terça-feira, 24 de novembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 230 - Por Luiz Domingues

Paciência, já que não foi possível ter agendado ao contrário em relação ao show da noite anterior, lá fomos nós para Catanduva-SP, cidade distante cerca de cinquenta Km adiante de São José do Rio Preto, mas no sentido inverso do que teríamos que cumprir ainda.
Catanduva também é uma cidade bem quente, e quando chegamos ali, o sol estava abrasador. Lembro-me que o Luiz Barata nos dissera estar contente por estar ali, pois era a terra natal de sua mãe.
A casa em que tocaríamos se chamava:"Ópera Pub". Era uma casa de muros baixos, com ampla área a céu aberto e o palco ficava montado em um local mais reservado no entanto, não exatamente fechado, com as laterais abertas e a nos dar a visão parcial do enorme pátio ao ar livre.  Lembrou-me vagamente o espaço físico de uma outra casa que visitáramos, o The Doors Pub de Monte Alto-SP, onde tocáramos quase um ano antes, mas este era bem mais rústico e o palco e equipamento, bem piores. No quesito estrutura, estava mais próximo do V8, de São Roque-SP, onde tocáramos no início do ano.

Eu empreendi a minha volta habitual para comprar os jornais locais e no meio do caminho me arrependi, pois ali não era o centro da cidade e após caminhar vários quarteirões sem achar uma banca de jornais, estava a desidratar de tanto calor, quando finalmente avistei um posto de gasolina com loja de conveniência. E pior de tudo, o meu sacrifício fora em vão, pois nem uma simples nota houvera saído nos jornais locais.

Passado esse desconforto com o calor, de volta ao estabelecimento, o soundcheck foi feito e nos deixou claro que não seria um show confortável para nós. As deficiências de um equipamento com um PA inadequado atrapalhar-nos-iam, certamente. 

Resignados, demos o nosso máximo ali, e encerradas as possibilidades para se melhorar a qualidade sonora, nos contentamos com o menos ruim possível. Fomos levados ao hotel por uma pessoa da produção local e quando chegamos, vimos que era simples pela fachada, mas não haveria problema, pois ali ninguém era uma diva temperamental a dar chiliques diante desse fato da simplicidade franciscana do estabelecimento. Então, quando entramos no estabelecimento.

Bem, para início de conversa, a fachada enganara, pois lá dentro, o que pareceu ser mesmo foi o ambiente de uma penitenciária. Cheio de corredores labirínticos e opressores, fomos sendo levados pelo funcionário do hotel para os quartos, e quando achávamos que seria uma estadia ruim, piorou quando percebemos que os nossos quartos ficariam em uma ala rebaixada, como se fosse um porão da construção, e que para acessá-la, tivemos que curvar as nossas cabeças para entrarmos em um corredor com um nível abaixo.

Entramos nos quartos às duplas e o interior de cada um era um horror. O aspecto das paredes com a pintura descascada, vários pontos de mofo, baratas a passear alegremente pelo ambiente como se fosse um parque para elas e o pior de tudo, um calor horripilante que não seria vencido pelo ventilador espartano, que deve ter sido uma aquisição feita nos anos 1920, pelo seu design e aspecto mal-conservado.  

Alguns chuveiros simplesmente não funcionavam e assim, de forma solidária, nos organizamos para usarmos os poucos disponíveis, a atrasar o processo da preparação individual da nossa comitiva.

De comum acordo, diante desse quadro, resolvemos não nos hospedarmos ali e após o show, colocarmos o equipamento no carro e partirmos imediatamente para Jales-SP, o nosso destino para o sábado subsequente. 

De volta para a casa noturna, quando chegamos, vimos que ela estava lotada. Foi mais uma casa onde a maioria dos seus frequentadores não teve ideia de quem éramos, formada pela jovem burguesia local. Clima de balada com muita menina bonita, e garotões bem aprumados a descerem de carrões caros providos pelos seus respectivos papais ricos pelo agronegócio etc.  

No entanto, como em todo show, houveram os abnegados fãs locais, e alguns vindos de cidades vizinhas. Com discos de vinil e CD's da nossa banda nas mãos, foi muito agradável para nós verificarmos nos seus semblantes a emoção por nos ver a entrarmos ali no ambiente, com alguns deles a nos abordar antes mesmo do espetáculo ser realizado, e a pedirem desculpas por não serem a maioria ali a nos prestigiar. Ora, não eles tinham culpa alguma nesse aspecto, e pelo contrário, eram vítimas das circunstâncias, também, por estarmos a vivermos numa época difícil para o Rock. 

Alheios à essas constatações, os jovens burgueses se divertiam bem dentro daquela prerrogativa clássica da noite: estavam ali para se embebedar, arrumar parceiros sexuais e nada mais. O som mecânico da casa nos massacrava os ouvidos. Música eletrônica maçante, sem sentido artístico algum, mas tão somente com o objetivo de reverberar barulho onomatopaico e monocórdico para entorpecer a mente, e justificar a bebedeira. 

Foi quando o dono da casa anunciou uma banda de abertura. Bem, vamos ver se na ausência do som mecânico e monocórdico, tais jovens se interessam por humanos a tocarem canções conhecidas que poderiam cantar junto, pensamos. Entretanto, ledo engano de nossa parte, o estranho combo formado por violão/voz, baixo e bateria com os três músicos a tocarem como se fosse um show intimista de barzinho, não chamara a atenção de ninguém, embora fossem bons músicos e estivessem a executar clássicos do Rock em arranjos minimalistas.  

Achávamos que seria um show tradicional de abertura, com trinta ou trinta e cinco minutos no máximo, mas a apresentação desses rapazes foi a se alongar. 

Falamos com o gerente da casa, e ele nos comunicou que queria que começássemos por volta da uma hora da manhã, portanto, a abertura desses rapazes foi de quase duas horas, ao passar muito do limite e a causar tédio generalizado, inclusive em nós, que nos aborrecemos com uma espera tão longa. Para piorar, não havia um camarim reservado, portanto, a espera foi ali mesmo no ambiente, sentados em uma mesa em meio à balbúrdia da clientela, e dessa forma, o inevitável aconteceu e o cansaço se multiplicou.

Quando entramos, os fãs da banda se agitaram e isso nos deu gás para fazermos o nosso show com entusiasmo, apesar da canseira toda. E assim foi, com aqueles vinte e poucos freaks a agitarem, como se estivessem a nos ver a atuar no palco do Marquee de Londres, mas o restante, trezentas e trinta pessoas, aproximadamente, a se mostrarem completamente alheias e nem preocupadas em aplaudir educadamente, mas a ignorar-nos retumbantemente. 

Isso não nos incomodara em nada, e os vinte e poucos Rockers fizeram a sua parte ao aproveitarem ao máximo, e além do mais, não foi a primeira vez que que deparávamos com um tipo de público com atitude blasé, assim.  

Quando demos o último acorde, o DJ da casa não deu nem um segundo de pausa e soltou novamente no PA da casa, um bombardeio de "música" eletrônica. A jovem burguesia teve uma reação quase bovina ao comando, que me fez lembrar do filme: "A Máquina do Tempo"("The Time Machine"), de 1964, e baseado na obra de H.G. Wells.  Quem viu esse filme, há de se recordar do sinal da sirene que hipnotizava as pessoas. 

Bem, os poucos freaks presentes se fartaram com a nossa música, e artisticamente a falar, foi a nossa motivação maior ali, certamente.
Resolutos em viajarmos imediatamente para Jales-SP, apesar do cansaço, foi muito melhor do que tentar dormir e não conseguir certamente, naquele hotel insalubre...

Continua...

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