sábado, 20 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 338 - Por Luiz Domingues


De volta a São Paulo, estávamos muito felizes por termos feito o nosso primeiro show fora do Eixo Rio-São Paulo, a expandir as nossas fronteiras. Mais do que isso, a somatória de boas novas que tivemos, pareceu-nos uma verdadeira avalanche, e sem dúvida, isso contaminara a equipe do Stúdio V, que nos tratava como uma joia rara, prestes a ser exibida no mercado.

Logicamente, essa euforia toda gerada teve poder de retroalimentação, e quando reverberava em nós, voltava com o "efeito boomerang", portanto, não houve como também não ficarmos muito excitados com a situação de momento, mas sobretudo, pelas perspectivas ainda melhores que teríamos, muito possivelmente, por pura dedução lógica.

Dessa maneira, com a entrada de outubro, ficou determinado que gravássemos uma nova Demo Tape, e essa sim, seria o nosso passaporte para ingressarmos em uma gravadora major. Uma reunião convocada pelo Miguel, inclusive, teve essa pauta: "demo tape, e qual gravadora almejávamos".

Isso mesmo... ele nos consultou sobre qual gravadora nós achávamos que seria a ideal para cuidar de nossos interesses, e de pronto, lhe dissemos que a nossa prioridade seria a Warner, gravadora que mais continha artistas de Rock em seu elenco, se bem entendido, a turma do Pós-Punk, em predominância máxima, mas mesmo assim, pareceu-nos a mais adequada.


Claro, a BMG Ariola também mantinha em seu elenco, alguns artistas ligados ao Rock. Assim como a EMI-Odeon (a CBS já tinha como contratado o grupo Heavy-Metal, Inox, uma banda pesada, e isso soava como um alento para nós, devo dizer), e outras em menor cotação, mas a Warner sempre foi o nosso sonho de consumo, por parecer ser a mais incisiva, desde que o BR-Rock 80's estourara na mídia mainstream, ainda em meados de 1982, para consagrar-se nos anos vindouros.

O discurso de Miguel, era sempre pautado pela extrema confiança, ao dar a entender, ou melhor, afirmar categoricamente, que o seu contato era com todas as companhias multinacionais, pelas quais, dizia conhecer todos os seus executivos, diretores de repertório e de contratações, além dos próprios presidentes.

Uma boa demo-tape, bem gravada, com material de apoio gráfico e um álbum de fotos, ajudariam, mas a sua intervenção direta nos garantiria a entrada, segundo nos disse, ao demonstrar uma tranquilidade tão grande nessa afirmativa, que aos nossos olhos & ouvidos, fora muito mais que uma mera bravata, mas uma certeza absoluta. Para ir além, ele nos disse que seria muito importante que um artista consagrado do mainstream e com forte identificação com o Rock, nos "apadrinhasse" e mediante um esforço pessoal de tal padrinho, também se comprometesse a nos ajudar, no sentido de telefonar para a gravadora escolhida, e endossar assim, a sugestão de nossa contratação.
Quando lhe falamos que ambicionávamos a Warner, claro que ele quis conhecer a nossa justificativa para tal escolha, e nesse momento, lhe falamos sobre o panorama do Rock oitentista, e o quanto a Warner nos parecia ser a gravadora major que mais investia no Rock, além das várias tentativas que havíamos feito para abordá-la com as nossas próprias e incautas forças, fora o apoio que tivéramos de Charles Gavin, baterista dos Titãs e Clemente, líder d'Os Inocentes, nesse mesmo esforço.
Rita Lee & André Midani, em foto de 1972. Será que essa dupla de amigos de Miguel, e entre si, conspiraria a nosso favor? 

Então, ao demonstrar inteira tranquilidade e conhecimento dos meandros das gravadoras majors, ele determinou que a sua secretária, Maria Amélia, anotasse na agenda, a tarefa de ligar para André Midani, o presidente da Warner, e que segundo ele, era seu amigo pessoal desde o início dos anos sessenta. Tal telefonema seria efetuado assim que tivéssemos a demo-tape finalizada, e o material gráfico e fotográfico, idem.

Sobre a história de um eventual "padrinho" artístico que nos apoiasse, pensamos em dois nomes: Rita Lee e Erasmo Carlos. Por  alegaro conhecer, e bem, a ambos, Miguel nos pediu que escolhêssemos apenas um, para que ele fizesse o contato e dessa forma, ele, pessoalmente convidaria tal artista para ser o nosso padrinho, ou madrinha artística.

