

Não houve, praticamente, habitantes de Águas de São Pedro ali presentes, e várias pessoas me disseram que ninguém na região acreditou quando surgiu o boato de que tocaríamos ali, pois tal município sempre foi considerado na região, uma cidade formada por idosos apenas, a buscar o alívio de suas dores reumáticas nos famosos banhos de imersão dos hotéis e nada mais. Bingo! Dessa fama, até eu mesmo já sabia desse fato, desde criança...

O rapaz que nos contratara, estava desolado. Deve ter amargado um prejuízo gigantesco por essa aventura maluca, mas como morador da cidade, como não dimensionou a completa inaptidão dessa cidade para promover shows de Rock?

Fãs de Piracicaba que nos abordaram, lamentaram profundamente o fato do nosso show não ter sido realizado em sua cidade, pois o transporte público entre as cidades, apesar de serem muito próximas uma da outra (cerca de dez kilometros), era deficiente e por isso, inibira uma maior profusão. De fato, Piracicaba é uma cidade com grande estrutura e não por acaso, eu toquei nessa cidade por três vezes, com o Língua de Trapo (no bonito Teatro Municipal), uma com o Pedra e outra com o "Nudes" de Ciro Pessoa, ambas na unidade do Sesc, tendo sido sempre agradável.

Fiquei com pena do rapaz, pois ele pareceu ser um aventureiro incauto e sem recursos para aguentar adversidades dessa monta, portanto, o seu sonho de se tornar um empresário cultural, acabara ali mesmo, na primeira tentativa.

E senti vergonha, também, pois o Toninho, após o show, atazanou o rapaz, a insistir para que ele marcasse um show extra. A sua argumentação foi baseada no sentido de que já estávamos alojados na cidade e por ser uma sexta-feira, o boato desse show extra animaria os fãs de Piracicaba a comparecer em massa, no dia seguinte... e para piorar, reservadamente para nós, afirmou que estava quase a convencer o contratante e que arrancaria mais dinheiro dele. Em sua ótica, ele devia achar que nós aprovávamos tal tipo de ação predatória, a agir com agressividade em prol dos nossos interesses, mas realmente isso nos constrangeu.

Naquela madrugada, a conversar no hall social do hotel, lembro-me de que eu (Luiz), Beto e Edgard, o nosso roadie, conversamos sobre a produção equivocada que foi aquele show e ficarmos com pena do rapaz, por ter mergulhado nessa loucura, sem ninguém mais experiente que o orientasse.


Na manhã seguinte, ele cumpriu regiamente a sua palavra, ao pagar o cachê acordado e nos levar de volta à São Paulo, mas ao contrário da viagem de ida, ele dirigiu durante o trajeto inteiro em profundo silêncio, a denotar que estava a absorver o revés.

Foi a priori, o único show vendido pelo Studio V, em todo o período em que tal escritório trabalhou conosco. E o show realizado em dezembro, no TBC de São Paulo, foi a única produção própria da parte deles. Portanto, no cômputo geral em meio a meses de trabalho, foram somente duas iniciativas, o que significou algo ridículo como desempenho, e ainda mais em por se considerar a imensa bravata com que nos impressionaram logo no início, ao alardear sobre um poderio que ostentavam e que na prática, não passara de um "traque", a contrastar com as ogivas nucleares que diziam possuir.

Ao voltarmos para São Paulo, queríamos respostas mais rápidas e contundentes da parte deles, não somente sobre a criação de uma agenda concreta e sustentável, mas pela completa ausência de sinalização do Miguel, que após a recusa da Warner para nos contratar, não demonstrou mais o ímpeto necessário para estabelecer novas tentativas em outras gravadoras.

E assim foi o show em Águas de São Pedro, realizado em um salão modesto chamado: "Pork's", perante sessenta pessoas, e apesar dos pesares, foi bem animado. E deixo claro, tal cidade não é adequada para shows de Rock, mas certamente é um passeio que eu recomendo pela sua beleza bucólica, paz profunda, e rara em meio a um mundo moderno cada dia mais estressado.


Continua...
    

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