sábado, 27 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 369 - Por Luiz Domingues


Encerrada a temporada no Centro Cultural São Paulo, passamos por uma fase com muitas mudanças no âmbito interno, e por fatores externos, também. Desde algum tempo, já não estávamos a usar o estúdio da produtora, e aqui cabe uma explicação. 

Não foi apenas por estarmos a atravessar um momento pautado por queixas contra a atuação de nossos empresários, no entanto, estava a ocorrer uma ruptura interna entre eles, também.

Por intermédio da Sonia, soubemos que ela e Toninho haviam rompido com Miguel, e portanto, a estrutura toda do escritório, já não nos seria oferecida, mas na prática, não estávamos mais a ensaiar nesse estúdio, há bastante tempo. Os últimos ensaios houveram ocorrido no início de janeiro, entretanto, a nossa insatisfação generalizada para com eles, nos deixara sem ambiente para frequentar o casarão, diariamente, e assim, fomos a nos afastar.

E agora, sabedores que o Studio V se rachara, ficamos oficialmente sem um local de ensaio.
O nosso QG e sala de ensaios, em foto de 1983, com o Zé Luiz em evidência e o Rubens, encoberto. Click: Seizi Ogawa

Rubens ainda tentou readquirir o nosso velho quarto de ensaios, mas a sua família já o havia reformado, e ele agora apresentava um outro uso para a residência dos Gióia. Além do mais, após quatro anos intensos que tiveram com uma banda de Rock a trabalhar diariamente das 15:00 às 22:00 horas, e às vezes aos domingos e feriados, também, não teria sido nem justo que voltássemos a incomodá-los.

A solução para darmos continuidade ao trabalho, foi caseira também. Beto ofereceu a sua residência para ser o nosso novo QG.
Ele morava sozinho em um sobrado amplo, com vários cômodos disponíveis e poderia designar um deles como a nossa nova sala de ensaio.

Em termos de condições técnicas, perderíamos a mordomia de um estúdio profissional, como tivemos por poucos meses no escritório do Studio V, mas não seria nenhum drama, pois a nossa carreira inteira fora forjada em um quarto caseiro, localizado na residência do Rubens, portanto, a falta de recursos no âmbito da vedação acústica, só seria um problema mesmo para a vizinhança. Dias quentes de verão seriam combatidos com eventuais ventiladores, como sempre, e o horário de ensaios, nunca desrespeitaria a Lei do silêncio, para dar trégua aos vizinhos, às dez da noite em ponto. 

Sobre equipamento, tínhamos o nosso humilde "P.A.zinho" que nos últimos meses descansara na residência Gióia, e reativá-lo novamente seria até romântico, de certa maneira. O único problema sobre a casa do Beto, foi em termos de distância. 

Morador do bairro Jardim Bonfiglioli, na zona sudoeste de São Paulo, era na prática, bem longe para mim, principalmente que morava no Tatuapé, zona leste e moderadamente para o Rubens, na Vila Nova Conceição, na zona sul e Zé Luiz, teoricamente o mais próximo, como morador do bairro de Pinheiros, na zona oeste. Bem, tivemos que nos adaptar à nova realidade.

Sobre a nossa associação com o Studio V, queríamos romper, certamente. E agora que o escritório estava fora dos planos, nem precisávamos pedir para sair, mas havia um contrato registrado em cartório e queríamos sair dessa situação, sem pendências jurídicas posteriores. 

Uma reunião foi marcada na casa de Sonia, e o discurso do casal e também de Arnaldo Trindade, o marqueteiro, foi no sentido de que eles queriam prosseguir, mesmo sem o Miguel, e daí que explica-se o fato de que em algumas notas de imprensa sobre a temporada no Centro Cultural, ter saído o nome do Studio V, e entrado "Carlos Magno e Ferraz Associados" a demarcar uma referência ao novo escritório que haviam fundado, e que representar-nos-ia.