Gostávamos dos dois, mas naquela circunstância inicial, fechamos na ideia da Rita Lee, por que já a havíamos abordado pessoalmente, há pouquíssimo tempo, e ela nos elogiara de forma explícita no seu próprio programa de rádio (Rádio Amador, da 89 FM), e nesse caso, também executara o nosso som nessa mesma ocasião e ao ir além, até houvera nos comparado ao Bad Company, uma banda britânica e setentista clássica, que ela mesmo adorava naquela década, e que portanto, tal comparação fora entusiasmante para nós, pelo peso duplo que trazia em seu bojo.

Ao alegar conhecer a Rita desde o tempo em que os Mutantes ainda não haviam ficado famosos, ele também mandou que Maria Amélia anotasse como segunda tarefa sua, como nosso empresário, ligar para Rita e formular tal pedido. Bem, diante desse quadro, nos contaminamos ainda mais na euforia, mediante essa confiança que ele demonstrava ter com tais contatos de bastidores. 

Foi tudo o que sonhávamos desde o início da carreira da banda, ou seja, um empresário com livre acesso aos bastidores do mundo artístico como um todo, a usar o seu tráfico de influências (no bom sentido do termo, é lógico), a nosso favor, e de nossa parte, teríamos mais que um produto artístico/musical bom em mãos, mas quatro anos de esforços realizados e naquele instante, a somar-se com bastante visibilidade adquirida por nossa conta, e sobretudo com o telefone já a tocar espontaneamente.

Ou seja, como não se contaminar com a euforia gerada diante de tal perspectiva auspiciosa? Ao analisar hoje, com a experiência adquirida e três décadas de distanciamento histórico, cabe uma reflexão, no entanto: apesar do Miguel realmente conhecer, e ter intimidade com tais executivos e mandatários de gravadoras, não estaria defasado em relação à cena oitentista? Os seus valores eram da década de sessenta e principalmente baseados na música Pop, ou seja, talvez ele não conseguisse entender a nossa identidade de momento, o nosso conflito estético com as correntes oitentistas, e por conseguinte, a mentalidade em voga que norteava a cabeça dos mandatários daquele instante oitentista. 

Tudo bem conhecer o André Midani, e tomar vinho com ele, socialmente, mas será que Miguel sabia que quem dava as cartas no mercado naquele instante, era a estética do Pós-Punk, e que produtores como Liminha e Peninha rezavam por tal cartilha com as bênçãos de Midani? 

Outro aspecto: independente de nossas ponderações artísticas e estéticas sobre qual gravadora nos parecia mais atraente, ele não sabia dizer o que de fato seria melhor para o nosso gerenciamento, mesmo ao conhecer tão bem os métodos de atuação de cada empresa dessas? Com tantos anos de militância nesse meio, não teria uma avaliação precisa sobre qual empresa realmente seria a ideal? A resposta que eu dou hoje em dia, é categórica para as questões acima elencadas: não...

Acho que ele confiou muito no seu taco, que realmente era forte, mas nesse mercado da música, as coisas mudam muito e rapidamente. Sendo volátil ao extremo, se um produtor não acompanha tais mudanças, fica defasado muito rapidamente e certamente que o Miguel perdera o bonde da história, e raciocinava as suas estratégias baseadas no mundo fonográfico e midiático que tanto lidou nas décadas de sessenta e setenta, e sob o prisma da música Pop (com estreita ligação com o brega,´essa é que foi a verdade), bastante distante do Rock, portanto.

Na época, é claro que nada disso nos ocorrera e assim, o nosso sentimento foi ótimo, por estarmos à beira de sermos contratados com muita facilidade e acima de tudo, por nos sentirmos prontos para dar esse passo. Mas será que seria tão fácil, assim como ele propagava?

Assim iniciou-se o mês de outubro de 1986, e dali, até dezembro, a quantidade de fatos e histórias paralelas que foram geradas nos bastidores da banda, e no casarão da Avenida Eusébio Matoso, foram dos mais intensos na história d'A Chave do Sol. Vou começar a narrar os fatos dessa época frenética para nós e espero não me esquecer de nada...
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário