sábado, 20 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 342 - Por Luiz Domingues


Enquanto as bandas nacionais autênticas dividiam um único camarim no enorme bastidor do Palácio das Convenções do Anhembi, todos os outros camarins ficaram isolados para servir aos rapazes hispânicos e a sua entourage. Estávamos outrossim, resignados com diferença acintosa que estavam a estabelecer entre nós em relação aos artistas estrangeiros. A despeito desse grupo ser um embuste sob o ponto de vista artístico, a verdade é que eles estavam por cima da onda, com sucesso midiático retumbante e na base da "formação de opinião", na percepção do grande público, eles eram "bons" por serem famosos e nós, "maus" por não sermos tão populares quanto o "fenômeno" porto-riquenho.

Neste caso, a análise sobre tal disparidade é óbvia, e não carece de distanciamento histórico para ser formulada. O poder do marketing é avassalador e realmente manipula a opinião pública ao seu bel prazer.

Um trabalho muito duvidoso que eles representavam, fazer sucesso massivo foi mais uma prova cabal sobre tal disparidade, porém, muito pior, foi forjar a opinião errônea de que sucesso popular seria um inequívoco sinal de qualidade da parte deles. Neste caso. meu amigo, leitor posso afirmar que foi bem desagradável ser alvo de uma combinação de fatores dessa monta, quando se está no epicentro da criação artística e ao verificar-se tanta gente boa (ao citar tantos colegas bons com os quais convivíamos), sendo deixada à margem das melhores oportunidades. 

Em termos gerais, perde a arte e a cultura com essa manipulação nojenta que bloqueia os caminhos para que artistas genuínos possam mostrar a sua arte livremente, perde o povo que se priva da arte livre e sobretudo de qualidade... e por favor poupem-me de contra-argumentação a relativizar o que significa "qualidade" na arte, tampouco manifestações de apoio ao popularesco, sob a égide de uma suposta legitimidade da livre expressão. Sim, concordo com a livre expressão, mas abomino a manipulação de marketeiros, e sobretudo da teoria da formação de opinião.

Enfim, constatações à parte, sobre como funciona o mundo do show business, a realidade foi essa ali nos bastidores: um camarim simples para nós, com água, e para os grandes astros latino-americanos, todos os outros camarins reservados, plenos de mordomias.

Com forte segurança de sua produção, deu para ver apenas a arrumação de um dos camarins como uma grande copa, mediante uma mesa gigantesca e um verdadeiro banquete preparado para recepcioná-los. Vimos funcionários a transportar caixas com garrafas de vinho e champagne, e nesse momento, foi a certeza de que a farra seria boa, ali.

Entretanto, a "cereja do bolo" veio quando ouvimos a conversa de uma produtora com alguns funcionários da segurança. Sem rodeios, ela pediu para que eles fizessem uma varredura na plateia, e escolhessem cinquenta garotas para visitar o camarim. O critério foi simples e direto: escolham as mais lindas...

Bem, não farei nenhum discurso moralista sobre exploração/turismo sexual, mas claro que seria cabível. Enfim, os Engenheiros do Hawaí ainda estavam a se apresentar no palco, quando começaram a chegar as primeiras meninas escolhidas a dedo pela produção. Estavam em estado de êxtase, naturalmente, pela perspectiva de estarem no camarim de seus ídolos e certamente que eram lindíssimas e fariam parte do banquete dos rapazes.

Os Engenheiros do Hawaí voltaram ao camarim com a reação que qualquer artista verdadeiro teria nessas circunstâncias, ou seja, a rirem muito da dublagem vexatória que fizeram e da histeria das fãs do Menudo, ensandecidas e certamente a rezar para as atrações  "menores" sumirem de sua frente, para que seus ídolos dançarinos aparecessem enfim. Então, eis que chegara enfim a nossa vez...

Ao contrário do Hanoi-Hanoi que mantinha entre os seus membros, um visual "modernoso" e compatível aos anos oitenta, e dos Engenheiros do Hawaí que se apresentaram de forma despojada e aliás, ainda não eram famosos no patamar mainstream, a nossa banda detinha uma aparência setentista nos figurinos e sobretudo pelas longas cabeleiras, e portanto, odiado naquela década marcada pelas ideias niilistas. Temíamos portanto, pelo pior, quando entrássemos no palco com as adolescentes cada vez mais impacientes por tanto esperar por seus ídolos pré-fabricados, e ainda ter que aturar quatro cabeludos "do passado" para postergar o seu momento de êxtase...

Dessa forma, a julgar pela reação hostil que tivéramos na entrada no Anhembi, e relatada nos capítulos anteriores, esperávamos uma reação muito pior, com uma vaia mastodôntica, seguida de insultos, impropérios e quiçá, arremesso de objetos contra o palco. Então, uma pessoa da produção da TV Record, veio nos chamar para subir ao palco...
Continua...

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