segunda-feira, 29 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 371 - Por Luiz Domingues


Saímos de São Paulo não muito cedo, como planejáramos previamente, por que o cansaço adquirido por termos feito dois shows em teatro, seguidamente, nos abateu, certamente. Mesmo assim, não chegou a ser uma perda de tempo desastrosa, mas apenas a configurar a questão de se eliminar a chegada ao Rio com mais calma, e assim, deixarmos a perspectiva de um almoço tranquilo, com direito a "siesta", como algo bem remoto.

Chegamos bem ao Rio, almoçamos rapidamente nas cercanias do Canecão, e entramos no espaço onde funcionava o espaço alternativo: "Caverna II".
Uma semana antes do show, soubemos que o idealizador do espaço, um rapaz chamado, Raul, havia falecido de forma chocante, pois tinha apenas vinte e oito anos de idade e fora vitimado por um ataque cardíaco fulminante. Portanto, sabíamos que haveria uma comoção por conta dessa perda súbita entre músicos, jornalistas, e frequentadores habituais do espaço, e claro que nos chateamos com a tragédia, também. 

Todo o arranjo para esse show ter sido produzido, correu nesse sentido da comoção, e o pessoal das bandas, Azul Limão e Dorsal Atlântica, que também participariam, empenharam-se para tudo sair a contento, com a homenagem ao rapaz a se concretizar da maneira que ele mais gostava de viver, ou seja, a produzir shows de Rock no Rio de Janeiro.

O clima de comoção foi total, naturalmente, mas houve também uma vontade muito grande da parte de todos, incluso nós, que nem muita amizade e convivência tivemos com o Raul, de fazer desse evento uma celebração em sua homenagem. E de fato, o foi mesmo.
Jornal Contracorrente, de abril de 1987, publicou a resenha de um de nossos shows no Centro Cultural São Paulo, em fevereiro

A casa lotou, com cerca de oitocentas pessoas presentes, as bandas cumpriram boas apresentações, e claro que houve uma profusão de discursos em memória do rapaz, muito precocemente falecido.

Não tivemos problemas com o calor desta vez, como houvera acontecido em relação à ocasião anterior, para induzir o Zé Luiz a um desmaio em pleno palco.

O relacionamento com as bandas cariocas era ótimo, e fomos muito bem tratados, por ambas. O público carioca também respondeu de forma excepcional, exatamente como houvera sido em 1986, quando de nosso primeiro show ali mesmo, naquele espaço.
Eis acima uma citação à nossa banda, como dentro do rol de clientes de Hélcio Aguirra, guitarrista do Golpe de Estado, que também era um dos melhores técnicos em amplificadores de São Paulo. Revista Mix

No cômputo geral, foi um excelente fim de semana para nós, e nos fez lembrar de nosso embalo pré-Studio V,  ao levar-nos a acreditar que estávamos por retomar o fôlego.

A outra irmã do Zé Luiz que morava no Rio, Eliana Dinola, esteve presente, e foi sempre uma entusiasta da banda e de seus progressos no avançar da carreira. Nessa noite, após o término do show, ao notar que estávamos bem cansados pela maratona de shows empreendida e a viagem no meio dessa logística, ofereceu-nos o seu apartamento no bairro de Ipanema, para descansarmos e seguirmos viagem no dia seguinte, em melhores condições.

Aceitamos a sua gentil oferta, e na contrapartida, a convidamos para jantar conosco. Fomos ao Sagres, da Gávea, restaurante que eu frequentava desde minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, em 1983-1984.

Ali no animado jantar, a Eliana Dinola nos disse que não se conformava com a história de nossa rejeição pela gravadora Warner, diante de tantos indícios de que entraríamos, graças às evidências que cercaram a nossa ascensão na carreira, e também pela associação com o Studio V, e o seu suposto poder de influência nesse meandro da indústria fonográfica.

Então, ela propôs que nós a deixássemos intervir, a se portar como a nossa nova produtora. Ela nos propôs fazer uma nova investida por sua conta e mesmo sem ser do ramo, nos convenceu em dar-lhe essa chance, por alguns motivos básicos: 
1) Ela tinha boa articulação; 
2) Forte poder de persuasão, por ter experiência em vendas;
3) Carisma pessoal;
4) Era uma mulher muito bonita.

