quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 223 - Por Luiz Domingues


Abordo neste instante alguns fatos sem uma cronologia precisa, por que são lembranças díspares entre si, embora oriundas de uma mesma fonte : o fato do novo álbum ter sido lançado em 45 rotações por minuto (rpm). Esses três casos que contarei, aconteceram no segundo semestre de 1985, após o lançamento do disco, naturalmente, pois as confusões são inerentes à questão gerada pela rotação alternativa do vinil. 

Nos primórdios da indústria fonográfica, a rotação dos primeiros discos de vinil, fora a clássica : 78 rpm. 

Somente nos anos cinquenta, surgiu uma nova tecnologia que trouxe o LP (Long Player), um disco com maior capacidade de armazenamento de músicas, e a rotação adequada para executá-lo, passou a ser observada na rotação em 33 & 1/3. Mas havia também discos lançados em 45 rpm, geralmente compactos simples e duplos. Eu não saberia determinar exatamente quando surgiram os discos adequados para 45 rpm, mas no meio dos anos 1980, tornou-se uma espécie de moda, principalmente na Inglaterra, que bandas tanto do nicho do Heavy-Metal, quanto da turma do Pós-Punk, lançassem entre um LP e outro, um EP, ou seja, um trabalho em 45 rpm, como uma opção intermediária entre o compacto simples, que geralmente trazia o grande hit do LP, e uma música obscura no lado B (geralmente não inclusa no LP, para forçar o fã a comprar o compacto, também), e o LP normal a seguir. 
Essa matéria acima, saiu em junho de 1985, na Revista Bizz, a enfocar a Baratos Afins, não como loja, mas como micro gravadora que apesar de estar lançando tantos artistas, tinha suas dificuldades financeiras, também. Na foto extraída diretamente na famosa Galeria do Rock, onde a Baratos Afins foi a pioneira loja de discos ali a instalar-se. Da esquerda para a direita, Serginho Santana (Patrulha do Espaço); Robson (Performances); Hélcio Aguirra (Golpe de Estado); Luiz Calanca e eu, Luiz Domingues (A Chave do Sol), com a mão no queixo e assinalado por uma marca de caneta esferográfica.

Então, antenado sempre nas novidades europeias, o Calanca quis lançar alguns discos das bandas de seu elenco, nesse formato. Os seus argumentos principais foram : 

1) A tendência "moderna", e;

2) O fato do sulco ser mais largo, ao aumentar a qualidade do áudio da bolacha de vinil.

Contudo, claro que houve um terceiro elemento além, que foi o fato do álbum ficar mais barato, pois se continha menos músicas, portanto minimizava o custo do artista em estúdio, ao gravar-se menos músicas.


Postas essas explanações, vamos aos casos propriamente ditos :

1) Certa vez, eu estava na loja Baratos Afins, a visar falar com o
Calanca, quando finalmente ele veio atender-me. Para quem conhece o Luiz Calanca, e a movimentação na sua loja, sabe bem que é mais fácil marcar uma audiência com o Papa, ou o presidente dos Estados Unidos, do que falar com calma com ele, Calanca. Não que ele seja uma pessoa difícil por questão de temperamento, muito pelo contrário, pois é um rapaz simples; solícito; brincalhão e sempre a manter o seu bom humor. O problema, é que não param em abordá-lo, o tempo todo. É assim desde que o conheci, em 1983, até os dias atuais. Então, em um raro momento em que ele chamou-me para conversarmos, um funcionário interrompeu-nos poucos segundos depois, ao dizer-nos ser um interurbano da parte de um cliente de Cachoeiro do Itapemirim / ES, que estava a desejar fazer uma troca. Inevitavelmente, ouvi-o a falar ao telefone. Calanca dizia que o disco estava perfeito e não estava a entender a reclamação do rapaz. Ele respondia os questionamento do cliente ao proferir frases como : 


-"Como assim, parece que o vocalista está bêbado" ?  
-"Disco estragado" ?

Foi quando o Calanca retrucou-lhe :

-"Amigo, em qual rotação o disco está a ser tocado na sua pick-up" ?
 

Aquela frase gelou-me a espinha, pois eu temi pela resposta que o cliente forneceria. Quando desligou enfim o telefone, Calanca disse-me que enquanto falava com o cliente, ouvia ao fundo, "Anjo Rebelde", ao ser tocada em rotação 33 &1/3 e dessa forma, é claro que a banda soava como um pastiche em fase de derretimento... 

Aconselhado para mudar a rotação no pick-up, o cliente verificou enfim, que em 45 rpm, a música era executada em sua normalidade...

2) Mais ou menos nessa mesma época, eu estava em minha residência em um domingo a tarde, a ler o jornal e descansar, quando resolvi ligar o rádio. Eu sabia que o nosso disco estava com a execução de duas músicas, "Anjo Rebelde" e "Um Minuto Além", na programação da 89 FM, e dessa forma, arrisquei ouvir um pouco da programação para ver se teria a sorte em escutar uma das duas. Devia ser 15:00 horas, mais ou menos, e após uma overdose de bandas Techno-Pop oitentistas, eu ouvi a introdução de "Anjo Rebelde", mas claramente na rotação errada, sob a rotação em 33 & 1/3. A música arrastava-se e o riff primordial soava medonho, como se o baixo e a guitarra estivessem com as cordas frouxas, muito longe da altura correta de sua afinação. Quando a voz do Fran Alves entrou, piorou muito, pois parecia um fantasma ébrio, a cantar uma ária de ópera no tobogã de uma piscina...

Aquilo deu-me desespero, pois foi vergonhoso para a banda, ter uma execução radiofônica nessas circunstâncias adversas ! Então, subitamente, a música foi tirada do ar, mas de uma maneira brusca, a denotar que algum técnico entrou a correr na sala técnica do estúdio e tirou a agulha do disco às pressas, e com truculência eu diria, pois deu para ouvir um tremendo arranhão ! O funcionário da emissora colocou o disco no pick up, e deve ter ido ao banheiro; cafezinho, ou qualquer outro motivo, e deixou tocar a música daquela maneira, até a sua metade praticamente ! A rádio ficou alguns segundos em silêncio profundo, mas a música não tocou novamente, na rotação correta, como eu torci para que acontecesse. O sujeito deve ter ficado com raiva, e quebrado o disco...

A terceira história é a mais hilária, ainda que mostre-se vergonhosa para a banda, embora não tenhamos tido nenhuma culpa por isso. Conto a seguir...




Continua... 

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