Enquanto a nossa aparição no programa: "Frente Jovem"(ao "abrir" o Menudo), foi ao ar, no dia 18 de outubro de 1986, nesse mesmo dia, fomos aos estúdios da emissora Imprensa FM, onde concedemos entrevista ao programa: "Rádio Corsário". Foi na verdade, a segunda vez que fomos entrevistados nesse programa, e no caso, a primeira vez ocorrera em maio do mesmo ano.
Tratava-se de um programa "peso-pesado", dedicado aos fãs do Heavy-Metal, predominantemente, mas claro que nós éramos bem recebidos nesse ambiente, e certamente reconhecidos como "dessa turma". Simpáticos, os seus produtores nos trataram em ambas as ocasiões com bastante entusiasmo, portanto, claro que nós aceitávamos o apoio de bom grado.
Nesse ínterim, o Clemente Nascimento, guitarrista e líder d'Os Inocentes, nos convidou para o cocktail/show de lançamento do EP que haviam gravado pela Warner, e cuja história de colaboração mútua entre as bandas, foi amplamente relatada em capítulos anteriores. Foi mais uma típica reação às ações espontâneas da banda, e nada a ver com os esforços do Studio V, portanto.
Claro que aceitamos, e o Clemente nos advertiu que seria bom para a banda estar presente, pois muitos jornalistas, executivos da Warner, e artistas do mainstream, estariam presentes e mesmo que ali não fosse lugar para contatos, "ser visto" seria importante. Marcar presença foi uma necessidade premente, para aos poucos, sermos inseridos no patamar de cima da música.
Contudo, atormentava-nos a perspectiva de que estarmos em meio a um show de Punk-Rock, na casa de shows, Madame Satã, ali na metade dos anos 1980, foi um exercício de extremo perigo para hippies defasados, cabeludos, e certamente confundidos com "headbangers" ou "metaleiros", como rezara o estigma tupiniquim da época. Nos anos 1980, a hostilidade chegou às vias de fato, e envolveu muitas vezes, em casos extremos, ocorrência de mortes e graves ferimentos oriundos de emboscadas, registradas nas páginas policiais.
Para estacionar o carro nas imediações, e caminhar até o estabelecimento, já haveria de ser uma situação bastante perigosa. Entrar na casa, também não era recomendável, personas non gratas que éramos naquele ambiente oitentista hostil ao extremo.
Ponderamos, no entanto, que não poderíamos perder a ocasião, não apenas pela estratégia de "sermos visto" pelos formadores de opinião, mas também por uma questão de educação e gentileza aos Inocentes, que foram de fato, muito simpáticos para conosco.
Outro ponto, o próprio, Clemente nos alertou que não deveríamos temer, pois apesar de realmente haver uma atmosfera hostil para quem não compactuasse com a estética do Punk/Pós-Punk, mote da casa em questão, por que naquela ocasião em específico tais ditames estariam obscurecidos, visto que, equipes de reportagem de TV estariam presentes, muitos jornalistas e muita gente alheia às tribos oitentistas e os seus radicalismos, portanto, seríamos respeitados e como convidados dele, pessoalmente, e dessa forma, dificilmente aconteceria uma provocação, e menos ainda uma agressão física.
Bem, ponderamos que a argumentação foi sólida e fomos os quatro, mais Eliane Daic, a nossa produtora, nessa altura já contratada do Studio V, e subordinada à Sonia, que incumbiu-lhe de fazer um relatório completo, a ser entregue no escritório, no dia seguinte.
Fomos então ao estabelecimento. Nos vestimos condizentemente para um cocktail badalado de motivação Rocker, mas sem exagerar no figurino. Não usar nada anacrônico que nos estigmatizasse com as décadas de 1960 e 1970, sem dúvida alguma, e muito menos deixar margem à interpretação errônea de que seríamos "metaleiros". Apesar desse jogo de cintura na arrumação do visual, as nossas cabeleiras denunciariam prontamente a nossa não adequação natural ao ambiente.
Demos sorte na rua, pois apesar de muita gente hostil estar distribuída pelas calçadas, nada de ruim aconteceu conosco. Lá dentro, a casa estava lotada e de fato, havia muita gente da cena oitentista a circular pelo ambiente, além de famosos que pouca afinidade mantinham com os meandros da música e sobretudo com o Rock. Jornalistas e executivos da gravadora, Warner, também estavam presentes.
