Mesmo antes de assinarmos o contrato e o registrarmos em cartório, já havíamos caído na sedução do escritório, e mudamos o nosso QG de ensaio para lá, definitivamente. Ao olhar esse ato hoje em dia, tenho certeza de que nos precipitamos.
A despeito da família Gióia ter merecido reaver a sua paz de espírito, após longos quatro anos de invasão de privacidade, e muito barulho, ali foi o nosso QG, e continuaria a sê-lo, se não tivéssemos encontrado o Studio V em nossa vida. Ainda que simbolicamente, o nosso QG fora a nossa "Bat-Caverna" desde o início, e lá, nós construímos toda a nossa carreira, compusemos todo o nosso material, nos preparamos para todos os compromissos da banda desde o primeiro dia em 1982, e aquele quarto e a casa, por extensão, foram o alicerce que nos deu força para essa construção.
Sair de lá, naquele momento, pareceu ter sido o passo a mais que ambicionávamos desde o começo, e simbolicamente a descrever, nos sinalizou que fora a hora certa para alçarmos voo, ao sair do ninho, mas subjetivamente a falar, ainda não foi o momento adequado, daí a minha avaliação de que nos precipitamos e ao contrário do que imaginamos à época, essa saída do velho QG, foi na verdade, o começo do nosso fim. Não foi o momento certo para sair, pois o escritório não tinha feito nada, absolutamente nada por nós até aquela hora, e todas as promessas foram apenas isso, promessas...
Contudo, inebriados pela perspectiva de usarmos o estúdio próprio do escritório; nos prepararmos com qualidade sonora superior, e a cumprir um período de pré-produção para a demo-tape que eles queriam produzir, nos empolgamos e passamos a ensaiar lá naquele complexo, a estabelecer a nossa rotina diária, nesse novo endereço.
Ora, volto a dizer e repetirei isso doravante: como não nos empolgarmos naquele instante, com a perspectiva de usarmos um estúdio bem equipado, e com um técnico profissional à nossa disposição? A ideia foi gravarmos uma Demo-Tape com o requinte quase de uma gravação oficial para um disco. Se o estúdio não tinha equipamento para gravarmos um disco, eu diria que foi apenas pelo fato de não possuir vinte e quatro canais, pois todo o equipamento ali ao nosso dispor, era de qualidade: mesa; gravador, microfones, paramétricos, e caixas de monitor.
Logo no início, a conversa preliminar foi de que haveriam outros artistas contratados, e que dividiríamos o estúdio com eles, contudo, quando passamos a usar o estúdio, uma desculpa nos foi dada para justificar a ausência das tais outras bandas e assim, o estúdio passou a ser todo nosso, vinte e quatro horas por dia, e claro, isso reforçou a ideia de que estávamos a dar o passo certo e que teríamos a atenção total do escritório no que mais nos interessara, além mesmo do uso do estúdio a vontade: o empenho deles para nos colocar em uma gravadora major, além de exposição midiática mainstream, e consequente agenda lotada de shows.
Ao nos instalarmos no escritório, tivemos fortemente essa esperança, e isso somente se reforçava com a conversa super animadora da Sonia, falante como ela só, aliada ao nosso momentum excelente, com o telefone a tocar expressivamente e nesta nova situação, nós a repassarmos todas as solicitações espontâneas para eles.
Faltou-nos a percepção de que deveríamos observar um pouco mais de cautela, e ao invés de mergulharmos de cabeça nos braços do escritório, deveríamos avaliar o que eles fariam de fato, mediante uma experiência prática, e não acreditarmos cegamente apenas em suas bravatas, enquanto todas as coisas boas que estavam a ocorrer conosco, foram frutos do nosso trabalho, e eles só estavam, na prática, a surfar em nossa própria onda auto-gerada. Daqui em diante, conto várias histórias construídas dentro daquele casarão da avenida Eusébio Matoso, sob tal dicotomia que vivemos.
Continua...
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