terça-feira, 30 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 377 - Por Luiz Domingues


Com mais duas negativas de gravadoras a repercutir como um sinal de derrota, o ânimo da banda diminuíra drasticamente. Já não houve a obstinação que tínhamos por ensaiarmos com constância, outrora uma marca registrada de nossa banda, e fora a parte prática, dessa falta de empenho, que refletir-se-ia em algum momento com a ferrugem a ser acumulada inevitavelmente, a grande erva daninha que estávamos a ver crescer à nossa volta, foi de ordem psicológica.

A minar-nos nesse sentido, vários fatores externos precipitaram as animosidades pessoais, desavenças, irritabilidade etc. Em um momento de crise, a tendência em tempos de escassez de recursos e falta de perspectivas de melhora, foi no sentido de haver desgaste psicológico. Isso acontece em qualquer tipo de empreendimento onde existam sócios, e uma banda de Rock é também uma pequena empresa, gerida por um grupo de sócios.

Assim, o clima começou a azedar internamente na banda, desde que nos frustráramos com a inoperância do Studio V, mas em uma primeira instância, nós tiramos uma força das entranhas para prosseguir e ainda bem, algumas oportunidades ainda surgiram no momento imediatamente após o rompimento com os empresários, a relativizar as insatisfações pessoais de cada um e possíveis desentendimentos surgidos por conta desse clima ruim, no âmbito interno da banda.

Mas após a tentativa de abordagem com a gravadora BMG-Ariola, com tamanha demonstração de desdém do sujeito que nos recebeu, creio que as nossas forças esvaíram-se de vez.

Conforme eu já mencionei anteriormente, o Zé Luiz vinha a receber pressões familiares para tomar um rumo tradicional na sua vida profissional e que não mais se iludisse com uma carreira artística, que não lhe garantia a estabilidade sócio/financeira.

Rubens já não estava tão entusiasmado com o rumo adotado pela banda e passara a questionar a mudança radical (na verdade, a terceira mudança), que nos levara para um caminho a avançar sobre o Hard-Rock oitentista, quando praticamente suprimiu-se o material antigo, notadamente a verve do Jazz-Rock que nos marcara nos primeiros anos da banda.

Ele teve razão, é claro, mas em termos. De fato, abandonar completamente o material antigo da banda não foi uma estratégia salutar. O ponto válido nessa tática, houvera sido apenas o da busca de uma colocação dentro do mundo das gravadoras majors, mas foi um risco grande, pois ao não conseguirmos tal intento, estivemos apenas a frustrar o nosso público que gostava de nossa carreira como um todo, portanto, também do material antigo, composto sem a preocupação em agradar produtores de gravadoras ou agentes da mídia mainstream.

O Beto achava que deveríamos continuar firmes com essa estratégia e o fato de estarmos a receber negativas sistemáticas das gravadoras abordadas até então, não significaria que a insistência não daria certo mais para a frente. Eu, de minha parte, só queria que a banda prosseguisse unida, a lutar e continuar a sua trajetória. 

De fato, eu concordei parcialmente com as colocações de Beto e Rubens, mas a tentar fazer um mistura entre as duas propostas. Nesses termos, eu achava válido tentar prosseguir a insistir na mesma estratégia para alcançar uma colocação em uma gravadora major, portanto com possibilidades adequadas para tal, mas também desejei que a história da banda fosse respeitada e assim, que as músicas clássicas do repertório, voltassem ao set list dos shows, com exceção das mais pesadas do EP de 1985, pois nesse aspecto, as considerava realmente despropositadas.

Diante desse desânimo generalizado, o Beto que era sempre pragmático em seu modo de ser, propôs mudanças até na formação da banda. Isso causou um mal-estar interno, e tal ideia haveria de se tornar um fator de discórdia que tornar-se-ia cancerígeno, com o perdão da metáfora forte, e que seria em alguns meses, um fator decisivo para o final das atividades da banda.

Tiro todo o peso desse ato, das costas do Beto, pois sei que a sua intenção foi outra, completamente, deixo esse aspecto bem claro. A sua vontade para fazer algo diferente para movimentar a banda e dar-lhe sobrevida, foi a sua real intenção, mas o Rubens não levou para esse lado e o clima doravante, só foi a piorar no âmbito interno da banda.

Dessa forma, o Beto propôs que conversássemos com Daril Parisi, nosso amigo e um grande guitarrista e tecladista, que estava sem banda naquele momento, com o súbito término das atividades do Platina. Na sua ótica, uma mudança de formação com Daril a ingressar em nossa banda, para possivelmente tornar a nossa formação em um quinteto, faria muito barulho e seria portanto um alento para tomarmos um novo fôlego.

