sábado, 20 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 337 - Por Luiz Domingues


Realizamos o soundcheck com bastante tranquilidade, com a equipe de produção de palco a seguir os passos dos outros membros que cuidavam da logística geral, ou seja, com bastante educação, simpatia e solicitude. O técnico do P.A. que haviam contratado, foi um rapaz muito competente e igualmente simpático, que atendia pela alcunha de: "carioca". De fato, o rapaz era do Rio, mas nos contou que estava radicado no nordeste há algum tempo, e que estava acostumado a sonorizar grandes eventos em todos os estados daquela região.

Segundo nos contaram, ele tinha o melhor equipamento do nordeste, e estava acostumado a sonorizar todos os artistas de primeira linha da MPB, e do BR-Rock 80's que se apresentavam pelas capitais, e principais cidades interioranas da região. E pelo que constatamos no soundcheck, o seu equipamento se provou com qualidade, e a sua competência como técnico, idem, portanto, ficamos bastante confiantes de que seria um show muito confortável para nós, tecnicamente a falar.

Claro, o próprio "Carioca" nos advertiu que as circunstâncias acústicas do local não favoreceriam em nada a sonorização do espetáculo, mas isso não foi surpreendente para nós, de forma alguma, pois ao se tratar de um ginásio de esportes, com cimento armado e teto de zinco, é claro que não haveria equipamento no mundo que conseguisse garantir um áudio com pureza ali dentro. Foi uma questão acústica pura e simples e tínhamos consciência disso, é claro.

Encerrado o soundcheck, fomos reconduzidos ao hotel, onde descansamos e nos preparamos para o show. Após o jantar feito no restaurante do próprio hotel, aliás, muito bem servido, fomos reconduzidos ao ginásio Verdão, e então foi a hora do Rock soar em Teresina...

De volta para o ginásio, este já se encontrava quase inteiramente lotado. A expectativa dos produtores estava a se cumprir, e o evento já se mostrava como um sucesso. Bandas locais e de estados vizinhos, já se apresentavam. Em sua maioria, foram bandas de orientação Heavy-Metal, como seria por se esperar naquela época, e circunstância em específico. 

 Já estávamos prontos no camarim quando fomos chamados a assumir o palco. O ginásio estava lotado e havia uma expectativa criada para o nosso show, muito mais por conta de sermos de São Paulo, portanto uma atração diferente para o público local, do que realmente baseada na nossa fama real em termos maiores. Claro que muita gente ali presente nos conhecia e nutrira interesse em nos ver em ação, todavia, sem ilusões, sabíamos que para a maioria, éramos desconhecidos.

Não se tratava de um público inteiramente Rocker, mas híbrido, muita gente estava ali pela oportunidade ocorrida na cidade, e não exatamente por gostar das atrações em si, incluso nós. Segundo algumas pessoas nos contaram, uma semana antes, os Paralamas do Sucesso se apresentaram ali mesmo naquela ginásio, e claro que não podíamos gozar das mesmas condições deles, que viviam no mainstream da música, e nós, pelo contrário, habitávamos o mundo underground.

Mas começamos a tocar e a reação esteve bastante agradável, com o público a aplaudir e responder muito bem os convites para interagir, lançados pelo Beto Cruz, o nosso frontman. Foi um show energético, agradável, e portanto, saímos do palco com a sensação do dever cumprido, e mais que isso, que havíamos expandido um pouco mais as nossas fronteiras. Cheguei a expressar esse sentimento no microfone, quando agradeci a presença do público presente, e o quanto estávamos felizes por estar ali, a tocar pela primeira vez fora do eixo Rio-SP.

Foi a noite de 27 de setembro de 1986, e cerca de três mil pessoas nos viram e ouviram. Tudo foi maravilhoso, contudo... uma situação absolutamente desagradável e alheia à toda a simpatia do pessoal da produção, ocorreu quando voltamos ao camarim, no pós-show. Ao mexer em seus pertences, o Beto constatou que roubaram-lhe a carteira, inclusive com os seus documentos. Fora um lapso de sua parte não deixar os documentos no hotel, mas a revelar-se uma situação pela qual todos nos incluímos, pois também nenhum dos demais, eu incluso, havíamos adotado tal medida básica de segurança. No entanto, lamentavelmente, ele fora surpreendido por um gatuno, e nós ficamos ilesos, por pura sorte.

