Chegou a hora de falar de Aila, minha cadela marrom de olhos de
"Papaléguas", aquele mesmo do desenho animado.
De vez em quando eu e ela
trocamos olhares desafiadores.
Ela, como algumas personagens femininas de
Machado de Assis, tem olhos oblíquos e dissimulados. Dá mole que eu te
fodo, parece que os olhos dela me dizem, ou então não tente me decifrar
que sou mulher, portanto, sou selvagem e é melhor que você me espanque
de vez em quando para a coisa não sair dos trilhos.
Quando ela rosna no
prato os machos saem acanhados e esbaforidos. Os olhos dela, se você a
encarar, vão para a direita e para a esquerda, buscando esquemas mentais
indecifráveis e diabólicos e quando param no centro para te fitar você
já sabe que com ela nunca vai entender coisa alguma. Ela está perto de
você e longe léguas dentro dela mesma, além.
No fundo, tímida. Não gosta
muito de mostrar seus reais sentimentos, mas você tem vontade de
mata-la as vezes, devido a seus exageros femininos. Por que toda vez que
saio de casa a vizinhança toda tem que saber, por que ela grita
desesperada como uma mulher quando finge um orgasmo, levando meus nervos
ao desespero e me deixando corado de vergonha.
O exagero é tão grande
que jovens viúvas perdem no enterro. Quando vou sair, sou transformado em
celebridade pela minha cadela. Adeus, discrição da minha vida. Um dia
um rapaz parou o carro enquanto ela continuava o escândalo no portão.
“olha, meu amigo. Aquela cachorra é sua? Acho que ela tá esganada no
portão”. Não, amigo, é humor negro dela, sacanagem mesmo. Ele ri e vai
embora.
Para que se entenda como ela me leva ao céu e ao inferno em
instantes, um dia eu limpei a casa com capricho e ia dar-me um justo
relaxamento com uma cervejinha e uma linguiça mista frita no capricho.
Com uma ingenuidade de anjo pus um instante a linguiça na varanda. A
cena foi cinematográfica e poderia ser feita em câmera lenta. Menos de
um minuto e com a destreza de Papaléguas Aila bateu com arte a minha
linguiça, no talento. Em segundos, sequer eu podia recuperar pois parece
que ela triturou e engoliu na velocidade da luz. Fiquei possesso e nesse
dia fiz valer meus direitos de homem e espanquei-lhe um tanto.
Desisti
da linguiça e fui deitar, deprimido como um suicida. Depois que parei
para pensar no pitoresco da situação, desatei a rir como um demônio na
noite. Essa é Aila dos olhos de Papaléguas, “dá mole que eu te fodo”.
Marcelino Rodrigues é colunista sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos traz uma crônica falando sobre Aila, uma cadela faceira, mas muito amiga dele.
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Aila - Por Marcelino Rodriguez
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