quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 211 - Por Luiz Domingues

De volta à gravação do EP, as sessões para gravar-se os overdubs de guitarras e vocais, ocorreram em várias madrugadas do mês de julho de 1985. Foi tudo bastante corrido, pois não tínhamos muitas horas disponíveis, isso porque o produtor, Luiz Calanca ofereceu-nos um orçamento bastante modesto, no padrão típico de produções independentes. Lógico, além de termos a compreensão de que fora o melhor que o Luiz Calanca poderia oferecer-nos, estávamos gratos pela oportunidade, e quero deixar bem claro que houve um esforço bem grande de nossa parte em sermos colaborativos. 
Luiz Calanca e Rubens na técnica, a ouvir o material gravado.
Presentes também, o guitarrista da banda Fênix, Iran Bressan, sentado e a usar camiseta preta com estampa do guitarrista, Eddie Van Halen; no canto direito, semi-encoberto, vê-se ainda que encoberto, Ricardo Giudice, guitarrista do Abutre, e eu, Luiz Domingues, que estou sentado e encoberto, na linha da lata de cerveja na mão do Rubens. Click de Carlos Muniz Ventura 

No caso das sessões de guitarra, o Rubens trabalhou com todo o nosso apoio e foi tudo tranquilo, apesar de corrido. Todos os solos e contra-solos estavam montados previamente, mediante os nossos ensaios caseiros. Eventuais novidades criadas sob improviso, foram mais em termos de efeitos, principalmente a alavancada de extensão na região grave, que deu um toque "Tony Iommi", na música "Ufos". 

Em relação aos vocais do Fran Alves, um fato muito engraçado aconteceu logo na primeira sessão : enquanto ele fazia os seus primeiros testes para estabelecer o "level" para o técnico, ouvíamos um sutil zunido em cada emissão ocorrida em seu microfone. O técnico pensou em mil coisas relacionadas à frequências, depois mexeu nos patches de paramétricos e por fim, intrigado, checou a sala de gravação à procura de algum objeto que pudesse estar a vibrar e assim permitir essa estranha frequência, que parecia-se com um autêntico, "wistle". Então, para a surpresa de todos, o Fran soltou uma frase que despertou a atenção de todos : -"Ah... acho que eu já sei o que é"... 

Inacreditavelmente, colocou a mão em sua boca, e através de um movimento forte, porém calculado, arrancou um pivô de sua arcada dentária ! Ficamos todos atônitos com essa atitude inusitada, mas desdentado e convicto do que estava a fazer, pediu para voltarmos aos testes, indo direto para a sala de gravação. E assim que começou a cantar, novamente, o estranho zumbido erradicara-se ! 


Rimos muito da situação, que na verdade fora tragicômica, no entanto, de fato, o pivô que não estava devidamente cimentado com o material odontológico, produzia esse sutil sopro, que submetido a um microfone dotado de uma sensibilidade absurda, parecia um canto de Banshee... e mais engraçado ainda, foi que ele o recolocava tranquilamente em sua arcada dentária, ao demonstrar estar acostumado com essa espécie de auto-odontologia, digamos assim...

Tudo correu bem depois desse artifício insólito da parte dele, e assim foram as sessões de gravação dos vocais do vocalista Fran Alves. Outro fator que precisa ser lembrado : no início das gravações, o técnico de som foi um sujeito chamado, "Nico". Ele fez a captura inicial das bases, mas logo a seguir, por uma determinação da direção do estúdio Vice-Versa, assumiu outro técnico, chamado, Zé Luiz. 

Alta madrugada, a ouvir o resultado até ali coletado...
Na frente, sentados, Zé Luiz, o técnico; o produtor fonográfico, Luiz Calanca dorme sobre duas cadeiras, e Fran Alves. Em pé, da esquerda para a direita : Eliane Daic (produtora da banda e namorada do Zé Luiz Dinola na ocasião); Zé Luiz Dinola; Luiz Domingues; Rubens Gióia; e Iran Bressan (guitarrista da banda Fênix). Click de Carlos Muniz Ventura, baixista da banda Fênix. 


