sexta-feira, 26 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 367 - Por Luiz Domingues


Com a perspectiva de uma mini temporada, a ser cumprida no palco do Centro Cultural São Paulo, nos animamos bastante e também nos preocupamos, pois o tempo hábil para fazer uma divulgação convincente, foi mínimo. Já estávamos a pensar seriamente em romper com o Studio V, pela inoperância do escritório e mais uma vez, tocaríamos em um palco nobre da cidade e sob um convite espontâneo, sem a interferência desses empresários, portanto, reforçara-se a ideia de que qualquer que fosse o resultado da bilheteria, ter que doar 40% do montante para eles, foi caro demais sob qualquer argumentação plausível.

A julgar pelo clima desolador o escritório apresentava internamente, acreditávamos que a rescisão do contrato seria amigável, sem chance de nos cobrarem multas, e convenhamos, só faltava essa...

Contudo, em conversa preliminar travada com o casal, eles deram a entender que estavam surpreendidos com a nossa insatisfação e sinalizaram que após a mini temporada no Centro Cultural São Paulo, conversaríamos e eles nos demoveriam dessa resolução, pois detinham planos & perspectivas para nós etc.

Bem, conversa adiada pela circunstância, mergulhamos então na tarefa de promover uma divulgação rápida, o melhor que poderíamos fazer, pois queríamos aproveitar ao máximo o fato de termos uma mini temporada nesse palco, que era bem badalado em São Paulo, nessa ocasião. Sonia e Toninho resolveram mostrar serviço e nos falaram sobre a necessidade de capricharmos mais na divulgação e assim, gastarmos dinheiro, como um mal necessário. Mas "pero no mucho", a sua ajuda seria...

A banda detinha uma pequena reserva de caixa, graças aos cachês ganhos em dois shows que fizéramos fora de São Paulo, em janeiro, portanto, se houvesse uma eventualidade negativa, poderíamos honrar tais compromissos. 


Então ao arriscar, resolvemos colocar lambe-lambe nas ruas, bancar tijolos em jornais de grande circulação, além de colocar a mala postal do fã clube para o correio, que foi desde 1984, a nossa mais eficaz fonte de divulgação.

Também foi ventilada a necessidade de uma sessão de fotos atualizada. Estávamos a usar fotos promocionais tiradas em outubro de 1985, com produção pobre, feitas em um estúdio fotográfico de bairro, não acostumado a fazer trabalhos profissionais para artistas, a visar a publicação na imprensa. 

Então, a Sonia sugeriu uma amiga sua que costumava fazer portfólio para atores/atrizes, e claro, tal despesa seria descontada da bilheteria da mini temporada. Já que havíamos aceitado arriscar, fomos ao seu encontro, então. Foram fotos produzidas em um estúdio caseiro da fotógrafa, Tereza Pinheiro, no início de fevereiro de 1987. Algumas fotos externas foram realizadas na rua onde morava, no Jardim Lusitano, bairro que circunda o Parque do Ibirapuera.

Normalmente eu detesto fazer fotos externas, mas essas eu aprovei, pois ela soube nos manter descontraídos e até acho que ficamos com aparência de galãs... bem, ela estava acostumada a fotografar atores de novelas, portanto esteve explicado.

E a assessoria de imprensa do Centro Cultural funcionou como nunca dessa vez. Atesto que tivemos muitas notas publicadas por conta desse apoio que recebemos, e claro, tudo soma em mutirões de divulgação desse porte.

Na semana da mini temporada, participamos também de programas de rádio e TV, certamente mais reforços muito bem vindos ao esforço geral.
Fausto Silva e Osmar Santos, os pioneiros apresentadores do programa radiofônico, "Balancê"

Na rádio, visitamos novamente os estúdios da Rádio Excelsior de São Paulo, para participar do "Balancê", programa onde havíamos comparecido por inúmeras vezes para nos apresentar anteriormente e já estávamos muito habituados a fazer parte. O formato do programa havia mudado, e não era mais realizado no palco de um teatro de bolso (Teatro Pimpão), com a exótica presença de artistas a dublar no rádio para entreter quem assistia ao vivo no auditório do pequeno teatro. E nesse novo momento, Fausto Silva já não fazia mais parte, por ter sido substituído por Oscar Ulisses (irmão de Osmar Santos), um locutor esportivo em começo de carreira na ocasião, muito competente e simpático, mas com um estilo mais comedido e sem a histriônica condução de Fausto Silva.
                                    Oscar Ulisses  
                        A dupla de humoristas, Tatá e Escova

Então, mesmo sendo ainda muito descontraído e com o humor como pilar, pois a dupla de humoristas Tatá e Escova, ainda fazia parte da trupe e faziam as suas intervenções debochadas, o tempo todo, o programa adotara uma postura mais tradicional, com todo mundo sentado ao redor de uma mesa oval e a falar em microfones fixos.

As "sonoras" de futebol ainda intercalavam-se às atrações artísticas e o programa mantinha o seu caráter híbrido entre uma revista cultural e um programa esportivo, leia-se futebol, típica atração da hora do almoço. Nesse dia em que fomos divulgar a mini temporada no Centro Cultural, houve a presença de artistas bons e nós interagimos com eles, sob uma confraternização cordial. 

