Montamos o show que faríamos no TBC, com a perspectiva de termos tempo livre. Sem ter que dividir o espaço com outras bandas, em situações de festivais, tampouco existir uma banda de abertura para gastar um pouco do tempo cênico, resolvemos tocar bastante. Seria uma oportunidade para experimentarmos uma série de músicas novas, ao mesclá-las às músicas da demo-tape recém lançada, e as tradicionais do repertório, incluso algumas que não executávamos ao vivo, há um certo tempo, caso de: "Um Minuto Além", e "Crysis (Maya)".
Em termos de divulgação, não haveria verba para algo espetacular, mas como eu alertei no capítulo anterior, foi também um teste subliminar que observaríamos em silêncio, pois queríamos ver até onde existiria de fato o prestígio pessoal de Miguel & Sonia, cada qual com contatos em um setor diferente em relação à mídia cultural, segundo afirmavam possuir.
E assim, chegamos às vésperas do show, com ensaios mais animados, e ao verificarmos algumas notas a sair na imprensa. Não foram no entanto, espetaculares, a não ser um tijolo de pequeno porte, pago pelo escritório, publicado na Folha de São Paulo. Tudo bem, jornal mainstream, não deve ter sido barata a despesa, mas também a julgar pelo porte tímido dessa ação, não fora nenhuma exorbitância.
Na dia do show, talvez os melhores resultados apresentados em termos de divulgação, ao lado do já mencionado "tijolo pago" na Folha de SP, se deram em termos televisivos. A primeira manifestação nesse sentido, aconteceu na maior emissora do pais, portanto, ponto para o Studio V. No dia do show o programa jornalístico, "SPTV 3ª edição", da Rede Globo de TV, exibiu uma reportagem do nosso show. Claro que foi uma matéria rápida, e no noticiário de menor audiência dessa emissora, veiculado tarde da noite, mas foi a poderosa Rede Globo, e por isso, claro que teve repercussão, apesar de nada agregar para divulgar o espetáculo em si, pois os telespectadores viram a reportagem com ele já encerrado. Portanto, valeu por nos ajudar na divulgação de caráter geral, para espalhar ainda mais o nosso nome.
E também no mesmo dia do show, mais um trunfo que apresentaram nesse setor da divulgação, com a presença in loco, de outra equipe de jornalismo de TV, que apareceu para cobrir o evento. Foi positivo ter essa cobertura, embora eu deva esclarecer que nesse caso, tal equipe de reportagem chegou com a missão de cobrir a posteriori, para ser exibida no dia seguinte, e assim como no caso do jornalismo da Globo, agregando como divulgação generalizada, mas nada a contribuir para atrair público ao show, propriamente dito. Então, nesse caso, não agregou como agente de divulgação do show em si, mas claro que ficamos contentes com sua presença, e a matéria auxiliou como exposição extra, a difundir a banda em outros termos, é claro. Tal equipe jornalística adotou uma linha de reportagem onde cobriu não apenas o trabalho da banda, com direito a flashs do show ao vivo, mas também com entrevistas de fãs na porta do teatro, no afã de colher opiniões e a medir a expectativa gerada.
Sob uma coincidência incrível, o rapaz que escolheram para entrevistar, já era relativamente famoso como artista na época, mas dentro do mundo underground, onde habitávamos também. Por isso, passou incólume para a produção dessa equipe de jornalismo, tal informação, e ele foi tratado e caracterizado na edição final, apenas como um fã, quando na verdade foi a persona de Yves Passarell, guitarrista do grupo, Viper, na ocasião, e hoje em dia, muito mais famoso por ser o guitarrista do Capital Inicial, banda oitentista que perdura até os dias atuais.
Tal reportagem a ignorar a já adquirida notoriedade de Yves, se deu no programa jornalístico, "Cidade 4", exibido pela TVS, hoje em dia, SBT.
Sobre o show em si, foi mais um caso onde a sinergia não foi estabelecida, mas desta vez, houve um motivo plausível e não por conjecturas subjetivas. Ocorreu que exageramos na metragem do show, com o excesso de músicas que o tornou longo. Não dimensionamos um mapa a projetar os altos e baixos emocionais, como qualquer artista monta os seus espetáculos normalmente.
Fazíamos isso constantemente, é claro, mas nesse dia em específico, não nos preocupamos em causar emoções nas pessoas, mais preocupados em tocar muitas músicas novas, para testá-las.
Erramos feio, portanto. Mesmo ao considerar que o público seria naturalmente favorável, por ser formado por nossos fãs habituais que nos acompanhavam em quaisquer espaços onde tocávamos, pois a ideia de tocarmos muitas músicas novas, tornou o show longo, e mais que isso gerou o anticlímax da novidade não reconhecida e absorvida pelo subconsciente dos ouvintes.