Mas nós não queríamos mais trabalhar com eles, e dessa forma, essa continuidade que se deu de fevereiro até meados de março, na verdade foi um período de transição, onde aguardamos a rescisão do contrato formal que tínhamos com o Studio V.

Nessa reunião ocorrida na residência do casal, eles tentaram nos convencer a continuar, e mesmo com o discurso de mais humildade da parte deles nesse momento, não haveria de nos demover de nossa intenção, pois havíamos perdido a confiança no trabalho deles.

Chegaram a propor que o "Núcleo ZT" tomasse as rédeas da banda, e eles acatariam as nossas metas. Ora, isso foi engraçado, pois logo no começo da nossa associação com eles, em uma daquelas reuniões preliminares realizadas com o intuito de conhecer a nossa organização interna, nós falamos ingenuamente sobre a iniciativa malograda do Núcleo ZT, feita em uma produção equivocada realizada em Bragança Paulista-SP e o Toninho quase teve um ataque de tanto que riu e debochou do nosso relato. Agora a solução era a volta do Núcleo ZT?
Bem, podíamos ser completamente despreparados para lidar com produção, mas nunca contrataríamos um artista tão controverso como Michael Olivier para o nosso elenco de contratados, e certamente que não arrancaríamos 40% do cachê de ninguém, e sem uma contrapartida na mesma proporção.

No passado, chegamos a fazer experiências com aspirantes a empresários sem nenhuma estrutura e o resultado houvera sido desastroso. Portanto, tudo o que ambicionamos naquele instante, foi voltar à condição em que estávamos antes de nos envolvermos com o Studio V, e acima de tudo, recuperarmos o embalo sensacional que havíamos conquistado com nossas próprias forças. 
O telefone ainda estava a tocar espontaneamente, mas já não com aquela profusão de meses antes, portanto, urgiu que retomássemos a nossa independência e readquiríssemos dessa forma o fôlego que perdêramos, através da ilusão depositada nos esforços empreendidos pelo pessoal do Studio V.

O marqueteiro, Arnaldo Trindade, tinha uma fala mansa, recheada de bom senso, é verdade e argumentou que apesar dos pesares, seria um retrocesso não termos uma representação profissional doravante. Tecnicamente a analisar, ele teve razão, é lógico. Mas na prática, teria sido preferível do que estarmos associados a Sonia e Toninho, que não teriam meios para nos conduzir a lugar algum pelo seu rol de influências, fora o fato de que não eram confiáveis em vários outros aspectos.

A qualquer momento, começariam a trabalhar com outro artista, para deixar os nossos interesses de lado e a usar o pífio argumento de que graças à sua improvável expansão, teriam meios para trabalhar melhor conosco. Uma desculpa pronta e inócua, é claro.

Além do mais, podiam ter noção sobre o meio teatral, mas no campo da música, eles eram desastrosos, e a qualquer momento apareceriam com um novo, Michael Olivier, para perder tempo e dinheiro.


Arnaldo era um sujeito com boa índole. Nessa reunião, ele levou discos e DVD's para ouvirmos, a tirar a carga de uma reunião tensa. Ele gostava de som vintage, tínhamos essa conexão boa. Lembro-me dele a colocar o LP Survival, do Grand Funk, na vitrola, e nós conversarmos sobre a vibração boa perdida no Rock. Assistimos também um DVD de show do David Bowie ) vídeo oficial da turnê "Serious Moonlight", nessa tarde, e a conversa foi boa.

Ele nos entendia muito melhor, sem dúvida alguma, mas era um publicitário, portanto sem traquejo e nem mesmo vontade de se aventurar como empresário. A aua contribuição seria somente no âmbito das ideias de marketing, mas a derrocada do Studio V, não lhe deu tempo para mostrar nenhum serviço relevante. O que faria com Sonia e Toninho, doravante, seria uma incógnita pela linha de atuação do casal, mas convenhamos, não foi mais a nossa preocupação dali em diante.