Bem, ela tinha todos os atributos citados, mas não ser do ramo poderia ser problemático nesse tipo de abordagem, contudo, nós ponderamos: a Sonia tinha experiência em produção teatral, mas no campo da música, não sabia nada, mal a saber distinguir um embuste como Michael Olivier, o cantor popularesco que contratara, com um artista sério. Portanto, falta de conhecimento técnico do assunto, não seria o maior empecilho, mas por outro lado uma mulher charmosa e bonita, com tino de vendedora, poderia surtir efeito... portanto, por que não mais uma tentativa?
Publicada em fevereiro de 1987, essa reportagem repercutiu os melhores shows de 1986. A matéria citou três shows nossos marcantes na ótica da redação, tudo muito animador para nós, porém, cometeu uma gafe, ao publicar uma foto da banda ao vivo, mas de 1984, com a figura de Chico Dias como vocalista, portanto, algo bem defasado nessa altura de 1987... 

Outro ponto, quem nos garantiria que na ocasião da recusa da Warner, fora o Liminha em pessoa que vira o material e o vetara? Pode ter sido um assessor, cuja função seria justamente filtrar abordagens da parte de aspirantes e não tomar assim o tempo do produtor mais requisitado da companhia...

Então, loucura ou não, aceitamos a proposta e deixamos um material com ela, completo, e lhe demos instruções bem básicas para seguir. Ela não precisava entender de arte, música, Rock'n' Roll, tampouco sobre os desdobramentos de tudo isso. Precisava apenas envolver a pessoa mediante o seu poder de persuasão e convencê-la que o "produto A Chave do Sol" era bom, rentável e já mantinha um nome respeitável no mercado, aliás, sem apoio algum de uma gravadora major. Na cronologia da narrativa, eu voltarei a abordar esse assunto, para falar do seu desenvolvimento, que de fato, ocorreu, a provar que ela, Eliana, teve razão em um aspecto: detinha mesmo o seu poder de conseguir ao menos que a ouvissem, para ultrapassar a barreira da recepção no escritório. 

Quando saímos do restaurante e entramos no carro do Zé Luiz, o lendário, Dodge Dart, uma viatura da polícia nos abordou ainda nas imediações da Rua Marquês de São Vicente, perto do Shopping da Gávea.

Foi uma abordagem de rotina em princípio, mas o policial militar começou a engrossar quando notou que não haveria motivo para nos enquadrar em absolutamente nada e o tom da sua abordagem, denunciara o seu desejo recôndito. Então, tanto que investigou que ele achou uma "irregularidade", baseada no código brasileiro de trânsito. Ao olhar de forma cínica para o Zé Luiz, perguntou-lhe quantas pessoas deveriam ocupar os assentos daquele automóvel, segundo constava no documento. Estávamos em seis, isto é, os quatro membros da banda, a nossa produtora, Eliane Daic, e a irmã do Zé Luiz, Eliana Dinola. Mas no documento, estava escrito que o carro comportava cinco passageiros, e o sujeito apegou-se nessa argumentação. Só que o velho, Dodge Dart era o típico carro no padr5ão de uma "barca" norte-americana, ou seja, continha dois bancos inteiriços, ao estilo de um sofá, ou seja, cabia três pessoas em cada banco, aliás, o carro foi concebido para esse padrão, inclusive com a manopla da troca de marchas instalada junto à direção do automóvel.

Bem, a discussão sobre o óbvio, baseado na física em termos de espaço, versus capacidade declarada no documento, esquentou, até que a irmã do Zé Luiz deu um basta na situação, e conclamou o valoroso policial a nos deixar em paz, a encerrar tal insistência em querer nos enquadrar por algo tão discutível, mas claro, a usar de uma argumentação mais sólida, eu diria, que demoveu-o da ideia de nos conduzir à delegacia por conta disso.

No dia seguinte, partimos para São Paulo em tranquilidade, e animados com outra perspectiva que surgira para cumprirmos no mês de abril, todavia, essa história redundou em desdobramentos e que houveram iniciado-se alguns dias antes, inclusive, de fazermos esses três shows que descrevi neste capítulo. Conto a seguir.
Continua...
   

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