sexta-feira, 19 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 330 - Por Luiz Domingues

Nesse ínterim, começou também uma série de reuniões convocadas pela Sonia. Ela deu-nos abertura para falarmos sobre o nosso universo do Rock underground, e o que queríamos atingir, mas trazia-nos todo um lado diferente, do metiér artístico fora do mundo do Rock, e mais centrado no ambiente do teatro e da TV, que era a sua área, ao menos supostamente, pelo que nos dizia.

Dizia-nos ter produzido mais de noventa produções teatrais, tendo sido agente pessoal de atores famosos da dramaturgia nacional, como por exemplo, Felipe Carone (já falecido há tempos e de quem ela afirmava que tinha um mau hálito impressionante, que ele disfarçava ao fumar charutos o tempo todo, aliás, o que é pior, nesse caso, em termos de odor?), e Regina Duarte.

Eu sabia que esse tipo de abordagem para tais artistas da dramaturgia, existia, mas que não era algo usual no meio Rocker, e muito mais normal em setores popularescos. Trata-se da prática conhecida como: "gerenciamento de carreira", onde o artista é preparado para se portar em entrevistas, lidar com fãs, como se vestir etc. Esse tipo de procedimento funciona bem em setores popularescos onde tudo é mais importante que a música. No mundo popularesco, é primordial ter esse tipo de controle sobre um artista contratado, por uma razão muito simples, e por favor que ninguém se ofenda, pois não é minha intenção desdenhar de ninguém: o baixo nível educacional e cultural das pessoas envolvidas, que, muitas vezes, nem alfabetizadas adequadamente, são.
Mas em nosso caso, sem querer gabar-me de forma alguma, esse tipo de abordagem seria invasiva, inadequada e fora de propósito, porque no nosso metiér, a música vem em primeiro lugar, e não a roupa que usamos, corte de cabelo, e o que devemos dizer a jornalistas, pois o tipo de jornalistas com os quais lidávamos eram setoristas, portanto, profissionais capacitados que falava a mesma linguagem, e não desavisados que não detinham discernimento algum sobre o assunto.

Mas, claro que não geramos empecilho algum e aceitamos fazer as trais reuniões de gerenciamento de carreira, com a mente aberta, dispostos a não desdenhar ou debochar dos conceitos estapafúrdios que seriam ditos, e pelo contrário, abertos a absorver algo que nos fosse útil de alguma forma, desde que não ferisse os nossos propósitos, enfim.

A primeira reunião realizada com Sonia e o seu consorte, Toninho, foi hilária. Ela fez todo um mise-en-scené, com um preâmbulo dramático, para nos exaltar a não escondermos nenhum informação dela, e que deveríamos lidar com ela, como se ela fosse a "nossa mãe" etc. e tal. Nos entreolhávamos com vontade de rir, mas estava acontecer, fora inevitável...

Posteriormente, ela nos falou que precisava saber se consumíamos drogas, ou tínhamos outros vícios. Bem, exageros melodramáticos a parte, não acho que estivesse errada em deter essa preocupação, pois é sabido que muitas carreiras são abreviadas por conta de artistas que abusam dessa prática.
Foi bastante constrangedor, no entanto, pois a conversa enveredou para a bebida alcoólica, e aí, os ânimos se acirraram um pouco, pois entrou-se no mérito da moralidade sobre drogas serem condenáveis e bebidas, tão nocivas quanto, liberadas e a Sonia percebeu que aquele não fora o objetivo que queria atingir, e assim, tratou por dar um basta na conversa...

Uma outra reunião foi marcada para falar sobre figurinos e corte de cabelos. Nessa, mais amena, perceberam que as nossas cabeleiras longas tinham um propósito, e não havia cabimento em propor cortes curtos e coadunados com outras estéticas, embora o modelo deles, sempre citado como exemplo de sucesso, fora o: "RPM", então na crista da onda.


No quesito do figurino, não fizeram restrição à nossa indumentária habitual de shows, mas exigiram um melhor apuro nos trajes a serem usados no cotidiano, e em ocasiões sociais em que diziam que seríamos inseridos. Nesse aspecto, tiveram razão, concordo.
Outra questão, curiosa e absolutamente ridícula colocada por ela, se deu em torno de um conceito que é típico no meio televisivo, mas não faz sentido algum entre nós, Rockers. Para atores e principalmente atrizes da TV, a questão da idade é primordial. A ordem é tentar parecer ser jovem o máximo que se pode, e não é à toa que tais artistas submetam-se a tantas cirurgias plásticas e tratamentos mil para driblar a ação do tempo.

Mas para nós, isso não faz nenhuma diferença. Rocker não está nem aí para a idade, por que nada é mais importante do que a música e se faço música de qualidade, o que importa ao fã se eu tenho vinte ou cento e vinte anos de idade?
Nesse sentido, Rockers herdaram a tradição dos velhos bluesman, que tem enorme longevidade, e muitas vezes conduzem a carreira além do suportável, ao ponto de subir ao palco carregados por enfermeiros ou mesmo a apresentar-se sentados em cadeira de rodas, e ninguém nutre má impressão por isso, pelo contrário, tais velhos bluesman são ovacionados por essa tenacidade que extrapola a decrepitude física.

Mas a Sonia nada sabia sobre o nosso universo, e acostumada a viver os bastidores de artistas da TV, achava isso primordial enquanto gerenciamento de carreira, e ficou a nos alertar sobre a importância de sempre "mentir" sobre a idade real quando perguntado por jornalistas.

Achávamos isso ridículo, constrangedor e infrutífero para nós, mas nesse caso, ela ficou irredutível, por que acreditava nesse conceito tolo. Para não criar caso, aceitamos praticar isso em uma única entrevista na mídia escrita, que ela nos arrumou, aliás, uma das pouquíssimas ações que o Studio V nos proporcionou por sua conta, e não por contatos que nós já tínhamos por nossa própria conta, sem a interferência da parte deles.

Isso ocorreu durante uma entrevista concedida ao jornal: "A Gazeta Esportiva", mas eu contarei essa história posteriormente, pois tem um detalhe de bastidor nessa visita à tal redação, que reputo sensacional, e não pode deixar de ser contada com detalhes.
Continua...

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