segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 216 - Por Luiz Domingues


Ainda em julho, havíamos sido contactados pelo diretório acadêmico de uma escola estadual de segundo grau. No meio universitário, era comum D.A.'s de faculdades mobilizar-se para produzir shows de Rock e / ou MPB, e basta ler através dos capítulos da história do Língua de Trapo, em minha autobiografia, para constatar o quanto esse nicho foi importante, por exemplo. Contudo, um D.A. de uma escola de segundo grau, foi bem mais raro, e claro que ficamos um pouco ressabiados, pois se lidar com jovens universitários já seria preocupante pela suposta imaturidade no trato profissional, o que dizer de garotos em idade colegial ? Claro que a abordagem inicial foi ótima, e surpreendemo-nos com a seriedade com a qual fomos tratados na sondagem inicial, mas em ao tratar-se de garotos, quem garantiria que cumpririam as nossas exigências, e não digo apenas no quesito cachet, mas sobretudo pela condução de todo o trâmite a envolver a questão do equipamento providenciado; divulgação; organização etc...? Pelo lado positivo, apreciamos muito o entusiasmo dos garotos, e a sua proposta mostrara-se interessante, ao promover um micro festival de música autoral, e com A Chave do Sol como headliner do evento. 

Seria um show ao ar livre, no pátio da escola e além de tudo o que mencionei, preocupava-nos outras questões. Por exemplo, haveria a autorização oficial do colégio ? Quem garantiria a segurança ? Fico até contente por estar a admitir essa preocupação que tivemos previamente, pois a surpresa positiva que tivemos, foi tão positiva, que eu costumo lembrar-me dessa passagem como um exemplo de como as aparências enganam. Muitas vezes na vida, e não só a pensar n'A Chave do Sol, mas em minha carreira toda, eu estive diante de situações paradoxais desse porte. Essa foi uma delas...

Apesar de certa desconfiança de nossa parte, fechamos o show, e os garotos mostraram-se muito responsáveis em atender as nossas exigências básicas, que não foram nada estrambóticas, mas meramente garantias de que haveria um equipamento de som e luz, com qualidade mínima possível para a realização de um show de Rock profissional. Claro que não exigimos equipamento de primeira linha, nem camarins a conter pedidos exóticos. Haveria a presença de duas bandas autorais boas, formada por ex-alunos da própria escola e que mesmo a habitar o patamar bem underground, nós já havíamos ouvido falar sobre ambas. Foram : Anacrusa e TNT. O Anacrusa inclusive, já mantinha uma boa kilometragem na música, a mostrar-se bem respeitável. 


No dia do show, quando chegamos ao Colégio Gualter da Silva, localizado no bairro da Vila Carioca, um subdistrito do bairro do Ipiranga, zona sudeste de São Paulo, e gostamos em ver o empenho da garotada do D.A. Estavam mobilizados desde o início da manhã e naquela hora, cerca de 14:00 horas, o palco estava montado, com o técnico do PA contratado, a finalizar a equalização inicial. Portanto, já foi positivamente surpreendente que tudo estivesse pronto para o soundcheck. E no tocante à organização, eles houveram feito toda a logística da bilheteria; assim como a organização para a entrada do público; limpeza dos banheiros e trabalhavam a todo vapor na organização da cantina que venderia bebidas e lanches, além de ter preparado camarins privativos, a usar logicamente, as salas de aula da escola, e também por pensar em uma barraca para a comercialização de discos & souvenirs. Providenciaram o documento oficial de autorização da escola; além da autorização da parte da delegacia de ensino, e taxa do ECAD paga, previamente. Tinham também solicitado apoio da Policia Militar, que faria a segurança do evento. Apenas um fator deixou-nos apreensivos : eles resolveram que o palco seria sustentado de uma forma não convencional, porque fugira-lhes do seu orçamento, a contratação de uma empresa especializada nesse tipo de armação de palcos provisórios, e a solução encontrada para improvisar a sustentação, foi no sentido em usar-se dezenas de carteiras escolares !

Quando vimos aquela solução, ficamos realmente preocupados, pois aparentava ser um perigo e tanto, usar esse tipo de estrutura não usual. O Zé Luiz, que era o nosso "professor Pardal", desde sempre, foi verificar a estrutura montada que sustentava os tablados de madeira, que formaria o piso, e veio dizer-nos que estava impressionado, pois os garotos haviam feito amarrações com cordas náuticas, mediante grosso calibre, de uma maneira muito forte, e segundo ele, nem sentiríamos que a sustentação do palco sustentara-se com esse tipo de material. De fato, o palco não movia-se nem um milímetro, conforme verificamos através de uma inspeção realizada por nós quatro, componentes da banda, e dessa forma, ficamos tranquilos. O soundcheck foi tranquilo. O equipamento contratado não fora proveniente de uma empresa grande de mercado, mas mostrou-se muito digno e o técnico além de mostrar a sua competência, foi solícito, educado e gente boa. 

Os rapazes do TNT amavam Mutantes fase Prog, ou seja, corriam risco de vida ante a inquisição oitentista...

Fiquei amigo dos membros das duas bandas, principalmente o pessoal do TNT, com os quais mantive contato por bastante tempo depois desse evento. Gostava do som deles, que mostrava-se como uma avis rara naquela década, pois apesar de seus membros serem bem jovens, professavam aberta influência setentista, a cultuar bandas banidas do imaginário popular na década de oitenta. Esse show, no Colégio Gualter da Silva, foi o primeiro em que realizamos mediante a disponibilidade do novo disco recém lançado em mãos, apesar de nós não o termos encarado como show de lançamento. Isso por que estávamos a planejar um lançamento oficial para setembro, no Teatro Lira Paulistana, aonde inclusive, já tínhamos três datas reservadas. Mas foi ótimo ter o novo disco em mãos, logicamente. 

Vendemos cerca de vinte unidades naquela noite, para darmos o início de sua vendagem, ainda que não alardeada oficialmente desde esse dia. E ao final, tivemos mais uma boa surpresa : recebemos o nosso cachet sem nenhum problema. Eram garotos imberbes em sua maioria, mas agiram como homens maduros, muito mais que muitos picaretas que conhecemos no decorrer da trajetória da banda e estendo essa triste realidade para a minha carreira inteira, lamentavelmente. Ficamos muito contentes em ter fechado e participado desse show, que foi impecável pela lisura da garotada e animado pela recepção do público. Tudo isso ocorreu no dia 24 de agosto de 1985, no pátio da Escola Estadual Gualter da Silva, com cerca de trezentas pessoas presentes ao evento.

Antes de falar dos três shows de lançamento do EP, no Teatro Lira Paulistana, devo falar ainda de um show avulso ocorrido anteriormente a essas datas, e também falarei bastante sobre a maratona de divulgação do disco, que fizemos, assim que ele chegou da fábrica. Infelizmente não existe nenhum registro desse show, tanto em termos de fotos, quanto portfólio. Mas eu soube que um rapaz filmou o nosso show com uma câmera Mini-VHS, uma raridade na época. Infelizmente, que eu saiba, ele não disponibilizou tal material no You Tube, pelo menos até os dias atuais. Ao surgir alguma novidade nesse sentido, posto imediatamente esse raro material, é claro.



Continua... 

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