A produção ficou constrangida com o ocorrido e realmente fora uma brecha na segurança, um vacilo que proporcionou a oportunidade para o meliante de ocasião. Isso não desabonava o festival como um todo, tampouco a extrema simpatia com a qual nos trataram o tempo todo, mas claro que ainda que involuntariamente, ficou um arranhão na história, infelizmente.

Claro, nos deram todo o suporte, se prontificaram a apoiar o Beto para abrir B.O na delegacia e tudo mais, mas o transtorno estava estratificado-se. Quem já passou por isso, sabe o quanto é desagradável, não apenas pela perda financeira e humilhação que é suportar tal infâmia, mas também pelo inferno burocrático que é pleitear a segunda via dos documentos perdidos, transtorno para bloquear cartões de crédito, talões de cheques etc.

Claro que isso aborreceu muito o Beto, e não foi para menos! Para amenizar a situação, levaram-nos para a melhor boite da cidade. Não mediram esforços para nos agradar, e depois do evento do furto no camarim, ainda mais. Eu não bebo, e evidentemente que não me interessei pelo passeio, ao preferir voltar ao hotel.

Na manhã seguinte, após despedidas no aeroporto, e mais pedidos de desculpas por parte do ocorrido no camarim, voltamos para São Paulo, a voar exatamente através do mesmo percurso da ida, ou seja, escala em Fortaleza e troca de aeronave em Brasília. Como eu já havia comentado, Fafá de Belém voltou conosco de Fortaleza, para São Paulo, a criar uma coincidência incrível. E o sambista, Almir Guineto, também embarcou na aeronave.

Muito brincalhão, ele logo começou a interagir conosco, e naquele seu temperamento carioca de ser, cheio das malandragens, começou a debochar da Fafá de Belém, que não apreciou as brincadeiras, mas não retrucou, apenas a permanecer calada, mas com o seu semblante cerrado, a demonstrar não estar a apreciar as pilhérias do sambista. Entrementes, as piadas que ele formulava começaram a contaminar os passageiros no entorno das poltronas, e ajudado pelo Beto Cruz, que também sempre foi bastante extrovertido e provocador, isso gerou uma epidemia de risadas. Foi quando ele, Guineto, disse: -"se o avião caísse, não haveria problema, pois a Fafá cantaria o hino nacional a capela, a encomendar bem as nossas almas, como havia feito com o Tancredo Neves"...

Isso gerou uma euforia fora de propósito, e ela passou por nós, a fulminar-nos com os olhos, a demonstrar estar bastante contrariada com as brincadeiras do sambista, e a repercussão gerada entre os demais passageiros, que riam às gargalhadas.

Para agravar o clima de pura galhofa ali instaurado, uma pessoa foi ao toillete e quando saiu, o estrago intestinal que ali causou, levantou verdadeiras brumas fétidas, que rapidamente tomaram os corredores de poltronas, de assalto. Diante da euforia gerada antes, e com o espírito brincalhão de Guineto e Beto a mil por hora, esse fato escatológico a mais, gerou um sem número de piadas, e a viagem nem foi sentida, pois ainda gargalhávamos, quando o avião pousou no aeroporto de Cumbica.

Em suma, foi uma tremenda aventura boa para a banda, e com exceção do furto da carteira do Beto, tudo foi ótimo nessa etapa.
Alguns meses depois, o jornal "O Estado", de Teresina/Piauí, já especulava sobre o festival a ser realizado em 1987, e nos citou, com direito a foto do show de 1986, como exemplo de como fora a edição anterior.

Ao retomarmos a rotina em São Paulo, tivemos a missão de entrar em estúdio, e gravar a segunda demo tape do ano de 1986, e desta feita, a demo que levar-nos-ia rumo a um contrato com uma gravadora major e ao mainstream, assim esperávamos. E como dizia Rita Lee em seus bons tempos de Tutti-Frutti: -"Oh doce ilusão, doce ilusão... ah uh uh, yeah, yeah"....
Continua...

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