domingo, 21 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 346 - Por Luiz Domingues


Em meio ao turbilhão de oportunidades surgidas na mídia, e shows a cumprir também por conta dessa mesma movimentação, estávamos empenhados na gravação de uma nova Demo-Tape. De certa forma, essa ação foi a mais importante naquele momento de outubro de 1986, pelo óbvio motivo de que tal trabalho poderia ser o nosso passaporte para uma mudança radical na carreira.  

Já falei e reforço, estávamos a cuidar dessa produção por observarmos muitos cuidados para não cometermos os mesmos erros que havíamos cometido na produção da demo anterior, gravada em abril do mesmo ano. A escolha do repertório, por exemplo, tornou-se o primeiro ponto a ser cuidado.

Ao comparar-se à demo produzida em abril, repetiríamos a maioria das escolhas, mas por um motivo muito forte: nessa altura, já tínhamos a convicção de que tais canções agradavam o nosso público, dada a reação que despertavam nos shows.

Esse foi o caso de músicas tais como: "Sun City" e "O Que Será de Todas as Crianças?", peças que eram ovacionadas nos shows, e nessa altura, já ostentavam status como sucessos em potencial para a banda, mesmo que ainda não estivessem gravadas oficialmente em disco.


Portanto, principalmente no caso da segunda canção citada, a escolha dela se justificara por isso, muito mais do que pelo aspecto musical, pois não detinha o apelo Pop que era necessário para abordarmos as gravadoras majors.

Portanto, ao escrever este trecho 29 anos depois (2015), não tenho como não observar que mais uma vez fomos imprudentes, por que se desejávamos entrar no patamar mainstream, tal escolha não fora adequada, mesmo que o nosso público a adorasse, por cantá-la a plenos pulmões.

Sendo muito incisivo, agora, é claro que a demo deveria estar 100% coadunada com o espírito Pop radiofônico, para despertar o real interesse dos executivos das gravadoras, notadamente diretores de repertório, responsáveis por contratações. E certamente que tais senhores, não frequentavam os nossos shows e daí, tal temperatura fervilhante em nosso conceito, haveria por ser retumbantemente ignorada por eles. Sob uma análise fria, de fato cuidamos da segunda demo com maior apuro, mas a distância de apenas seis meses entre uma produção e outra, nos cegou.

A nossa percepção sobre os erros cometidos em relação à primeira demo, não teve distanciamento histórico algum, e ali, no calor da nossa percepção oitentista, achamos que a temperatura das músicas testadas ao vivo, falaria por si só. Foi portanto, mais um grande erro estratégico, e dessa forma, inadmissível, eu diria, pois nessa altura, além do fato de que já tínhamos bastante experiência acumulada, não houve interferência direta nas escolhas do repertório, por parte de quem mais deveria ter experiência dos meandros da indústria fonográfica e da mídia, principalmente a radiofônica.  

Pois o Miguel pouco ou nada interferiu no processo de escolha das canções, e muito menos nos seus respectivos arranjos. Salvo poucas visitas sazonais ao estúdio para inspecionar os trabalhos da gravação, ele não colocou a mão pesada na produção. Na época, comemoramos essa liberdade artística, é claro. Trabalhar tranquilos no estúdio, para fazermos tudo à vontade, foi muito confortável, mas hoje em dia, eu vejo de outra forma, e se houvesse um apuro maior de todos, a nossa história certamente teria sido diferente.

Sobre as escolhas ainda, "Sun City" ganhou um novo arranjo, é bem verdade. Fruto de nossa própria experimentação em relação à primeira demo, cortamos, providencialmente, o excesso de repetições do refrão, decerto um exagero observado na primeira versão. Tal formato prevaleceu posteriormente e na gravação oficial, para o álbum "The Key" (feito no ano posterior, 1987), e assim foi imortalizada.

Como contraponto, cabe ao mesmo tempo dizer que eu fiz a autocrítica sobre os nossos erros de avaliação à época, também ao deixar a ressalva de que uma música como "Sun City" poderia não ser coadunada com o padrão Pop que a "intelligentsia" que comandava a mídia e a indústria fonográfica adotava (e certamente que não o era), mas isso foi um mero paradigma criado pela formação de opinião, pois no caso específico dessa canção, havia todo o potencial para ser absorvido no mundo mainstream.

Se fôssemos norte-americanos, certamente que munidos com uma música desse potencial em mãos, alcançaríamos o sucesso mainstream. Mas aqui no Brasil, a mentalidade acintosamente pró-estética Pós-Punk, adotada monocraticamente nos anos oitenta, deixara o mercado obtuso.

Sem abrir espaço para outras vertentes, o nicho do Rock ficou fechado nessa estética e salvo raras exceções (Inox e o Metalmania de Robertinho de Recife), ninguém que não comungasse da cartilha do Pós-Punk, tinha chances. 

E no caso dos dois artistas que citei, acho que nem o fato deles terem sido lançados em gravadoras majors, quis dizer muita coisa, pois não foram trabalhados por ela, no quesito divulgação. Os seus álbuns foram gravados nessas companhias multinacionais e fortíssimas, mas nada os ajudou a romper o bloqueio para abrir campo para estéticas diferentes e apesar do status que ostentavam por serem contratadas dessas instituições ricas, mais atuavam no underground, como qualquer banda independente, como o nosso caso. 

Para ir além, estar dentro de uma gravadora de grande porte, mas que não faria nada por você, além de bastante frustrante, nos fez pensar que permanecer pequeno, de forma independente ou até a estar subordinado a um pequeno selo como a Baratos Afins, seria uma situação melhor para nós.


Conjecturas a parte, reitero que a canção: "Sun City" teria mesmo que estar nessa segunda demo, pois a despeito da resistência sistemática de aceitação de tal sonoridade por parte dos produtores de gravadoras, ela teve sim, potencial, e não apenas nos shows, isso foi perceptível aos olhos e ouvidos, mas reputo que foi mesmo uma canção que tornar-se-ia um dos grande êxitos na carreira da banda, sem dúvida alguma. Falo mais sobre a demo de outubro, a seguir.

Continua...

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