segunda-feira, 22 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 353 - Por Luiz Domingues

O ponto vermelho representa o bairro de Lins de Vasconcelos, no mapa da cidade do Rio de Janeiro 

Nessa reunião com a amiga da Sonia e seu marido, fomos muito bem recebidos, não posso negar, e a noitada foi agradabilíssima, pois o casal anfitrião se provou simpático ao Rock orientado pela "velha guarda", e o som de qualidade permeou tal visita, com clássicos das décadas de sessenta e setenta a ecoar no apartamento localizado no bairro de Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio.

Fomos recebidos mediante uma farta mesa com vários tipos de queijos, pão italiano, muitos antepastos, e bom vinho importado (em meu caso, interessou-me mais a Coca-Cola, naturalmente), que garantiu o bem estar geral.

Todavia, cabe uma análise crítica, a despeito da excelente hospitalidade desse casal: a Sonia nos vendeu a ideia de que tal recepção haveria de ser uma missão a mais em nossa estadia carioca, com a sua amiga a se revelar como uma importante "colaboradora e formadora de opinião". Até poderia ser que sim, contudo, ficou claro que na verdade, foi uma desculpa dela para visitar uma velha amiga, a usufruir da chance de estar no Rio com despesas pagas pelo escritório.

Se nos dissesse isso abertamente, não ficaríamos bravos, e de fato foi uma noite positiva, com boa comida e bebida, ótima trilha sonora e a conversa agradável. Mas definitivamente, aquela noite não foi um compromisso formal da banda, mas algo meramente sócio-recreativo.

No dia seguinte, aí sim, teríamos um compromisso oficial produtivo, e graças aos contatos da nossa produtora.
Visitamos a redação do Jornal do Brasil, localizado na zona portuária do Rio, próximo à Praça Mauá. Quando chegamos à enorme instalação, tivemos um contratempo, pois na informalidade que norteia os costumes cariocas e ainda mais justificado pela presença da alta temperatura, ali costumeira, não poderíamos supor que nos cobrassem formalidade no vestuário. Não foi o caso de nós três (eu, Rubens e Beto), mas o Zé Luiz foi trajado de forma mais despojada, ao usar uma camiseta regata, e assim, foi barrado na recepção, sob a alegação de que tal traje não era permitido nas dependências daquela instituição.  Ele tentou alegar que fazia calor e no Rio, a informalidade era histórica como parte da cultura local, mas a recepcionista contra-argumentou que não haveria nenhuma possibilidade dele entrar trajado dessa forma, e para reforçar tal conceito, falou-nos que na semana anterior, um outro artista também fora barrado nas mesmas circunstâncias, ou seja, um rapaz mineiro chamado: Milton Nascimento... 

A solução foi improvisar um arranjo de última hora, a usar uma peça de roupa por cima, emprestada de um de nós, e que por acaso estava no carro. Não me lembro ao certo de quem era, e nem o que era, mas arrisco dizer que se tratava de um colete, que abotoado, disfarçou a ausência de ombros da camiseta regata.

Uma vez lá dentro, Sonia apresentou-nos o seu contato, o jornalista, Luiz Carlos Mansur, famoso crítico musical do jornalismo brasileiro de então. 

Na conversa que travamos, falamos para ele que abordáramos a gravadora Warner, e de imediato, ele já sentou-se à mesa para usar a máquina de escrever, para preparar uma nota, quando lhe explicamos que fora ainda um contato preliminar, portanto não havia nada além de uma abordagem inicial. Claro, lhe demos uma cópia da demo para a sua avaliação, e na minha lembrança, foi um contato muito prazeroso, com o jornalista em questão, a nos tratar muito bem.

Não havia mais nada para fazermos no Rio, pois a resposta da Warner demoraria dias para sair, e a Sonia não havia agendado mais nada importante em termos de mídia. Almoçamos em um restaurante do bairro de Copacabana, cujo dono era amigo dela, e tratou-se de um rapaz muito hospitaleiro que nos serviu um excelente almoço, apesar de insistir em contar-nos piadas sem graça... (-"a política em São Paulo, vai mal de norte, sul, leste e Orestes", ao referir-se ao então governados paulista, Orestes Quércia), bem, não dá para ser perfeito o tempo todo...

Voltamos para São Paulo, então, muito mais esperançosos do que havíamos chegado, pois o contato com a Warner, via André Midani, pareceu-nos auspicioso.

Para encerrar esta etapa da narrativa, não posso deixar de registrar que o bem estar decorrente dessa sensação foi marcante por ocasião de nossa estadia no apart-hotel da Barra da Tijuca. Inebriados por essa atmosfera de sucesso que a nossa empreitada carioca sinalizou estar a acontecer, tal deslumbre causou-nos uma ótima sensação de euforia, e não me refiro à minha única percepção, mas certamente ocorreu entre os quatro componentes da banda.

Ali, tudo se misturou: tal sensação subliminar, associada à mordomia de um bonito hotel, com paisagens inacreditáveis e paradisíacas, nos proporcionou a gostosa, porém imprudente sensação de vitória antecipada. Ouso dizer, que a despeito de outras conquistas boas que ainda aconteceriam conosco nos próximos meses, esse pequeno momento de uma quase epifania, ali na sacada do apart-hotel, com um visual cinematográfico da praia à nossa vista, foi a última percepção de sucesso à vista para a nossa banda.

Digo isso, a deixar muito claro, que hoje em dia eu considero a carreira da banda como amplamente vitoriosa, artisticamente, e até em termos de projeção, embora circunscrita ao métier do Rock underground.

Todavia, a não chegada ao mainstream passa por essa noite a vislumbrar o mar através de um andar alto de um prédio de luxo da Barra da Tijuca, sem dúvida, na medida em que ali foi a nossa última sensação real de estarmos quase a chegarmos em um outro patamar dentro da música profissional.

É triste falar nesses termos, pelo lado da análise fria, mas também é poético, eu diria. Tal momento chegou a ser mágico de tão bonito que foi, mas não passou disso, isto é, um insight, uma epifania para nós naquele instante, e para a maioria dos pleiteantes, devo acrescentar...
Continua...

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