Pressionamos então por uma rescisão do contrato e sem ônus, naturalmente, pois não queríamos problemas doravante. E assim se procedeu, ao encerrarmos a nossa associação o com o Studio V.

Nunca conversamos formalmente com o Miguel para esclarecermos os fatos. Após o show que fizemos no TBC, em dezembro, uma única reunião fora feita, e convocada por ele, para analisar o show. Depois disso, novas reuniões que eram super necessárias para estabelecermos novas metas, principalmente no que tangia à busca de outras gravadoras, nunca se realizaram.

Fora um final de relação profissional muito esquisito, portanto, a contrastar com todas as promessas feitas, e sobretudo pela ideia alardeada por eles, de que adentrar o elenco de uma gravadora major seria "fácil" graças à sua condução e prestígio pessoal.

Se havia se aborrecido com a recusa da Warner, e detectado falhas em nosso repertório, material, visual, posturas, ou seja lá o que fosse, teria sido passível de conversas claras para correções, e ação, da parte dele, para batermos rapidamente em outras portas. Mas de forma inexplicável, isso não teve continuidade.

No tocante aos shows, foi a mesma situação. Em seis meses de trabalho, o escritório só produziu um espetáculo com os seus recursos, e um outro vendido para um contratante, portanto, foi uma produção pífia. 

O grande mérito dessa associação houvera sido a oportunidade de gravar uma nova demo-tape, mas a despeito disso ter sido uma ação concreta e positiva, na prática, o trabalho não ficara melhor do que a demo que graváramos em abril com os nossos parcos recursos. 

Se foi por conta disso, a mediana qualidade da demo-tape, que a Warner recusara-nos, talvez fosse o caso de voltarmos ao estúdio e prepararmos mais uma demo-tape, desta feita com mão de ferro do produtor, e material não nos faltou, pois tínhamos muitas músicas novas para escolher a vontade, a observar o padrão Pop a ser perseguido.

Entretanto, o silêncio de Miguel nesse sentido denotou a sua desistência de nossa causa, e ao levar-se em conta de que estávamos também insatisfeitos com a condução dos nossos interesses, tal atitude não nos chocou tanto quanto deveria.

Fiquei anos sem ter notícia alguma sobre o Miguel. Somente ao final dos anos noventa, já na era da TV a cabo a todo vapor, o descobri com um programa na grade de uma modestíssima TV comunitária. Era exibido às sextas, 23:00 horas e mostrava um Miguel bem envelhecido, a comandar um Talk-Show com produção muito simples, a entrevistar artistas, geralmente obscuros e egressos do segundo ou terceiro escalão da Jovem Guarda, ou da música Pop e popularesca em geral.

Apesar de geriátrico e melancólico de certa forma, eu gostava de assistir o seu programa, pois reconhecia em sua persona, os modos aristocráticos que ainda mantinha, e de fato, eu nunca nutri adversidade pessoal dele por conta dessa associação infrutífera que tivemos em conjunto.

A repercutir um ponto futuro, além desta cronologia, em março de 2001, eu estava a atuar como membro da Patrulha do Espaço. O Junior foi convidado a participar de um debate nesse Talk-Show do Miguel, e eu o levei ao estúdio onde era gravada tal atração. Lá, ele participaria junto aos jornalistas: Régis Tadeu e Toninho Spessoto, além de Sérgio Dias, ex-Mutantes, e o guitarrista de uma banda alternativa, chamada: "La Carne".

Nessa ocasião, eu fiquei estupefato, mas ocorreu que Miguel cumprimentou-me, porém simplesmente não me reconheceu! Fiquei discreto ante a situação desconfortável, pois julguei inconveniente levantar tal reminiscência naquele instante.
Eu, Luiz e Rolando Castello Junior a atuarmos com a Patrulha do Espaço, ao vivo em janeiro de 2001

Alguns dias depois, um outro convite de sua produção surgiu, e nessa ocasião, eu em pessoa, e Rodrigo Hid, iríamos ser entrevistados por ele, Miguel, em seu programa. Desta vez, não seria possível que não me reconhecesse, pensei, e comentei com o Rodrigo, certamente. Mas aconteceu novamente...