Ninguém faz isso normalmente, pois aborrece o público, a gerar apatia, portanto, para quebrar a sinergia com o artista. Artistas consagrados de porte mundial, não fazem isso. Em uma turnê nova, os Rolling Stones montam o set list do show com no máximo três músicas do novo disco, e pelo menos vinte clássicos do repertório antigo. E pode observar, amigo leitor, por melhores que sejam tais canções novas, estas causam momentos de apatia no público, a quebrar a euforia que as músicas consagradas geram, facilmente. Portanto, não é aconselhável tocar muitas músicas novas em um show, sob o risco de estragá-lo.
E nós cometemos tal erro, talvez no afã de mostrar logo tantas novas criações ao público, mas também para testá-las ao vivo. Não teria sido necessário, e nos causou um prejuízo, certamente. Outro fator, a data desse show foi bem difícil: 29 de dezembro...
é normalmente muito bom para o artista, tocar em qualquer data, mas sob o ponto de vista do marketing, e da produção musical, tratara-se de uma data muito difícil para ser adequadamente trabalhada.
Todos conhecem a cultura brasileira, onde já a partir do final de novembro, a energia geral vai a diminuir em todos os setores da sociedade. Quando chega na semana que antecede o natal, tudo estaciona, a não ser o comércio que lida com a festa em si, em vários aspectos. Do natal ao reveillon, ressaca e novos preparativos para mais uma festa pantagruélica, não deixam ninguém pensar em outra coisa.
Sabíamos de todas essas variantes, mas queríamos muito ter esse tour de force com o Studio V, portanto, não esmorecemos e demos o nosso melhor, para ser um sucesso. Todavia, apenas duzentas pessoas compareceram ao TBC, no bairro do Bexiga, zona central de São Paulo.
E houve também esse fator subliminar, isto é, por não deter tradição para promover shows musicais em São Paulo, o TBC era/é um reduto muito tradicional para os seguidores de teatro, mas desconhecido por frequentadores de shows musicais em geral, notadamente shows de Rock. O equipamento de P.A. contratado pelo nosso escritório, foi bom, e adequado às necessidades acústicas do teatro. O nosso técnico do Studio V, Clovis, operou o som, e ele conhecia bem o nosso show, pois operara todos os ensaios, além da gravação da demo, em outubro.
O iluminador do teatro, fez um trabalho digno, apesar de não nos conhecer, e nem ter em mãos um mapa de luz profissional do nosso espetáculo.
Tecnicamente a recordar, o show foi bom, portanto. Mas faltou sinergia, com o público a não vibrar como normalmente vibrava em nossos shows, em outros espaços. O Studio V compareceu em peso. Até a secretaria, Maria Amélia, esteve presente acompanhada de seus filhos.
Miguel assistiu e dias depois, em reunião convocada por ele, fez críticas ao excesso de músicas novas que entediou o público, criticou também a longa duração do espetáculo e obviamente isso foi decorrência da primeira queixa que formulou. Mas ele foi além e criticou a estridência das guitarras (Beto tocou bastante, principalmente nas músicas novas), o excesso de peso no som, e até o tamanho de nossas cabeleiras, "exageradas", em seu entender.
Bem, fora os cabelos longos em demasia, todos os outros itens que relacionou, tiveram fundamento. Questionável em termos, contudo, falar sobre o peso e estridência, por serem questões técnicas, embora para o padrão Pop, fizera-se mister que aparássemos ainda mais certas peculiaridades do Hard-Rock (se bem que naquele exato momento, o "Sepultura" estava a estourar, para fazer um som na linha do Heavy-Metal extremo e radical, com cem mil vezes mais peso do que jamais faríamos, portanto foi um conceito muito relativo).
Mas acho que ele esteve 100% certo em ter detectado um excesso de músicas novas, que realmente alongou indevidamente o show e pior, tornou-o entediante, até para o mais fanático dos fãs da banda.
Fato lamentável, não tenho nenhuma foto desse show. Ele foi fotografado, mas eu nunca tive acesso aos negativos, infelizmente. Uma pena, pois o palco era histórico e estava bonito.
Muitos anos depois, eis que surgiu uma filmagem, que foi feita pelo então jovem, Ricardo Batalha, que nos dias atuais é editor da Revista Roadie Crew.
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=XMKAV9sEhIo
Assim foi nossa apresentação no TBC, que nunca mais abriu as suas portas para shows de Rock, que eu saiba. Aconteceu em 29 de dezembro de 1986, uma segunda-feira (outro fator de dificuldade certamente), e com duzentas pessoas na plateia. E também caracterizou a única experiência de produção de um show da nossa banda pelo Studio V. Em janeiro de 1987, ainda haveria um outro show que foi proporcionado pela iniciativa deles, mas não como produção própria, e sim, vendido a um contratante.
Encerramos o ano de 1986, e cabe uma análise geral, a seguir.
Continua...
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