O cantor norte-americano de Soul Music, Billy Paul esteve presente e a sua entrevista, com tradutor ao lado, despertou uma imitação debochada dos humoristas, depois que ele partiu, pois havia chamado a atenção o fato de que ele pareceu estar embriagado, ao falar com uma voz bastante estranha, que sinalizara tal evidência. Portanto, foi um prato cheio para os imitadores. Não resisto à piada, também: Mr. Jones estaria "drunk?"

Dona Ivone Lara, a sambista famosa, estava lá também, e foi muito simpática para conosco. Logo que nos viu no corredor da emissora, foi logo a exclamar: -"Bom dia Rockeiros, adoro Rock"...

Beto Cruz não se fez de rogado e respondeu de pronto ao saudá-la, e sob um clima muito positivo, foi instaurada tal sensação positiva.

Nos surpreendemos quando defrontamo-nos diretamente com a persona de Abelardo Barbosa, o popular Chacrinha, que não participaria do programa, mas circulava pelos corredores da emissora, naquele ínterim. Foi engraçado vê-lo sério e vestido de forma casual, sem as tradicionais fantasias estrambóticas que usava na TV. Ele não nos forneceu nenhuma abertura para uma abordagem, e nós ficamos de uma forma discreta, certamente.

A nossa entrevista foi boa, tocou a canção: "Sun City" na execução musical, e o recado da temporada foi dado.

Quando acabou a nossa entrevista, eu quis ser coloquial com o Oscar Ulisses fora do ar, e lhe falei sobre um jogador que o Palmeiras estava a contratar, mas a reação do locutor foi muito surpreendente. 

Mesmo sendo ele um locutor de futebol já famoso na época, talvez a julgar ser impossível que um Rocker cabeludo acompanhasse futebol, eis que ficou a olhar-me com uma expressão facial a sinalizar um ponto de exclamação, por uma fração de segundos, e a seguir desconversou, para se despedir e agradecer a minha presença... vá entender...

Isso ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1987, um dia antes de iniciarmos a mini temporada.

E na TV, tivemos uma nova apresentação ocorrida no programa: "Panorama", da TV Cultura de São Paulo. Ocorreu no dia 10, também, uma terça-feira.

No estúdio daquela emissora, fizemos uma apresentação ao vivo, e concedemos uma boa entrevista. O fato da própria TV Cultura ter produzido o clip de "Sun City", motivou exibição de um trecho do mesmo, e uma mini entrevista a falar sobre a questão do Apartheid que ocorria na África do Sul, mote da letra dessa canção. Claro que também falamos sobre a banda em si e a temporada no Centro Cultural, naturalmente.

As músicas que tocamos ao vivo, foram: "Trago você em meu Coração" e "Saudade", com boa performance, apesar da reverberação monstruosa com a qual lidamos no ambiente do estúdio. Nem preciso dizer o quanto lamento não ter esse material de vídeo disponível hoje em dia, perdido que ele foi...

No mesmo programa, a então muito jovem atriz, Mariana de Moraes, concederia entrevista, a falar sobre a sua atuação no cinema. Ela acabara de lançar o filme: "Fulaninha", que estava a gerar polêmica na ocasião, ao retratar o flerte entre uma adolescente e um homem maduro de meia-idade, quando contracenara com atores tarimbados como Claudio Marzo, entre outros. Neta do poeta, Vinícius de Moraes, essa moça chamava a atenção pela beleza, e por ser a ninfeta da vez na mídia, para rivalizar com Luciana Vendramini, certamente. Mais tarde, ela tornou-se também uma cantora.

Lembro-me dela a assistir a nossa performance, sentada em um banquinho alto, com seus pés suspensos no ar e a balançá-los ao ritmo das nossas músicas.

Nessa época, o Panorama era apresentado por Luciano Ramos e Tereza Cristina. Lembrava-me do Luciano Ramos, plenamente, por ele ser um jornalista tarimbado e crítico de cinema que tinha larga experiência. Aliás, eu gostava muito de uma sessão de cinema que ele apresentava na mesma TV Cultura, durante os anos setenta, onde um mesmo filme era exibido todo dia, de segunda a sexta às 23 horas, e na sexta, antes da última exibição, um debate conduzido por ele, com convidados seletos, dissecava a obra. E claro, só exibia-se clássicos em sua predominância.

Então, após ter a chance de ver o mesmo filme por quatro vezes, depois do debate, o espectador sentia mais vontade de ver pela quinta vez, com as informações de especialistas a repercutir na mente e com o filme praticamente decorado para ser melhor compreendido. Foi, portanto, uma visão de cinéfilo, totalmente anticomercial, e dessa forma a se mostrar só cabível na grade da TV Cultura mesmo, e em meio a uma época onde a preocupação com o resultado da audiência não era tão avassaladora.
O jornalista/crítico de cinema, Luciano Ramos, em foto dos anos setenta


E a jornalista, Tereza Cristina, eu também conhecia, pois entrevistara o Língua de Trapo, quando de minha segunda passagem pela banda, inúmeras vezes. Bem, com esse reforço de rádio e TV, estivemos muito mais confiantes de que conseguiríamos movimentar um bom público para comparecer ao Centro Cultural São Paulo, para cinco apresentações, de quarta a domingo.

Continua...

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