quinta-feira, 25 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 361 - Por Luiz Domingues


1987 chegou, e a julgar pelos últimos acontecimentos relatados anteriormente, fora por um triz que esse Reveillon não houvera sido o melhor da nossa trajetória até então. Pois o leitor há de se recordar que vivemos os últimos oito a nove meses, de meados de março a dezembro de 1986, sob em clima de euforia progressiva pela sensação de avalanche de oportunidades que se apresentaram diante de nós, a sinalizar claramente que a grande porta de acesso ao mundo mainstream estava a se escancarar.

A nossa queda de energia interna teve mais a ver com a decepção pela falta de força do Studio V, do que outro fator, pois o ano virou e a avalanche de publicações que obtivemos através da mídia escrita, continuara, caso dessa matéria com direito a encarte especial, e resenha da demo-tape de outubro, que saiu em janeiro de 1987, nas páginas da Revista Metal 

No entanto, muito dessa euforia gerada, para não dizer quase toda, havia se arrefecido, quando na metade de novembro, fôramos rejeitados pela Warner. Contávamos com essa contratação, e não é necessário elencar as razões para tal confiança que tínhamos, dada a minuciosa explicação e conteúdo de análise que publiquei nos capítulos anteriores.

Nota na Revista Mix nº 5 (dezembro de 1986), a falar de nossa contratação pelo Studio V

Cabe no entanto, reforçar que tal reação de nossa parte teve uma dose maciça de ingenuidade e certamente falta de noção à época, de como realmente funcionava a engrenagem mainstream.

1) O nosso som não era, nem de longe compatível com a realidade do mundo mainstream. Nem se fosse simplificado ao máximo, ainda assim, tínhamos uma diferença brutal de espectro artístico, com quem estava no andar de cima, por razões meramente estéticas, não técnicas, mas gritantes, outrossim.

2) O nosso visual era fojado ao estilo Rocker, a moda antiga e no ambiente oitentista avesso à essa configuração, por vários fatores, e entre eles o comprometimento com o conceito do niilismo agressivo inventado pelos marketeiros do movimento punk em 1977 (e reafirmado com vigor por seus filhotes, Post-Punkers), não aceitar-nos-iam nunca, sob tal configuração defasada aos seus parâmetros.

Havíamos questionado esse fator no início de 1983, e tínhamos chegado à conclusão de que não valeria a pena fazer tal loucura e sacrifício nessa época, pois então, imagine nesse ponto de 1987, que tínhamos discos, portfólio e fãs? Ou seja, estávamos estigmatizados e de forma irreversível.
O nosso fanzine fazia barulho... motivava até notas em revistas de porte, como a Som Três

Muita gente que aproveitou bem a onda do Br-Rock 80's, esteve ali coadunado com tais preceitos, mas não era, particularmente,  nenhum entusiasta de tal estética. Houve o caso de muitos, até, que tiveram passado marcante no Rock brasileiro dos anos 1970, foram cabeludos, usaram figurinos setentistas sensacionais e mudaram de postura a dançar conforme a música. Foi o caso de artistas como: Ritchie, Lobão, Arnaldo Brandão, Vinicius Cantuária, Lee Marcucci, Antonio Pedro de Medeiros, Lulu Santos, Wander Taffo, Gel Fernandes e muitos outros.

Mas nenhum deles, que eu saiba, fechou com os ideais niilistas. Na percepção de todos, certamente deve ter havido a ideia da adequação para o novo modus operandi da cena Rocker oitentista, para não perder a chance e quem não percebeu isso, ficou no limbo do underground, casos do Made in Brazil, Tutti-Frutti e Patrulha do Espaço, praticamente as únicas bandas setentistas que viraram a década de setenta para a de oitenta, a manter os valores tradicionalistas do Rock, e a pagar o preço caríssimo de ficar à margem de tudo. A própria, Rita Lee, se reinventou Pop e "modernosa" já no ano de 1979 e dali em diante, para muita gente, quiçá a maioria, é a fase da carreira dela que mais gostam...
Foto no gabinete de Miguel, no dia da assinatura do contrato, ainda em 1986. Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Rubens Gióia, Sonia Carlos Magno, Miguel Vacaro Netto, Beto Cruz e José Luiz Dinola

Enfim, somente surfou no sucesso mainstream dos anos oitenta, quem rezou por essa cartilha e nesses termos, a nossa banda esteve fora dessa seara, desde o início, e não seria agora, com uma carreira e, pleno andamento (e muito bem para os parâmetros do padrão underground), que faríamos a loucura suprema de estabelecer uma guinada radical na estratégia e mudar tudo de novo e desta vez, a transformar completamente o nosso som e identidade visual. Seria motivo de chacota geral, tanto no mundo avesso ao nosso, por denotar subserviência, e principalmente no nosso, onde os fãs do nosso trabalho, jamais nos perdoariam. Mas isto é uma mera conjectura, pois na realidade, nem cogitamos praticar uma loucura desse nível.

3) Sob o ponto de vista gerencial, faltou-nos apoio de bastidores.
Figuras sensacionais como Charles Gavin e Clemente Nascimento, tentaram, mas na época, estes artistas ainda não possuíam nem 10% da influência que observam hoje em dia, e eu sei que a sua ajuda na época foi sincera e muito digna, mas na realidade, eles não puderam nos puxar para cima. 


Um outro aspecto nesse item, foi que a linha de estratégia das gravadoras estava fechada tão hermeticamente nesse conceito em prol das estéticas em torno do conceito Pós-Punk, que nada  demoveria os seus produtores, de tal pensamento em manter a mesma fórmula.

Somente alguma força extraordinária, poderia fazer tal encaixe à fórceps. Algo parecido com o que ocorrera com bandas como: Barão Vermelho e Herva Doce, que pouco ou mesmo nada tiveram a ver com a estética Pós-Punk, e mesmo assim, fizeram sucesso mainstream, e sem grandes concessões em seu som recheado por influência antigas proibitivas para os anos 1980, no caso do Herva Doce, ainda mais gritantes.

Nesse caso, um produtor com livre entrada nesse meio, que dominasse tantos contatos na mídia e na indústria fonográfica, simultaneamente, seria a eficaz mão pesada a quebrar bloqueios estéticos, e nos bancar dentro da estrutura dessa máquina do show business, alheios a qualquer obstáculo. Tal manager com esse suposto traquejo para empreender a tarefa, seria o Miguel e ingenuamente, nós acreditamos nessa possibilidade. 

Portanto, a perda de muito de nossa confiança passou por essa decepção com a não tão grande influência que Miguel tinha, aliado ao fato de que na prática, o Studio V nos arrancava o couro com uma taxa absurda sobre os cachets, mas nada houvera feito de bom por nós na contrapartida, em meses de compromisso firmado conosco (para não ser injusto, produziram um único show, no TBC, e já relatado, e atraíram algumas entrevistas de mídia impressa e rádio, mas nada maior do que nós conseguíamos por nossos próprios esforços).

Somados esses dois fatores, falta de resultados de agenda + rejeição em gravadora, é claro que aquela sensação de vitória inevitável, esfarelou-se por entre os nossos dedos. Mesmo assim, ainda tivemos energia para prosseguir. Portanto, 1987 entrou, e nós ainda passamos um tempo a esperar que o escritório nos desse mostras de revitalização, a sinalizar novas investidas em gravadoras, e sobretudo em termos de movimentação da agenda de shows. Portanto, ainda mantivemos a esperança de que eles pudessem reverter o quadro de desapontamento que criaram para conosco.
Continua...

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