terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 222 - Por Luiz Domingues

Não quero parecer chato, mas veja o texto desse serviço publicado na revista, "Isto é", uma das maiores do Brasil. Como assim, damos uma chance ao Jazz Rock, e ao Blues ? A ideia do release distribuído à imprensa fora clara : todas as vertentes citadas tinham a ver com o trabalho.

Os shows de lançamento do EP foram feitos com o foco máximo que podíamos manter ante os nossos recursos. Digo isso, porque o clima estava estranho no âmbito interno, apesar de estarmos mergulhados em um ritmo frenético, com tantos compromissos de mídia e shows, porque sabíamos que o nosso vocalista, Fran Alves, estava chateado por conta dos sinais de rejeição que eram claros, lamentavelmente, por parte dos fãs, principalmente, mas também por pessoas ligadas mais diretamente a nós, em tom de seu desagrado em relação à presença dele na banda. Mesmo chateados com essa movimentação, e sobretudo por vermos o Fran entristecido, não queríamos que ele saísse, em uma primeira instância.

Para nós, havia dúvidas em relação ao posicionamento que adotáramos sobre o peso extra adquirido no trabalho da banda, praticamente a aposentar o repertório antigo e tradicional, mas mesmo que mudássemos tudo (que loucura, com um disco novo recém lançado...), não cogitávamos ficar sem o Fran Alves entre nós. Gostávamos dele como cantor; frontman; artista; e Ser Humano, sem dúvida alguma. Enfim, essa foi a nossa posição, mas ele detinha os seus sentimentos, e era natural que buscasse os seus interesses pessoais. Digo isso ao basear-me no fato consumado, pois na prática, no calor da ocasião, é claro que eu não dimensionei isso. Aliás, nem ninguém poderia deduzir tal desfecho... 

Bem, a despeito dessa energia mais baixa que notamos em sua postura, o empenho nos ensaios foi total e também em relação à pré-produção do show. Fizemos tudo o que foi possível na época, para divulgar os shows corretamente. Tínhamos um belo cenário pronto, criado e produzido pela Elisabeth Dinola, e claro, com a providencial mão de obra de seu irmão, José Luiz Dinola. As intervenções performáticas tornaram-se mais simples desta feita, mas estavam ensaiadas a contento, também. O técnico do Lira Paulistana era nosso amigo (Canrobert), e daí em diante, tornou-se até o nosso técnico em muitos shows realizados fora do Teatro Lira Paulistana. 

Enfim, tudo mostrou-se favorável para que efetuássemos ótimos shows... e assim concretizou-se ! Não tenho lembranças específicas sobre cada um deles, que justificasse alguma menção, especial, portanto, falarei genericamente sobre os três dias em que atuamos. 

Bem, o show começava com uma locução em off, com o poeta, Julio Revoredo, a declamar um poema de sua autoria. Ele fazia essa locução, pela coxia do teatro e causava um impacto inquietante, visto que obviamente declamava um de seus poemas mais herméticos, com difícil compreensão para o público em geral. Claro que isso causou um efeito, e lembro-me de que o jornalista, Antonio Carlos Monteiro, a representar as revistas Roll e Metal, ter comentado que achara aquilo muito incomum para um show de Rock "moderno", pois seria o tipo de intervenção performática que não era mais comum, desde os anos setenta. Bem, nesse aspecto, particularmente eu tomava uma declaração dessas como um verdadeiro elogio, é óbvio. 

Tocamos todas as músicas do EP, evidentemente, além de "Luz" e "18 Horas" , do compacto. Mas também tínhamos "Átila", no repertório, que continha bastante peso, e intervenções dos três instrumentistas em momentos solo, foram observadas no palco. E geralmente tais intervenções eram longas, ao justificar a saída dos demais do palco, para voltar-se em momentos combinados previamente, como "deixas". Para conceder uma diferenciação acentuada, em uma dessas ausências do Fran Alves, para a apresentação dos números instrumentais, criamos uma intervenção com "atores".