Tal história está relatada com detalhes no capítulo da Patrulha do Espaço, mais conveniente para retratar fatos ocorridos em 2001, naturalmente.

Para encerrar, depois desses dois encontros ocorridos em 2001, o vi mais algum tempo através desse programa que levava o seu nome como título e há pelo menos uns dez anos, não o vi mais na TV, e perdi a noção de seu paradeiro.

Sonia e Toninho ainda tentaram continuar a nos representar, mas após o rompimento do contrato, formalmente, nos separamos. 

Só fui vê-la novamente, em julho de 1987, aproximadamente, quando ela me entregou enfim algumas fotos promocionais que ainda estavam em sua posse, e material do qual eu já publiquei em capítulos anteriores. Esse encontro com ela foi marcado em uma boite no Rio de Janeiro, em Copacabana, onde ela estava a trabalhar. Foi um encontro educado, mas frio e bem rápido. 

Nunca mais tive notícias dela, posteriormente, e só quando elaborei uma pesquisa básica de internet, a caçar possíveis fotos para ilustrar a minha autobiografia, vi que ela possui perfil na rede social, Facebook, atualmente (2015). Está bem idosa, e se eu achava que ocupava a faixa dos cinquenta anos de idade naquela época, deve ser ou estar próxima de ser octogenária, nesse novo ponto.

O artista "quixotesco", Toninho Ferraz, sumiu do mapa. Não achei absolutamente nada sobre ele na Internet. Sobre Arnaldo Trindade, nunca mais o vi. Espero que tenha sido e ainda seja feliz. Este foi um rapaz bem-intencionado e ponderado.
Clovis, em foto bem mais atual, e que usa no seu perfil da rede social, LinkedIn

Clovis, o técnico de som, também nunca mais o vi depois que rompemos com o Studio V. Pela pesquisa de Internet, descobri que está bem, sendo dono de um equipamento de P.A, e sonoriza shows e eventos em geral por aí. Rapaz muito gentil e de boa índole, fiquei contente em saber que firmou-se como operador de áudio, dono de uma firma de sonorização de espetáculos e eventos em geral e está bem de vida.

A respeito da secretária, Maria Amélia e os seus filhos, a faxineira e o segurança, nunca mais tive notícias. Nem me lembro dos nomes dos últimos dois que citei, mas lembro-me que o segurança do estacionamento era uma figura engraçada, e não escondia de ninguém que achava a namorada do Rubens bonita. A apelidou como: "Nikita", por conta de achá-la parecida com a atriz que atuou no vídeoclip da música de Elton John, com esse mesmo nome, e que fez muito sucesso em 1986. Ele teve razão, a Claudia detinha traços fisionômicos semelhantes com a atriz que interpretava "Nikita", uma linda garota russa. Rubens era ciumento e não gostava nem um pouco dessa liberdade, mas o rapaz nunca extrapolou, portanto, ele suportou essa admiração respeitosa, digamos assim.

Alguns anos depois, o casarão da Avenida Eusébio Matoso foi demolido. Ali, junto aos escombros, o nosso sonho de chegar a um lugar ao sol, também ficou amontoada às ruínas...

Machucados pelo desgaste todo que sofremos e sem nem a metade da animação que tínhamos antes dessa aventura imprudente em jogar as nossas aspirações nas mãos erradas, tivemos apenas uma saída nesse instante: retomarmos o nosso passo, no exato ponto de onde estávamos anteriormente. E assim o buscamos, mas perigosamente com o tanque de combustível abaixo da metade, eu diria, pois a perda emocional, e sobretudo a gerencial, foi grande. E assim prosseguimos...
No Centro Cultural São Paulo, em fevereiro de 1987, Dinola e mais uma de suas criações: os óculos iluminados por leds verdes...

Continua...

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