Fomos hostilizados, mas bem de leve. Alguns esbarrões "sem querer/propositais", cochichos, gente a apontar para nós, alguns a debochar e rir... mas nada que nos indignou fortemente.
O show d'Os Inocentes ocorreu no famoso porão da casa, e ali o calor era normalmente, enorme, a aí sim, seria imprudente ficarmos parados a assistir, pois o público punk, propriamente dito, fazia as suas "rodas de pogo", e a luta livre não era o nosso esporte predileto, enfim. Saímos do ambiente com tranquilidade, sem maiores hostilidades e/ou perigos.
A aproveitar a deixa dessa lembrança, conto mais uma neste capítulo: Um outro amigo que tínhamos no patamar de cima da música, Charles Gavin, nos convidou a assistirmos um show d'Os Titãs, onde poderíamos usufruir também dessa estratégia de "sermos vistos" nos lugares certos, nas horas certas...
Fomos então em uma noite de quinta (não tenho certeza, mas acho que foi isso), assistir o show d'Os Titãs, no salão de festas do Clube Tietê, um clube que era muito tradicional na cidade e de fato, localizado às margens do rio Tietê, na altura da Ponte das Bandeiras, no Bom Retiro, bairro central de São Paulo.
Apesar de estarem consagrados e a viver uma grande fase midiática na época, curiosamente o show foi cumprido com pouco público presente no amplo salão de festas desse tradicional clube.
A mixagem do P.A. estava excelente. Foi um dos shows de Rock em que ouvi com uma maior clareza a mixagem ao vivo de uma banda, sem dúvida. Não sei quem foi o técnico de P.A. que operou o show deles nessa ocasião, talvez já fosse o Canrobert Marques, nosso amigo e também nosso técnico em muitos shows d'A Chave do Sol (já falei sobre ele bastante em capítulos anteriores d'A Chave do Sol, e também nos do Língua de Trapo), mas independente de quem foi, realmente esse profissional fez um trabalho excelente na equalização de P.A.
Não apreciávamos a estética d'Os Titãs, portanto, se a mesma mixagem estivesse a favor de uma banda que rezasse pela cartilha 1960/1970, teria sido agradabilíssimo ouvi-la com aquela perfeição de timbres, equilíbrio e peso.
Infelizmente, não pudemos comparecer aos bastidores como o Charles desejara, pois algo desagradável aconteceu conosco. Mas claro que valorizávamos e muito o fato dele estar imbuído de toda a boa vontade em nos dar a sua ajuda sincera e tentar assim, nos puxar para o patamar de cima do Rock mainstream.
Havia pouca gente presente, mas os que estavam ali, eram de tribos oitentistas variadas, hostis entre si, de certa forma, mas unidas na hostilidade para com cabeludos antagônicos como nós.
Não houve um ataque direto, mas assim que o show começou, foram a nos envolver sutilmente e assim a nos jogar dentro da famigerada "roda de pogo" e ali, a usar da desfaçatez de ser uma ação prazerosa da cultura punk, o real objetivo foi nos agredir fisicamente...
Estávamos a assistir o show e ao percebemos a aproximação gradual, chegou em um ponto onde tornou-se insustentável permanecermos no salão.
Lembro-me de eu ter sido empurrado bruscamente pelo Beto, em um determinado instante, por que um sujeito passou muito perto de mim, naquele movimento que lembrava uma incorporação mediúnica, mas na verdade a deixar claro a sua intenção de aplicar-me um "cruzado de esquerda" de pugilismo...
Bem depois disso, o Rubens sugeriu que saíssemos, pois esses sujeitos estavam muito próximos, e claro que foi uma provocação a esperar que reagíssemos. Não deu, portanto, para cumprimos a visita aos bastidores, como havia sido sugerido pelo Charles.
Independente dos resultados sutis nessas duas empreitadas de motivação social, claro que o triunvirato formado por Sonia; Toninho & Miguel, vibravam com essa movimentação natural que a banda promovia, sem que eles fizessem nada para tal. E de nossa parte, ainda foi forte o sentimento que eles fariam muito, e tais boas novas vindas de nós mesmos, apenas prenunciariam em nossa percepção mais otimista, a nossa subida ao patamar mais alto da música...
Continua...
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