A sketch foi mais uma intervenção inspirada no "Teatro do Absurdo", com três atores a entrar em cena, ao final da música que antecedia uma dessas saídas do Fran, e providenciar o seu "sequestro", mediante o uso de força bruta, e sob a mira de uma arma de fogo. Tratava-se de uma velha espingarda que o Rubens tinha em casa, que era mais uma peça decorativa do gabinete de seu pai. Claro que não funcionava, mas era real e antiga. Em tal número, os atores entravam mascarados e tiravam o Fran com uma certa truculência encenada. Havíamos combinado que mesmo não sendo uma ação feita por atores profissionais, que fosse contundente e rápida, para suscitar a dúvida no âmago do público. 

O efeito de tal ação realçar-se-ia com o fato de que mesmo diante de uma situação inusitada, a banda continuaria a tocar, e assim a ignorar o ato. Nessa fração de segundos, queríamos deixar o público atônito. Claro que esse sentimento duraria poucos segundos, pois não haveria por demorar muito além do bom senso de cada um. Porém, nos três dias, o efeito foi alcançado, e particularmente, eu adorava observar a reação das pessoas nesse momento do show. Na parte final, outra intervenção semelhante ocorria, com o poeta, Julio Revoredo, totalmente disfarçado, a usar um manto negro, entrava no palco e caminhava de forma lenta e um pouco sombria. 
Uma receita de bolo absurda, lida em off, e que desnorteava o público. Acervo e cortesia de Julio Revoredo.

Outra locução, desta feita gravada em fita K7 (com a minha voz), foi disparada, para deixar o público novamente atônito. Bem mais simples em relação aos shows de lançamento do compacto em 1984, como já havia salientado, no entanto tais sketches foram muito funcionais. Devo registrar que o cenário ficou lindo, mas recebeu críticas, e até motivou pilhérias, infelizmente. O fato, deu-se por conta de que quando vimos a concepção da obra, dos primeiros esboços (rafs) da Beth Dinola, até o seu lay-out final, não levamos em consideração a malícia, uma manifestação inerente e típica do povo brasileiro. Pois a ilustração ao mostrar o homem a olhar o horizonte, sob o sol, foi retratado de costas, é bem verdade, todavia... inteiramente nu. A nossa visão fora em torno de uma metáfora a retratar a humanidade, entretanto, piadas circulavam sobre o show d'A Chave do Sol conter um homem "pelado" como cenário e portanto, ter uma conotação "gay" como bandeira institucional. Rimos, é claro, dessa baboseira, mas consideramos que aquilo jamais seria compreendido como algo filosófico, a evocar o humanismo, a não ser que passássemos a cumprir shows na sede da Palas Athena, ou da Sociedade Teosófica... 
Embalagem de um saco de balões (aqui em São Paulo, chamamos isso como : "Bexiga"), que usamos no show. Acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo

Lamentamos bastante a incompreensão do público, e somente usamos o cenário completo, nesses três dias, para aposentar a ilustração da representação da humanidade, ou simplesmente do homem nu como alguns enxergaram, doravante. A partir daí, só passamos a usar a parte externa da instalação, com a fechadura, e mesmo assim em poucas ocasiões, pois tal cenário demandava uma estrutura de cenografia que nem todo lugar onde tocamos doravante, possuía. 

Esses três shows de lançamento do EP, ocorreram nos dias 27; 28 & 29 de setembro de 1985, no Teatro Lira Paulistana.

O público presente nos três shows foi composto por :

Dia 27 : oitenta pessoas
Dia 28 : cento e vinte pessoas
Dia 29 : noventa pessoas

Volto a falar sobre os aborrecimentos que o novo disco que lançamos, causou-nos, pelo fato da sua rotação alternativa, ter sido feita em 45 rpm...



Continua...

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