Teoricamente, não foi uma má ideia, mas por outro lado, não haveria nenhuma garantia de que uma mudança assim levar-nos-ia a alguma melhora significativa.
O grande guitarrista, tecladista e professor: Daril Parisi, em foto bem mais atual

Particularmente, eu não apreciava muito a ideia. Por não conseguir vislumbrar que isso fosse uma estratégia com possibilidade de nos dar um novo impulso, mas compreendo o ponto de vista do Beto em tentar tirar um fato novo para nos tirar do estado de desânimo.

Infelizmente o Rubens não pensou sob esse aspecto e ao levar para o lado pessoal, sentiu-se preterido. Também o entendo, pois afinal de contas ele foi a célula mater da nossa banda. Imaginara a criação d'A Chave do Sol com esse exato nome, ainda na tenra infância, ao escutar os discos do Jimi Hendrix, provenientes da coleção de seu irmão mais velho, Rafael Gióia. Ainda adolescente, Rubens chegou a formar uma banda com esse nome, embora não seja contabilizada na história oficial de nossa banda em específico, mas é um fato. Portanto, claro que eu entendo e muito, que tenha se aborrecido com tal ideia do Beto.

Então, chegamos em um ponto onde ficamos desunidos, sob um fogo cruzado de indisposições, mal-entendidos e cada um a estabelecer uma leitura diferente da situação. Rubens chateado com o repertório dos shows a estar sem menção ao material antigo e com a ideia de incorporar mais um guitarrista na banda, sobretudo. Beto a tentar criar fatos novos para dar alento à banda. Zé Luiz a viver uma crise pessoal ao questionar a sua permanência na banda e até na música, e eu, só a desejar que a banda sobrevivesse, ao tentar restabelecer a união interna e o foco.

Uma jam-session foi feita de uma maneira bastante informal com o Daril Parisi que era (é), um gentleman e mostrou-se muito honrado com o convite para uma conversa, e a lembrança de seu nome. Ele admirava a nossa banda, na mesma medida em que apreciávamos o Platina. 

Entrar para a formação d'A Chave do Sol foi uma ideia que lhe enalteceu muito, no entanto, ele que era sensível e muito inteligente, ao perceber que tal ideia do Beto, não se mostrara unânime por verificar o astral da banda bem baixo, não forçou nenhuma barra, embora de sua parte, estivesse animado para assumir, desde que fosse um desejo muito claro de todos os membros da banda e infelizmente, não foi essa a realidade.

Nada contra o Daril, muito pelo contrário, sempre o considerei um grande músico, compositor e um excepcional Ser Humano.

Se o clima já estava ruim no interno da banda, infelizmente as perspectivas pioraram. Mais uma vez tiro a carga de culpa das costas do Beto, pois sua intenção foi a melhor possível. 

E daqui para frente, os próximos capítulos serão tristes, com poucos momentos de histórias engraçadas e muitas reflexões sobre o quanto o desgaste nos fez mal, ao ponde de estremecer até amizades, infelizmente.

Bem, da parte do Zé Luiz também teve um efeito ruim tal ideia do Beto. Ele não era contra uma mudança de formação com a entrada de um quinto membro, em princípio, mas o seu estado de ânimo por conta de problemas existenciais, familiares, pessoais e até sócio/financeiros (sobretudo esse último item, eu acredito), o atormentara internamente e tal tentativa da parte do Beto para salvar a banda, lhe soou como infrutífera. Faltava um triz para ele nos revelar então o que lhe afligia pessoalmente, e o desfecho para a banda não poderia ser pior, mas ainda não vou comentar sobre isso.

Rubens ficou muito arredio com essa ideia do Beto, e foi a afastar-se de nós, sob um processo irreversível eu diria, pois no segundo semestre, ele mal comparecia aos ensaios, chateado que estava com os rumos da banda.

Bem, em meio a essa crise interna, os fãs nem desconfiavam que passávamos por isso, e dessa maneira, oportunidades de realizarmos shows e aparições midiáticas continuavam a aparecer, se bem que a diminuir gradativamente em sua demanda, pois como já deixei claro em vários capítulos anteriores, quando um artista começa a despontar, é necessário que tal "momentum" seja agarrado com as duas mãos e se possível, com os pés também! Como não tínhamos um empresário preparado o suficiente para aproveitar essa profusão adequadamente, com métodos e contatos adequados para tal, estávamos a perder a nossa vez.  Na verdade, já havíamos perdido, hoje eu enxergo esse fato com clareza...

Continua...

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