Esse Zé Luiz era bem mais jovem, mas demonstrava capacidade, e o que tranquilizou-nos, sem dúvida, foi o fato de que ele estava a operar as gravações do disco do Platina, após a retomada dos trabalhos dessa banda, conforme já expliquei anteriormente. Dois pontos negativos eram salientes na personalidade dele : 

1) Infelizmente, era um pouco distante, e demoramos um pouco para estabelecermos uma proximidade, visto que o Nico era bem mais simples no trato pessoal; 

2) Ele demonstrava estar obcecado por conceitos modernosos de áudio, e no meio da década de oitenta, tornara-se impossível que não fosse alguma coisa abominável... 
Outra foto do mesmo momento de cansaço no estúdio Vice-Versa, mas o click desta feita foi meu, para que o amigo, Carlos Muniz Ventura, pudesse ser fotografado. Ele é o quarto em pé, da esquerda para a direita, a usar uma camisa xadrez avermelhada.

De fato, nunca esqueço-me que em uma determinada madrugada dessas, uma discussão surgiu sobre como seria o padrão da mixagem, e o técnico fez um mise-en-scené para mostrar-nos o que ele considerava o máximo da qualidade moderna de uma mixagem. E não deu outra, eis que ele colocou sob um volume ensurdecedor, o hit "Relax", da banda britânica : "Frankie Goes to Hollywood". 
As abominações que eu escutava das pessoas nos anos oitenta, veja só... nada como um dia após o outro, pois eu pergunto-lhe leitor amigo : o que representa "Frankie Goes to Hollywood" para a história do Rock ? Pois é...

Claro que era bem gravado e mixado, e claro que fora o que havia de mais moderno em termos de áudio, para 1985, mas também era um pastiche Pop, com a costumeira dose exagerada de reverber, típico daquela década. Fora os timbres de plástico daqueles instrumentos ridículos da época, sem nem ser necessário exprimir as razões pelas quais essa bandinha insignificante representava, estética e artisticamente a falar. E por fim, se fôssemos uma banda dessa estética do Pós-Punk, a flertar com o Techno-Pop oitentista, teria tudo a ver, mas nunca teríamos aquela sonoridade, e nem preciso explicar o por quê, não acha ? 

Outra curiosa passagem com tal técnico, ocorreu em uma sessão de mixagem, posterior. Mediante o surgimento de uma polêmica levantada pelo Zé Luiz Dinola, ele irritou-se, a demonstrar um destempero fora de propósito. Irritado pelo pedido de mais volume em um tom-tom (um dos tambores de uma bateria), durante uma virada de determinada música, ele falou algo do tipo : -"Ah, querem mais volume ? Então toma"... para em seguida, levantar o botão master com certa truculência proposital. 
A presença ilustre no estúdio, dos irmãos Giudice, Ricardo e Wagner, respectivamente guitarrista e vocalista do Abutre.Click de Carlos Muniz Ventura

E ainda nessa toada, mas agora em tom de piada, contou-nos uma "técnica" que usava para ludibriar músicos "chatos". Segundo ele, quando estes perturbavam-no para que ele imprimisse mais volume, ele colocava dois dedos a envolver o botão e os girava em falso, e em seguida falava para o músico : "e agora, melhorou" ? Em 99% dos casos, o músico dizia que sim, pois como um efeito placebo, psicologicamente acreditava que o volume aumentara, quando na verdade, não havia mudado nem um milímetro... Ha ha ha... foi óbvio que a galhofa conteve significado duplo com essa "revelação" de sua parte...
O produtor Luiz Calanca, vencido pelo cansaço na sessão de gravação. Click : Carlos Muniz Ventura


Ao ser justo, falei de aspectos negativos, mas com o tempo, ele colocou-se a afeiçoar-se um pouco mais conosco, e já nas sessões de mixagem, o clima foi quase em termos de camaradagem, mas nós entendíamos que o temperamento dele era assim mesmo.
A brincar de imitar a capa do LP Sheer Heart Attack, do Queen...

Continua...

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