segunda-feira, 1 de junho de 2015

A Tristeza de Ariela - Por Marcelino Rodriguez



A lembrança que me chega mais forte de Ariela é ela com minha camisa, logo após fazermos amor, com a calcinha aparecendo. Ela tinha essa mania de ficar linda assim, e isso me deixava louco.
 

Depois, ela andava pela casa e começava a falar coisas muito inteligentes.

Era muita vida ela, muito jardim. Inventava umas roupas coloridas e exóticas e batia fotos com óculos gigantescos.
 

Fui visitá-la na clínica onde está internada, no Jardim Botânico, depois que teve uma crise de pânico, súbita e inesperada. Trinta e nove anos.

Logo que entrei, o sorriso melancólico, feminino e branco como a lua.
-- Você soube?
-- Sim, nossos amigos comuns são como megafone. A noticia correu. O que aconteceu?
-- Não sei, anjo, fui sair de casa, aí quando pensei que lá fora haviam milhões de pessoas, milhões e milhões, que não leram o que eu li, que não gostam de saber das coisas, que não se importam
com a história do mundo e com a cultura em geral, me deu uma tonteira, um medo do país. Aí desmaiei.
 

Eu já tinha ficado impressionada com o evento no Paraná com os professores. Estava escrevendo um artigo sobre como
pode o país ter marcha para tudo, para maconha, para gays, menos para proteger a literatura e os livros. 


A cultura letrada está morrendo.
 

-- Não seja tão pessimista, querida. Tem a internet.
-- Eu não sei quem são eles. Por que eles não gostam de conhecimento? Por que se contentam de não evoluírem como seres humanos, mentalmente ? Por que desprezam a manifestação de Deus através dos talentos e da história ? Eles estão crescendo, aos milhões, e só pensam em futebol. Eles vão acabar com tudo.

-- Calma, querida. Se acalme.
-- Me fale um poema. Por favor.
-- "Desperto de sonhar contigo, em meu primeiro sonho brando, quando tão só suspira o vento e há mil estrelas cintilando."
 

A enfermeira chegou, dizendo que era melhor deixar ela descansar.
 

O poema, que é de Shelley, a fez dormir.




Marcelino Rodriguez é colunista fixo do Blog Luiz Domingues 2.
Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos apresenta uma crônica sobre a estupefação em se viver num país onde ninguém parece se interessar por cultura.       

3 comentários:

  1. Já me senti como a Ariela. Desesperador ver como tem pessoas que não estão nem aí para a cultura.

    Marcelino, como sempre, nos dando o recado de forma poética e precisa.

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