segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 8 - Por Luiz Domingues



Outro aspecto que norteara as nossas preocupações, foi a necessidade em prepararmo-nos com uma certa urgência, visto que o mercado sinalizava um efervescência nítida, já no segundo semestre de 1982. Se a estética vigente baseou-se no Pós-Punk, ao menos essa ebulição haveria de provocar espaços para outras manifestações, e daí poderíamos ter nosso lugar ao sol ( é claro, estou a observar esse conceito, ao descrever o que imaginávamos à época...), mas independente dessas considerações mercadológicas, o importante seria estarmos aptos, em condições para entrar nessa briga por espaço, e para tal, precisávamos ensaiar mais, e dedicarmo-nos mais à composição de material próprio. 
A residência do Rubens ficava na Rua Desembargador Aguiar Valim, uma travessa da Av. Santo Amaro, bem próximo ao Hospital São Luiz.

Dessa forma, precisávamos organizarmo-nos e não mais depender da bondade da Dona Sabine e assim, partiu a iniciativa do Rubens, em conversar com seus pais, e dessa maneira, um quarto de empregada bem grande que estava vazio em sua residência, passou a ser o nosso "estúdio", logo após a realização do primeiro show, e dali em diante, durante quatro anos, ensaiamos diariamente, quase sem interrupções, até 1986. Isso explica por que ao vivo, "A Chave do Sol" teve um padrão de excelência, pois tínhamos uma disciplina férrea. Ficávamos horas a ensaiar, ao repetirmos trechos até nos darmo-nos por satisfeitos, com a performance alcançada. 

Reuníamo-nos todos os dias, das 15:00 horas até às 22:00 horas em ponto. Muitas vezes, olhávamos no relógio, e se faltassem dois minutos para as dez da noite, propúnhamos repassar algum detalhe para aproveitar aqueles poucos segundos. Sei que parece exagerado (e o foi...), mas ao enxergar pelo lado positivo, que força de vontade, nós tínhamos ! Então foi isso. Tínhamos a consciência de que o burburinho em torno do BR Rock estava a aproximar-se, e nós queríamos fazer parte desse "Boom", mesmo ao termos também a consciência de que os ventos sopravam mesmo, para o Pós-Punk.
Mas de volta à cronologia, enfim chegou o dia 25 de setembro de 1982, com o grande show de estreia da Chave do Sol. Aquilo, em minha concepção, remeteu-me ao princípio: seis anos antes, ao formar o "Boca do Céu" e a sonhar em ser um Rocker. 
A Chave do Sol haveria de ser a concretização, desta feita, por saber tocar, com companheiros sob nível musical excelente, e com uma carga acumulada por seis anos de música; palco e gravação, portanto, sentia-me enfim preparado para agarrar o meu sonho.

Continua...

2 comentários:

  1. Pois é...era uma banda de verdade...sem truques tecnológicos ou maior preocupação com a imagem do que o som. O tempo que a banda existiu foi de glorias reais, sem a necessidade de marketing. Excelente texto mostrando a busca pelo padrão de qualidade em uma época que (tentaram) baixar a qualidade musical dos ouvintes de rock. Digo tentaram, pois muitas bandas Punks de ontem parecem ter a qualidade de música clássica comparada com o que escutamos hoje na midia...

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    1. Mas que legal contar com sua leitura e participação com comentário !

      De fato, no nosso caso, por sermos uma banda outsider e anacrônica na ambientação oitentista, destoávamos em relação ao status quo da estética em voga na época, isto é, tratava-se de uma época onde a preocupação com a excelência musical era nula, embasada pela estética do Pós-Punk, que tinha como lema, a atitude de 1977, via movimento Punk.

      Ao longo da narrativa toda, principalmente nesta parte da Chave do Sol, que é ambientada na década de oitenta, e onde sofremos por conta dessa mentalidade instaurada, eu esmiuço bastante essa questão, portanto, esteja convidado a continuar acompanhando a narrativa.

      Este comentário seu se deu no capítulo 8, mas nesta altura, dezembro de 2014, já publiquei 215 capítulos, portanto, tem bastante coisa para ler e refletir sobre a banda, e também sobre a ambientação toda em que ela se encontrava.

      De fato, sua comparação procede, pois o nível abaixou tanto nos últimos anos que as bandas punks da época soam como orquestras interpretando peças eruditas, em relação ao que existe hoje em dia.

      Mas eu vou além nessa análise e enxergo uma culpabilidade da mentalidade Punk / Pós-Punk nesse processo de avacalhação total da música.

      Ao instituírem a ideia de que não era necessário saber tocar um instrumento para se formar uma banda, a intenção tinha o duplo viés de causar o ultraje midiático, enquanto statement, e através dessa tomada de posição em torno do seu lema, "Do It Yourself", dar o seu recado, usando a tosquice musical como ferramenta de contestação, mas também como conveniente forma de se inserir na vida artística, sem ter habilitação técnica para tal.

      Enquanto postura artística, acho válido, tanto quanto Duchamp propôs o urinol como expressão de objeto de arte, décadas antes.

      Mas como estética, eu particularmente não gosto, e nunca gostarei.

      Cartesiano contumaz que sou, não me interessa subverter a semiótica e nesses termos, para mim, luxo é luxo e lixo é lixo.

      O grande problema foi que tal inversão de valores proporcionada por tal movimento estético, abriu as portas da esculhambação, e o estrago de médio e longo prazo foi incalculável.

      Se estamos no fundo do poço, com péssima música nos assolando, pode ter certeza que o portal escancarado em 1977, tem imensa culpa no cartório.

      Tenho consciência de que existem outros fatores, é lógico, mas essa ruptura violenta, proporcionando a completa avacalhação e pior ainda, trazendo todo um patrulhamento estético de viés fascista, em torno da errônea interpretação do niilismo, nos causou um estrago que eu torço para ser erradicado, mas que acho ser muito difícil que aconteça.

      Tal como Duchamp em relação ao mundo das Artes Plásticas, não creio que ninguém que militou no Punk, ou nas suas correntes derivadas, tenho feito isso de forma maquiavélica, e consciente do estrago que causariam, claro que não. Mas diante de uma bomba atômica deflagrada, o estrago causado vai muito além do efeito da explosão em si, e é o que temos observado nos últimos 37 anos.

      Abrir a caixa de Pandora como foi aberta, só poderia causar estragos, e foi o que verificamos...

      Muito feliz por sua participação, convido-o a continuar acompanhando e participando com seus comentários pertinentes sempre, pois só enriquecem a narrativa.

      Grande abraço !!

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